Quando embarquei no projeto de ver/rever toda a filmografia de Jean-Claude Van Damme para escrever as respectivas críticas para o site, tinha a absoluta certeza de que, a partir dos anos 2000, quando a carreira do belga passou a despencar, com filmes basicamente lançados direto em vídeo, não encontraria absolutamente nada que prestasse. Mas, dentre as usuais porcarias que, aliás, pontilharam o conjunto completo de sua obra desde o começo, tenho reparado que é nesse período – talvez em razão de seu amadurecimento e, claro, envelhecimento – que há maior concentração de longas acima da média. E 6 Balas é definitivamente um deles e, mais do que isso, talvez um dos melhores de toda sua longa carreira.
Marcando o retorno do protagonismo de Van Damme depois de diversas pontas nas mais variada obras, o longa lida com Samson Gaul, um mercenário especializado em achar pessoas que, depois de uma bem sucedida missão de resgate de um menino sequestrado pelo tráfico humano que, porém, tem graves danos colaterais, com a morte de outras crianças, aposenta-se como açougueiro na Moldávia sendo literalmente assombrado pelo que ocorreu. Sua oportunidade de redenção vem quando a jovem Becky (Charlotte Beaumont), filha do lutador de MMA Andrew Fayden (Joe Flanigan) e de sua esposa Monica (Anna-Louise Plowman), curiosamente dois atores egressos da saudosa franquia Stargate, é sequestrada logo quando eles chegam em Chisinau. Desesperados, o casal, depois de receber uma dica de Selwyn (Kristopher Van Varenberg), funcionário da embaixada americana que é também filho de Gaul (e de Van Damme), entra em contato com o ex-mercenário que, relutantemente, acaba aceitando a missão.
Sem dúvida estamos diante da premissa clichê de um guerreiro traumatizado que volta ao combate por uma razão nobre, mas o que realmente importa é como o clichê é desenvolvido ao longo do filme e é nesse aspecto que 6 Balas merece o real destaque. Para começo de conversa, o longa, de seu jeito, chama atenção para o tráfico sexual de crianças, o que por si só é algo a ser aplaudido, especialmente porque a obra não tenta esconder a dura realidade ou fazer com que a ação abafe completamente a tragédia. Como se isso não bastasse, no lugar de seguir o caminho mais fácil, que seria transformar Gaul em uma invencível máquina de matar à la Bryan Mills, em Busca Implacável, filme que, em linhas gerais, conta a mesma história, o roteiro dos irmãos Chad e Evan Law empresta mais nuanças ao protagonista ao fazê-lo viver um homem relutante e torturado que, muito longe de agir sozinho, acaba criando parcerias com seu filho, com o casal de pais e, também, com a polícia local.
Claro que há muita pancadaria e muitas explosões, além de muitas (satisfatórias) mortes de vilões que mais do que merecem morrer de cara por viabilizarem o estupro de menores, mas a direção do ucraniano Ernie Barbarash, em sua segunda parceria com Van Damme (a primeira foi no também muito bom Jogos Letais, do ano anterior), não se vale daquela cinética cansativa hollywoodiana e imprime um passo constante, mas não acelerado ao longa, o que abre espaço para que o lutador belga novamente mostre que sabe atuar quando realmente quer e até mesmo para que seu filho, em primeiro papel de razoável destaque, mostre que não faz feio. Há elementos investigativos intercalados com momentos de violência que ajudam no ritmo da fita que tem tempo para respirar e apresentar uma reviravolta em sua metade que funciona bem por algum tempo, ainda que sua “solução” seja telegrafada por uma câmera didática talvez demais.
Algumas decisões de roteiro, como a forma que a família da garota sequestrada acaba se envolvendo na pancadaria final, não fazem lá muito sentido lógico, mas são facilmente releváveis dentro da refrescante tentativa de 6 Balas de evitar que Samson Gaul seja um super-herói capaz de resolver tudo sozinho apenas com seus músculos, balas e alguns gadgets bastante convenientes. Mas, se o espectador souber ultrapassar esse tipo de problema, encontrará um filme surpreendentemente maduro, engajante e com um Van Damme realmente investido em seu personagem para além de suas usuais caras e bocas.
No final das contas, 6 Balas é um Jean-Claude Van Damme superior e, em certa medida, surpreendente especialmente considerando o ponto em que o ator estava em sua carreira já em franco declínio. Trata-se de um longa que usa uma premissa que por si só carrega um conteúdo de aviso e relevância e que trata do assunto com alguma solenidade, sem tentar romantizar o tráfico humano de crianças e sem apenas usar essa questão como uma mera plataforma para o protagonista destruir uma cidade inteira.
6 Balas (6 Bullets/Six Bullets – EUA, 2012)
Direção: Ernie Barbarash
Roteiro: Chad Law, Evan Law
Elenco: Jean-Claude Van Damme, Joe Flanigan, Anna-Louise Plowman, Charlotte Beaumont, Steve Nicolson, Uriel Emil Pollack, Louis Dempsey, Mark Lewis, Kristopher Van Varenberg, Bianca Van Varenberg, Lia Sinchevici, Andrei Runcanu, Florin Busuioc, Matei Calin, Celesta Shanti Hodge, Sorin Cristen
Duração: 115 min.