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Crítica | A Audácia é Minha Lei

Um western gracioso na forma e conteúdo.

por César Barzine
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O western é uma entidade moral dentro do cinema. É em seu interior que o público é melhor educado, pois ele sempre parte de um ambiente hostil, clima perfeito para o desnudamento do comportamento e dos princípios humanos-civis. O gênero do bang-bang habita o imaginário popular devido aos tiros, duelos e violência, se constituindo de um cinema da ação, do agir com força bruta e aparentemente de modo banal. Porém, essa ação nunca vem isolada, ela está sempre conectada ao pensamento, a toda uma mentalidade que cria um código moral neste ambiente áspero e desolado.

A pobreza material e a força da ação dão corpo a questões como honra e bravura, temas que foram largamente estudados em outras obras do faroeste que são verdadeiros ensaios revisionistas – Consciências Mortas, Matar ou Morrer, O Homem dos Olhos Frios, Duelo de Titãs, O Homem Que Matou o Facínora etc. A Audácia é Minha Lei se localiza dentro desse campo de uma forma simples e despretensiosa. O tema geral do filme é o compromisso com a honra presente no auxílio da vida em comunidade – um eufemismo para “altruísmo” com certo apelo à tradição. Cowpoke, um forasteiro, acaba de chegar em uma província e, com efeito, é visto com aquela típica ótica de aversão aos estrangeiros tão presente no western. Mesmo assim, ele salva um homem de um assalto, revelando seu caráter e compromisso ético.

Não gosto de ver um homem sendo apunhalado pelas costas“, responde Cowpoke a Tennessee, a vítima que foi ajudada por ele. A partir daí forma-se uma grande amizade, o que leva o novo herói a conhecer Elizabeth, uma belíssima dona de um bordel. Este, principal ponto da mise-en-scène de A Audácia é Minha Lei, chegando a remeter aos trabalhos românticos de Vincent Minnelli e Douglas Sirk, com uma plasticidade ultra colorida associada ao escapismo de um musical. As cores da fotografia e principalmente da direção de arte são vibrantes, alcançando um nível de apelo visual presente somente, entre os faroestes coloridos, no lirismo idílico de Jacques Tourneur em Paixão Selvagem. Um dos grandes destaques para esse efeito vem da abundante mobília que se encontra na decoração do bordel, um enorme conjunto de bens materiais que formam imagens pictóricas, parecidas com pinturas clássicas, substituindo o constante uso de locações primitivas presentes nos demais westerns.

Nem Johnny Guitar ou Rastros de Ódio atingiram um esplendor visual como esta obra de 1955. As cenas dentro da residência de Elizabeth carregam o clímax dessa estética, exibindo com intenso brilho uma enorme variedade de cores nas roupas e no cenário. O que vai ao encontro, em paralelo à overdose de tons coloridos executada aqui, a toda uma classe e leveza, um senso de graciosidade naquele ambiente que parece mais um local aristocrático. Aliás, muitas das sequências do filme ocorrem neste bordel, que é um centro de convivência dos mais afortunados da cidade. Assim, se desenvolve neste espaço algumas das intrigas que dão peso à história, posicionando a violência não apenas em espeluncas de bares com sujeitos rudes, mas também em jogos de cartas entre aqueles que se vestem com mais elegância.

O figurino das personagens femininas é um outro atrativo que proporciona grande charme ao filme. As prostitutas se vestem como donzelas, e a líder delas, Elizabeth, possui grande ênfase quando está em cena. A escolha de suas roupas acerta ao sugerir o humor em que ela se situa. Quando a noiva de Cowpoke chega e ele a presenteia com joias, Elizabeth atenciosamente curva seu olhar para aquele bem precioso. O momento, além de apresentar uma boa condução  da linguagem facial da atriz, também vem complementado na escolha de um forte vestido vermelho. Este, com um decote, é carregado de forte sensualidade e exibe uma tom mais quente inserido na personagem, que claramente olha para o presente com desejo. Em contrapartida, quando Cowpoke está prestes a se desiludir com Goldie, sua amada, ela veste uma roupa bem mais simples, mas nem por isso torna-se discreta; o amarelo, de tom ainda vívido, de sua blusa indica um aspecto de inocência de Elizabeth em comparação ao transtorno causado por Goldie.

As duas atrizes são as que possuem as melhores performances no filme. Enquanto os personagens masculinos são apenas “homens de honra”, as personagens femininas são bem mais densas graças à ambiguidade de cada uma delas. Goldie, que se mantém como uma moça ingênua e dócil na maior parte do tempo, tem essa pureza quebrada através de suas expressões maliciosas ao receber uma proposta de Tennessee e ter assim a sua verdadeira moral desvelada. Enquanto Elizabeth, como já dito, oscila entre um tom mais ameno e outro mais provocativo, porém sem perder a sua integridade. Desta forma, em A Audácia é Minha Lei, o aspecto de agressividade presente no duelo mortal que ronda os westerns acaba se deslocando ao campo feminino, pois é aqui que surge seu tom de provocação entre os personagens. É por meio de olhares, vestidos e do comportamento feminino que se encontra certa malícia e questionamentos morais.

Enquanto isso, ao mesmo tempo que há toda uma doçura no antagonismo entre personagens e na direção de arte, a câmera de Allan Dawn segue o mesmo caminho, trabalhando com movimentos laterais em locais internos que elevam a graciosidade do longa. A exploração do espaço obtém um especial sucesso quando ele é preenchido por muitos personagens, dividindo-os horizontalmente em grupos conforme a profundidade de foco. Assim, alguns enquadramentos são realizados com maestria quando há esse contraste entre o espaço e os personagens – e o melhor exemplo disso é quando as meretrizes são refletidas num espelho enquanto há um diálogo de personagens mais próximos da câmera.

Se A Audácia é Minha Lei é um filme de honra, ele também é uma obra de dilemas, sendo a partir da relação entre Cowpoke e Tennessee que surge esse principal dilema. Tennessee sabe do passado sujo da noiva de seu novo amigo, então ele se sente na obrigação de quitar a ajuda que tem por ele livrando-se dela. É óbvio que para Cowpoke isso não irá ficar claro de primeira, levando a um confronto entre os dois. A ideia de um colaborar com o outro parece se desmanchar, mas esse novo duelo é somente um passo para que essa amizade se fortaleça. O filme é, então, uma dialética em que a ternura é respondida com ação. Porém, de todo modo, o lado sereno da obra de Dawn se sobressai, o que significa que, além das paisagens mágicas arquitetadas aqui, a fraternidade entre os dois parceiros sai ganhando.

A Audácia é Minha Lei (Tennessee’s Partner) – EUA, 1955
Direção: Alan Dawn
Roteiro: Milton Krims, D.D. Beauchamp, C. Graham Baker, Teddi Sherman, Bret Harte (história), Allan Dwan (não creditado)
Elenco: John Payne, Ronald Reagan, Rhonda Fleming, Coleen Gray, Anthony Caruso, Morris Ankrum, Leo Gordon, Chubby Johnson, Joe Devlin, Myron Healey, John Mansfield
Duração: 87 minutos.

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