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Crítica | A Bela e a Fera (1991)

por Gabriel Carvalho
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“Ele não é um monstro, Gaston; você é!”

Embora A Pequena Sereia, filme baseado no livro homônimo de Hans Christian Andersen, tenha sido o primeiro conto de fadas da Disney em trinta anos, desde o lançamento de A Bela Adormecida, abrindo, portanto, o Renascimento DisneyA Bela Fera é, definitivamente, a mais importante das obras inspiradas nessas histórias tão antigas quanto o tempo. Esta definição pode até ser atribuída pelo simples fato da animação ter sido a primeira concorrendo ao Oscar de Melhor Filme, mas as qualidades e diferenças também são ímpares, enaltecendo uma produção comprometida a ser, senão a melhor, a maior dentre os contos de fadas transformados em cinema e as demais obras protagonizadas por personagens femininas, incluindo aquelas sob o selo Disney Princesas. Dessa vez, a grande estrela cinematográfica, sucedendo as icônicas Branca de Neve e Cinderela, é a encantadora Bela (Paige O’Hara), uma pessoa extremamente à frente de seu tempo. Para ser notado, é interessante que a maior característica da personagem não seja relacionada a sua beleza superficial, mas ao seu hábito de leitura, comentado com ironia na canção Belle, que abre o longa-metragem. Contudo, as diferenças dessa poesia romântica em forma de animação, baseada em A Bela e a Fera, com autoria de Jeanne-Marie Le Prince de Beaumont, a outras já abordadas pelo mesmo estúdio ultrapassam ainda mais barreiras que o amor entre duas personalidades improváveis.

Uma dessas características comporta a mais óbvia das lições existentes em A Bela e a Fera: o entendimento de que a maior beleza do ser é a interior. Ao colocarmos para comparação o antagonista da obra e o príncipe encantado da vez, encontramos uma discrepância enorme na apresentação dada aos dois pelos animadores. O charme de Gaston (Richard White) é uma característica inegável do personagem, introduzido como um verdadeiro macho-alfa, apesar de uma vertente extremamente cômica ser iniciada disso, ainda mais pelo completo narcisismo presente na essência de sua pessoa. A excepcional Gaston, música homônima ao carismático personagem, é uma evidenciação de tudo de superficial a ser oferecido pelo vilão à Bela, visto que o antagonista está interessado em casar justamente com a única mulher desinteressada nele. Não há igual ao Gaston, mais herói que Gaston. Por outro lado, quando somos apresentados à Fera (Robby Benson), ainda na abertura da animação, nos deparamos com uma criatura distorcida, coberta de pelos e monstruosa. O design de personagem não decide por tornar a Fera um ser, embora bestial, apresentável, ousando em desfigurá-lo como pode, caprichando na pelagem, diferentemente de certa adaptação em live-action. Das demais características de Gaston, o mais forte de todos ou o mais peludo de todos, o antagonista ainda termina por não ser páreo nem nesses atributos à Fera, inicialmente, similar a Gaston em arrogância.

Também é notável em A Bela e a Fera o capricho na relação amorosa desenvolvido entre os seus protagonistas, com Bela sendo o vetor de transformação da Fera. Dentre todas as figuras de príncipes já apresentadas anteriormente, nenhuma recebeu tanto destaque quanto a Fera, um personagem muito mais distinto que outros indistintos pares românticas. A Fera é única, recebendo um arco dramático que a transforma de uma criatura fria e amedrontadora a um ser capaz de amar pela primeira vez. A existência de um desenvolvimento concreto difere o personagem desses outros demais, mostrando um amadurecimento da empresa, sabendo como aliar uma narrativa mais formal a uma compreensão de sentimentos vinda de outras maneiras. A própria relação do personagem com os seus serviçais é bastante diferente no entardecer da história se comparada com os segmentos iniciais da obra. Não é à toa, pois, durante toda a projeção, percebe-se um real comprometimento desses personagens em fazer a Bela e a Fera se apaixonarem, evidenciando-se, dessa forma, coadjuvantes com propósitos narrativos claros e bastante funcionais, além de serem extremamente memoráveis, tanto pelos traços adotados quanto pelas interpretações de voz. Dessa forma, se os primeiros encontros entre Bela e Fera são assustadores, causando repulsa na protagonista, Be Our Guest alivia qualquer tensão e transforma a maldição em encantamento. Afinal de contas, isso é França.

Porém, muitos podem argumentar das problemáticas envoltas desse amor triunfante, como o fato de Bela ter sido mantida refém pela Fera e seus serviçais, trocando de lugar com o seu pai, que havia sido sequestrado indiscriminadamente pela besta habitante do castelo. O interesse dos realizadores está muito mais em realçar a tristeza de toda a situação, mostrando uma criatura solitária e, acima de tudo, desesperada em quebrar um encantamento poderoso, do que em exaltar as malícias escondidas em um aprisionamento como esse. Justamente quando caminha por essa tentativa de humanizar o protagonista que a história sofre uma reviravolta, com Bela sendo libertada de sua prisão assim que o seu pai necessita de sua ajuda. O dispositivo narrativo é fácil, mas promove uma percepção das nuances existentes na Fera, interessado mais no real amor do que em qualquer outra coisa. Os serviçais, por outro lado, ficam extremamente furiosos, mais interessados nas consequências daquele amor do que naquele amor em si. As distinções engrandecem a obra. Apesar de tudo isso, a maior aproximação entre as duas figuras dessa paixão impossível é encaminhada pela excepcional trilha sonora, uníssona em qualidade, abrindo espaço para o amor com Something There, mas encontrando o verdadeiro clímax dele com a deslumbrante Beauty and the Beast, protagonista de uma sequência inesquecível, um dos grandes momentos românticos da história do cinema.

Sob um último plano, A Bela e a Fera convida o espectador a observar seu caráter de conto de fadas de alto escalão se transformar em uma vertente habitada pelos musicais mais luxuosos, mágicos e grandiosos de todos os tempos, características também certeiras para a obra. Em primeiro lugar, mencionando essa mesmíssima sequência no salão de festas, A Bela e a Fera é parte de um investimento da Disney em novas tecnologias, como as apresentadas no visualmente impressionante Bernardo e Bianca na Terra dos Cangurus. O salão, no caso, é feito completamente em computador, movimentando-se pelos planos, algo extremamente inédito para a empresa na época, ambiciosa com essa produção. A ousadia na movimentação da câmera imprime valor aos cenários, permitindo, em consequência, uma costura extremamente fluida e apaixonante, como uma dança. Tal grandiosidade também é perceptível nas cores exuberantes de Be Our Guest. As sequências musicais, portanto, nunca foram tão vivas anteriormente. Com uma qualidade de animação bastante peculiar, dando preferência à movimentação dos personagens a suas apresentações estáticas, buscando o dinâmico, o filme encontra um valor artístico formidável em diversas de suas passagens, como no combate final entre a Fera e Gaston, engrandecido por uma chuva que complementa o cenário de maneira deslumbrante. Assim sendo, o ápice dos contos de fadas também é um dos ápices dos musicais.

A Bela e a Fera (Beauty and the Beast) — EUA, 1991
Direção:
 Gary Trousdale, Kirk Wise
Roteiro: Linda Woolverton
Elenco: Paige O’Hara, Robby Benson, Jesse Corti, Rex Everhart,  Angela Lansbury, Jerry Orbach, Bradley Pierce, David Ogden Stiers, Richard White
Duração: 84 min.

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