Home LiteraturaConto Crítica | A Árvore de Natal na Casa de Cristo, de Fiódor Dostoiévski

Crítica | A Árvore de Natal na Casa de Cristo, de Fiódor Dostoiévski

por Leonardo Campos
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Qual o sentido do Natal? Mesmo que haja toda uma tradição voltada ao processo de associação entre o período e o cristianismo, há estudos que alguns costumes da tradição são conectados com comemorações anteriores ao advento do nascimento do “filho de Deus”, conforme reza a cartilha religiosa e mitológica em nossa atual sociedade. A ceia, a troca de presentes e cartões, as felicitações, as decorações peculiares, a interferência lúdica da música, dentre outros elementos, demarcam com força essa tradição forte e até hoje muito presente na cultura ocidental e oriental, cada uma com suas especificidades, é claro. Natal, em sua origem etimológica, é uma palavra que significa nascer. E o que necessariamente podemos compreendemos sobre esse nascimento? Muita coisa, mas tudo aquilo que os personagens do conto A Árvore na Casa de Cristo não dispõem. A fartura, a solidariedade, o amor e a paz interior conseguem ser alcançados apenas quando as figuras ficcionais desta história lacrimejante transcendem do corpo físico para outro lugar na existência. A miséria, fome a e falta de dignidade humana são as palavras-chave de suas respectivas passagens dolorosas pela vida que tudo lhes nega.

Para quem conhece o volume impactante dos romances Crime e Castigo e Os Irmãos Karamazov, a descoberta do conto A Árvore na Casa de Cristo chega a ser surpreendente em sua brevidade e estilo mais contido. Assinados por Dostoievski, autor considerado pela crítica um dos mestres da literatura mundial, a história é aparentemente simples em sua superfície, mas profunda quando levamos em consideração algumas questões sobre opressão social, pobreza e transcendência, conteúdos dispostos no desenvolvimento da trajetória de um menino e sua mãe, mortos de fome, frio e mergulhados em vastas necessidades num período que deveria ser de renovação das crenças, mas surge como momento delineador das desigualdades já expostas pelo escritor russo em suas obras mais conhecidas. Conhecido por retratar travessias dolorosas de personagens, sitiados em momentos de culpa, sofrimento, niilismo e angústia filosófica e psicológica, o autor do conto entrega um material bem mais enxuto que o habitual, mas com forte mensagem embutida no enfrentamento da miséria, sofrida por uma criança em pleno natal.

Aqui, enquanto alguns gozam dos privilégios de uma lareira para aquecer do frio e de uma mesa farta para driblar fome, o personagem apresentado pelo narrador em terceira pessoa, situado entre passado e presente, precisa lidar com a forte fome que o aplaca. E também a descrença na melhora de sua situação de pobreza. Basicamente, acompanhamos a sua jornada pelo frio em São Petersburgo, momentos antes de sua virada mágica, trecho de entrada na transcendência que domina o conto da primeira metade para o desfecho entristecedor. Ao partir dessa vida, a criança sufocada pelo caos social que a impede de superar tantas crises no mundo físico, encontra a tal árvore de natal transcendental, o equivalente ao encontro com uma nova era em sua existência, agora no “mundo espiritual”. Pelo que a narrativa indica, ele é uma das tantas crianças acometidas pelas dificuldades do êxodo rural, parte integrante de uma massa que se desloca para os grandes centros urbanos ainda na realidade contemporânea, mudança territorial marcada por solidão, tristeza, frio e outros sentimentos nada acolhedores, antíteses do natal que deveria ser marcado por acolhimento, fartura e bem-estar.

Esse é o direcionamento do simples, mas tocante conto A Árvore de Natal na Casa de Cristo, uma história que preza pela objetividade e que, mais uma vez, menciono que me deixou em dúvidas no que concerne ao processo de autoria. Não parece um Dostoievsky, mas é, conforme apontado por alguns estudos literários disponíveis, focados na análise da forma e do conteúdo desta história aparentemente banal, mas altamente urgente e complexa em suas entrelinhas. Sinestésica, a leitura nos faz passear por experiências sensoriais e uma forte descrição metafísica, com detalhes sobre dimensões espaciais segundo o ponto de vista do narrador onisciente e do olhar do menino personagem, acuado em lugares sufocantes e noutros momentos, deslocados em pontos amplos da cidade, cheios de barreiras intransponíveis para a sua existência com dignidade. Morrer e abandonar a vida mundana parece um destino mais adequado para o menino, figura que encontra o sentido natalino apenas no “outro plano”. É lá que a criança pode contemplar a árvore de natal do título, belíssima e luminosamente intensa.

A Árvore de Natal na Casa de Cristo (Мальчик у Христа на ёлке) Rússia, 1876
Autor: Fiódor Dostoiévski
Editora no Brasil: Ediouro
Tradução: Maria Cristina Guimarães Cupertino
Páginas: 10

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