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Crítica | 52 Filmes Curtos

por Gabriel Zupiroli
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O adjetivo “experimental” é comumente utilizado para descrever obras que se desviam dos padrões esperados de construção artística. Seja por uma subversão nas maneiras de se narrar, seja através de escolhas estilísticas que tradicionalmente não são as utilizadas para uma obra, o “cinema experimental” é algo que praticamente sempre existiu e sempre tratou de inovar as próprias formas de moldar a linguagem. 52 Filmes Curtos é um filme que respira essa ideia em sua totalidade: composto de múltiplas filmagens de curta duração, é um trabalho que procura não apenas narrar de uma maneira caótica um ano caótico como o de 2020, mas sobretudo elaborar uma encenação que faça jus a essa tempestade audiovisual, aniquilando qualquer possibilidade de “linearidade”, mas mesmo assim moldando uma unidade própria.

Os fragmentos, que foram gravados ao longo de um ano pela cineasta, parecem, a princípio, não possuir uma interconexão entre si – não, ao menos, em um sentido de cadenciamento dos acontecimentos. É como se as sequências possuíssem uma unidade própria, indo desde planos violentamente abusivos no que remete à exploração máxima das luzes, cores e sons, até cenas cotidianas de um sujeito em sua casa, fazendo as tarefas de rotina. Dessa forma, a diretora Frances Arpaia retira, à primeira vista, qualquer possibilidade de sentido que pode ser encontrada na alternância dos discursos, fazendo com que as sequências existam por si só. É, portanto, um filme de muitos filmes, uma coletânea de diferentes formas de se filmar que contêm temáticas variáveis – como a teoria queer, algo que sempre retorna dentro da obra -, mas que acabam por dialogar levemente entre si.

E essa independência entre os fragmentos é o que faz do filme menos um diário, e mais uma coletânea de diferentes perspectivas cinematográficas em constante diálogo e confronto. Por mais que a ideia por trás da obra seja uma ressignificação do ano de 2020 sob o olhar caótico das imagens e sons, acaba que sua conexão diária dependa muito mais de uma interpretação acerca de sua interconexão, do que de um registro dos dias – isso, ao menos, se nos atentarmos às definições tradicionais de diário. O que vemos em tela é, portanto, um objeto estruturado, composto por diversos micro-objetos que de alguma maneira trabalham num esforço de adquirir uma unidade própria, mas sem abandonar, sob uma ótica totalizante, a unidade coletiva entre si.

E a experimentação de Arpaia entra de maneira muito cômoda neste ponto. Isso porque muitas vezes o confronto entre as diferentes naturezas dos planos – um vídeo visceral seguido de imagens caseiras de um cachorrinho – é o que produz a sensação de continuidade, ainda que uma continuidade pautada num confronto, na própria descontinuidade. A opção da diretora por ressignificar certas imagens e trazer, em seus entremeios, o cotidiano, a vida na sua concepção mais imediata e prática, cria um paradoxo de sentido que resulta em um choque sensorial e racional. Ficamos constantemente nos questionando a lógica por trás dessa articulação, mas, em última instância, ela é o que menos importa. Nada mais preciso na representação de um período caótico da humanidade do que o próprio abraço ao caos do sentido, à falta de qualquer perspectiva racional para compreender o presente.

52 Filmes Curtos é um filme exigente justamente por se descolar da formatação tradicional da ideia cinematográfica comum. É um assassinato da narrativa popular e um embaralhamento das formas de composição da mise-en-scène. Entretanto, possui a força de realizar uma conexão entre pequenas encenações que, simultaneamente, são independentes e interconectadas. É, em suma, uma obra pautada sobretudo em contradições – o que cai como uma luva quando pensamos no quão contraditório é a realidade presente.

52 Filmes Curtos (52 Short Films) – EUA, 2021
Direção: Frances Arpaia
Roteiro: Frances Arpaia
Duração: 92 min.

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