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Crítica | A Ascensão de Thanos

por Ritter Fan
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Mata-se um homem, é-se um assassino. Matam-se milhões de homens, é-se um conquistador. Mata-se a todos, é-se um Deus.
– Jean Rostand

Não consigo entender a tara que os escritores e leitores de quadrinhos têm com histórias de origem. Enquanto algumas são extremamente importantes para a formação da estrutura dos personagens em si – como nos casos do Batman e do Capitão América, só para citar dois exemplos -, uma quantidade nada sadia de outras são supérfluas e até mesmo reducionistas, efetivamente detraindo e não acrescentando à mitologia. Quando, então, lidamos com vilões, a coisa pode piorar exponencialmente.

E é o que infelizmente acontece com a minissérie A Ascensão de Thanos, que trafega a perigosa e insalubre linha entre o fan service a partir da revelação do Titã como o grande vilão do Universo Cinematográfico Marvel, com Os Vingadores, de 2012, e o prelúdio de uma saga em quadrinhos, no caso a excepcional Infinito que, curiosamente, tem Thanos muito mais como uma “nota de pé de página” do que como pivô de alguma coisa. Jason Aaron, responsável por muita coisa boa, mas também por porcarias abissais como Pecado Original, tem a função de contar, em detalhes, a origem do personagem, algo que ele faz a partir de uma visita do Titã Louco à completamente destruída Titã, sua lua natal. A partir da lápide de sua mãe, Sui-San, Aaron inicia um extenso flashback que toma praticamente a integralidade das cinco edições que ele precisa para contar uma história que repete exaustão a mesma temática: a busca de Thanos pelo que ele é, por sua função no universo.

Thanos nunca havia recebido uma história de origem tão detalhada antes, com algumas páginas dedicadas ao seu passado em sua primeira aparição em O Invencível Homem de Ferro e, depois, nas duas partes de Vingadores vs Thanos. O principal já havia sido exposto: Thanos matara sua mãe e sua fúria genocida o teria levado às estrelas, apesar de todos os esforços de seu pai, A’Lars (ou Mentor), para impedi-lo. Aaron não exatamente desdiz o que veio antes, construindo em cima uma história tão padrão, tão clichê, que chega a ser doloroso.

Temos tudo que é necessário para literalmente justificar a maldade e o ímpeto assassino de Thanos: ele é rejeitado pela mãe imediatamente, que tenta matá-lo em seu nascimento; ele testemunha eventos traumáticos em sua infância; ele passa uma adolescência isolado em seus estudos; tornar-se um jovem adulto perdido no mundo e eis que ele volta à Titã já com fama de um genocida aniquilador de planetas. Cansa demais ler a história que, de novo mesmo, só introduz o conceito de uma bela jovem que, desde quando ele era pequeno, o leva ao “mau caminho”, quase que dizendo que tudo o que ele chega a fazer não é culpa dele. O leitor mais atento saberá quem essa jovem é desde sua primeira aparição, mas não revelarei aqui para evitar spoilers para quem porventura tiver interesse em ler a minissérie.

(1) Thanos como um adolescente pirracento e (2) Thanos como um bobalhão apaixonado. Mas a arte é bonita pelo menos!

Reduzir Thanos a um brilhante jovem atormentado por dúvidas existenciais que só encontra algum prazer infligindo a morte é o equivalente em quadrinhos a apresentar Hitler como um jovem que sofria bullying na escola e, portanto, ele simplesmente precisava aniquilar milhões por esporte. Pois é isso que Aaron faz e, pior ainda, repetindo sua narrativa como um cachorro correndo atrás do rabo a cada nova edição, que só são diferenciadas pelo crescimento físico do personagem.

Quando, porém, já achava que a história não teria mais jeito e que nada em sua narrativa seria aproveitável, Aaron aborda de maneira diferenciada a questão da Morte, o grande amor da vida de Thanos, emprestando um outro significado a seu apelido mais famoso. No entanto, esse “prêmio” é pouco demais para justificar a leitura da minissérie, por mais simples e rasteira que ela possa ser. Sem dúvida é uma reviravolta interessante, ainda que razoavelmente previsível, mas ele poderia ter chegado ao mesmo resultado com 50 páginas a menos e sem o resmungo sobre o passado remoto do Titã.

Mas há, também, outro ponto positivo aqui: a arte de Simone Bianchi. Mesmo tomando decisões estéticas questionáveis, com o figurino Victoria’s Secret de Sui-San às portas da morte, há que se admirar sua abordagem para Thanos, recriando o personagem de sua própria maneira, mas sem reinventar a roda. Ele não só ganha um uniforme mais, digamos, terreno, como ele se torna bem mais relacionável, como um extraterrestre em meio de muitos outros e não como um personagem colossal que se destaca entre os que estão a sua volta. Além disso, o desenhista se esmera em meias páginas muito eficientes e gráficas que ajudam a estabelecer a personalidade do Titã. Vale particular destaque para as últimas duas edições, que contam com a arte-final de Riccardo Pieruccini, emprestando um ar de pintura clássica aos quadros que curiosamente funcionam muito bem nesse contexto sci-fi niilista.

A Ascensão de Thanos não precisava existir, pois nem sempre precisamos saber os detalhes dos personagens que povoam os quadrinhos. Ao transformar a vilania pura em algo explicável, Aaron quebra a mágica e o mistério e faz de Thanos apenas um adolescente birrento que se apaixona cegamente pela primeira mulher  que passa na sua frente. O Titã Louco não merecia isso.

A Ascensão de Thanos (Thanos Rising, EUA – 2013)
Roteiro: Jason Aaron
Arte: Simone Bianchi
Arte-final: Simone Bianchi, Riccardo Pieruccini
Cores: Simone Peruzzi, Ives Svorcina
Letras: Clayton Cowles
Editora original: Marvel Comics
Data original de publicação: junho a outubro de 2013
Editora no Brasil: Panini Comics
Data de publicação no Brasil: novembro de 2014
Páginas: 124

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