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Crítica | 42: A História de uma Lenda

por Ritter Fan
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Como já tive a oportunidade de afirmar algumas vezes – a mais recente na crítica do muito semelhante No Limite -, se Hollywood sabe fazer alguma coisa consistentemente bem é filme de esporte ou que tem esporte como pano de fundo. E, dentro dessa categoria, o beisebol é particularmente premiado com obras inesquecíveis de diversos gêneros: o musical com A Bela Ditadora (1949) e O Parceiro de Satanás (1958), a comédia com Todas as Primaveras (1949) e Garra de Campeões (1989) e, claro, o drama, seja ele histórico, biográfico ou ficcional, com A Última Batalha de um Jogador (1973), Fora da Jogada (1988), Campo dos Sonhos (1989) e O Homem que Mudou o Jogo (2011). E olha que esses títulos sequer arranham a superfície do que o beisebol já ofereceu de inspiração ao cinema americano.

42: A História de uma Lenda é mais um ótimo exemplar do subgênero que usa o esporte para abordar tema socialmente relevante – a discriminação por raça – da mesma maneira que Uma Equipe Muito Especial (1992) fez com a discriminação por gênero. No entanto, o longa dirigido e escrito por Brian Helgeland, não recorre ao tom de comédia da obra noventista de Penny Marshall, focando no drama mais pesado – mas não tanto quanto poderia, como abordarei adiante – que realmente conta a história da maior lenda talvez de todo o esporte norte-americano, Jackie Robinson, o primeiro esportista negro a quebrar a chamada “linha de cor”, uma regra não escrita que impedia jogadores afro-descendentes de jogar lado-a-lado com jogadores caucasianos nos times da primeira divisão do beisebol, relegando-os a uma paupérrima liga própria.

Só para fins de contexto, Robinson foi tão importante que não só o número de seu uniforme – o 42 do título – foi aposentado pela Major League Baseball, ou seja, ninguém mais pode utilizá-lo, a maior e mais rara homenagem possível nos esportes nos EUA, como todo ano, no dia 15 de abril, primeiro dia de Robinson na primeira divisão, comemora-se o Dia de Jackie Robinson em que todos os times e todos os juízes usam uniformes com o número 42. O longa, portanto, conta justamente como o esportista conseguiu quebrar a malfada linha de cor, abordando seu primeiro ano como titular do Brooklyn Dodgers.

Como é comum acontecer com uma história importante dessas, o longa praticamente “anda sozinho”. Jackie Robinson (Chadwick Boseman), jogador da “Liga dos Negros” que atravessa os EUA em um ônibus caindo aos pedaços para jogar em estádios mal iluminados, é contratado, em 1945, por Branch Rickey (Harrison Ford), dono do Brooklyn Dodgers e do time de “segunda linha” (ou da Liga Internacional, tecnicamente) Montreal Royals, e, então, passa a enfrentar todo tipo de preconceito de cabeça erguida, usando a tática bíblica de oferecer a outra face, algo que talvez exija mais coragem do que simplesmente quebrar o taco de beisebol na cabeça de técnico/jogador/torcedor racista, o que certamente tornaria curtíssima sua carreira.

Helgeland escreve um roteiro cronológico e narrativamente simples, sem imprimir o estilo particular que, por exemplo, imprimiu no espetacular Los Angeles: Cidade Proibida, ainda seu melhor trabalho. Sua direção segue da mesma forma, o que, aqui, é uma vantagem, pois ele deixa a história falar por si mesma, correndo de maneira lógica e dependendo fortemente das atuações de Boseman e Ford, além dos trabalhos de Andre Holland como o repórter Wendell Wallace, que acompanha a carreira de Robinson, e de Nicole Beharie como Rachel, namorada e, depois, esposa do jogador. Seu maior erro técnico é na forma como ele lida com o arco de Leo Durocher (Christopher Meloni), treinador dos Dodgers, personagem que entra e sai da história sem em momento algum influenciá-la ou dizer a que veio, mas os aspectos positivos certamente falam mais alto aqui.

A escolha do diretor e roteirista em manter tudo mais para o lado “simples”, por assim dizer, abre espaço para seu elenco brilhar e isso é exatamente o que acontece. Boseman é a elegância e altivez em pessoa, mas sem deixar de transparecer o peso que o racismo explícito de praticamente todos ao seu redor coloca em seus ombros dia-a-dia. Desde o início, fica claro para seu personagem que, ao aceitar ir para o Royals e, depois, para os Dodgers, ele não está simplesmente ascendendo profissionalmente e sim mudando a História. Essa responsabilidade impossível – ou inimaginável à época – não é algo palpável ou mensurável, mas o ator de alguma forma consegue demonstrá-la com olhares, gestos e atitudes a todo momento, não só quando ele está prestes a explodir. Por seu turno, Ford tem um dos melhores papeis de sua vida. O veterano ator, apesar de ter vivido alguns dos mais memoráveis papeis da História do Cinema, nunca foi um grande expoente de sua arte. Ele passou a carreira inteira dependendo de seu carisma e simpatia, só por vezes indo além como em A Testemunha ou Blade Runner e, aqui, ele compõe um personagem que reúne suas melhores características em um show de atuação que complementa muito bem a de Boseman. Holland e Beharie têm papeis menores, mas não menos importantes, como guias do protagonista, ao mesmo tempo suporte e bússola moral para o que Robinson precisa enfrentar.

Por outro lado, a simplicidade de Helgeland também é o pecado do longa. Há uma inegável “disneyficação” desse começo de carreira de Robinson, com os exemplos de racismo explícito sendo mantidos em um nível que tenta não chocar o quanto poderia e deveria. Provavelmente para manter a classificação etária mais reduzida – o que é um objetivo nobre no caso, pois permite que mais gente veja o horror do racismo retratado no filme – Helgeland “reduz” os exemplos de segregação racial ao que já vimos antes em tantas outras obras (infelizmente!). É o hotel que não aceita o jogador negro, o técnico do outro time que se mostra um verdadeiro monstro em campo, são os espectadores vaiando e xingando quando Robinson entra em campo (com direito a uma sequência básica, mas que funciona maravilhosamente bem em que um menino, claramente influenciado por seu pai e outras pessoas ao seu redor, xinga o jogador sem exatamente entender o porquê) e assim por diante. A escolha de Helgeland por esse caminho que poderia ser chamado de mais leve – e olha que ele é pesado! – também é refletida na decisão de permanecer apenas no primeiro ano de Robinson nos Dodgers, pois o atleta passou anos e anos sofrendo com a questão racial, com muitos inclusive afirmando que essa acumulação de horrores contribuiu fortemente para seu falecimento cedo, aos 53 anos.

No entanto, mesmo que Helgeland tenha escolhido – por vontade própria ou por decisão das produtoras – seguir pelo caminho menos terrível, por assim dizer, a mensagem do filme permanece intacta. O racismo é trabalhado como a coisa imbecil, abjeta e injustificável que é e, mais importante ainda do que isso, a representatividade é abordada com a importância que tem e que, mesmo hoje em dia, muita gente acha ser irrelevante ou “forçação de barra” ou, pior ainda, “lacração”, a palavra mais estúpida dos últimos vários anos cheios delas. Além disso, Jackie Robinson ganhou seu tardio, mas certamente devido e honroso tratamento cinematográfico e Chadwick Boseman finalmente teve o espaço que merecia para mostrar sua qualidade dramática.

42: A História de uma Lenda (42, EUA – 2013)
Direção: Brian Helgeland
Roteiro: Brian Helgeland
Elenco: Chadwick Boseman, Harrison Ford, André Holland, Christopher Meloni, John C. McGinley, Toby Huss, Lucas Black, Alan Tudyk, Nicole Beharie, C. J. Nitkowski, Brett Cullen, Gino Anthony Pesi, Ryan Merriman, T. R. Knight, Hamish Linklater, Brad Beyer, Jesse Luken, Max Gail, Peter MacKenzie, Linc Hand, Jeremy Ray Taylor, James Pickens Jr., Dusan Brown
Duração: 128 min.

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