Sejam roteiros de quadrinhos, sejam livros, uma coisa é absolutamente indubitável: Alan Moore tem o dom da palavra e sabe usá-lo como poucos. Ele não só lida muito bem com a fluidez de seus textos, como faz questão de trabalhá-los com um nível alto de erudição que, por vezes, torna-os herméticos quase como se o autor estivesse fazendo de tudo para exibir-se, de aparecer, perante seu público, como um intelectual. Para muitos, isso é um sinal mais evidente de pedantismo – e eu nem tiro a razão de quem pensa assim -, mas tenho para mim que os esforços dele são genuínos e efetivamente vêm de suas leituras e estudos por todo tipo de material obscuro ou não cujo mergulho ele parece apreciar tremendamente.
25.000 Anos de Liberdade Erótica é, em tese, um ensaio acadêmico sobre o erotismo e a pornografia na História do Mundo, mas a grande verdade é que o livro semi-ilustrado com imagens de valor mais aleatório do que científico, ou seja, não se correlacionam necessariamente com o que está escrito ou com o que Moore defende, é uma visão muito particular do autor sobre o assunto na cultura ocidental apenas e, diria ainda, sob o ponto de vista masculino ou, talvez melhor dizendo, com uma abordagem que fica na órbita de acusar o homem como incapaz de alcançar a tal “liberdade erótica” do título, algo que talvez não seja longe da verdade, mas que não é desenvolvido de maneira empírica ao longo da narrativa.
Para além do inegável comando da palavra de Moore, que consegue tornar a leitura fácil mesmo considerando a complexidade de nomes e citações que podem exigir alguma pesquisa do leitor, o ensaio funciona quando lida com aspectos históricos da pornografia, com uma coleção de anedotas realmente interessantes sobre o assunto ao longo dos milênios. É como uma coleção de curiosidades em ordem cronológica que Moore pesquisou e resolveu, de seu jeito, nos contar, mas sobre um assunto em tese tabu em nossa sociedade. Esse é o grande valor dessa sua obra, pois quando o autor parte para levar o leitor por suas conclusões, ele mesmo começa a perder a coesão narrativa e a apresentar teses que parecem estar ali mais pelo valor de choque, para causar polêmica, do que para efetivamente levar a discussões edificantes sobre o papel da pornografia na cultura ocidental.
Para ilustrar minha afirmação, deixe-me usar duas das conclusões de Moore. Uma delas, mais ampla, é que culturas sexualmente liberais como a grega (segundo ele), são automaticamente mais iluminadas e levam a um desenvolvimento positivo da Humanidade, ao passo que culturas mais restritivas como a romana (novamente segundo ele), levam o Homem ao declínio e à atrocidades como a Idade das Trevas e até o Holocausto. Outra afirmação dele, esta mais “localizada”, é que o homem (o gênero masculino, só para ficar claro), precisa da pornografia como uma válvula de escape de seus impulsos violentos primais, com Moore efetiva e seriamente fazendo a equivalência entre mais pornografia e, portanto, mais masturbação, com menos estupros.
Não tenho estofo cultural e histórico para desafiar com propriedade as conclusões de Moore, mas elas parecem mais simplificações exageradas de problemas muito mais complexos para efeito sensacionalista do que algo com um mínimo de base científica. Eu até posso concordar em linhas gerais que civilizações mais iluminadas têm potencial de dar frutos mais apetitosos do que civilizações mais fechadas, mas o autor fala em absolutos, sem margem para dúvidas ou discussão e, pior, sem trazer informações e dados que realmente suportem suas afirmações. Chega a ser até estranho que ele resuma Roma – de sua fundação a seu colapso – a uma sociedade restritiva, quando estamos falando de algo que durou mais de dois mil anos, passando por profundas transformações em seu processo de expansão e contração. E o mesmo vale para a cultura grega, claro.
E equacionar mais pornografia de qualidade – ele faz essa diferenciação importante, quase como se estivesse propagandeando seus quadrinhos eróticos Lost Girls – sendo livre e amplamente ofertados na sociedade com menos estupros e outros atos violentos de natureza sexual por parte dos homens pareceu-me Moore tentando “curar” um complexo e grave problema sistêmico com medidas paliativas na base da orelhada, como seria tentar curar câncer com Novalgina. Se por alguns momentos eu cheguei a achar que essa narrativa dele tinha natureza cômica, na linha de humor ácido ou coisa semelhante, quando ele passa a insistir no assunto e a repetir suas conclusões de outras formas, notei que era sério e, automaticamente, quem passou a achar cômico o que não era para ser, fui eu.
Por seu tamanho – menos de 100 páginas – e por seu autor, 25.000 Anos de Liberdade Erótica é uma leitura de nicho que consegue até ser interessante em alguns momentos. Mas quando Alan Moore começa a derramar suas afirmações e conclusões no mínimo estranhas e no máximo completamente fora de esquadro ou extravagantes, talvez, o livro se perde e passa a ser, apenas, uma daquelas curiosidades de uma mente febril que deveria ter escrito uma HQ ficcional sobre o assunto no lugar de uma tese de cunho sério para defender seus pulos de lógica de caráter sensacionalista, quase histéricos.
25.000 Anos de Liberdade Erótica (25,000 Years of Erotic Freedom – EUA, 2009)
Autor: Alan Moore
Editora: Abrams
Data de publicação: 1º de outubro de 2009
Páginas: 96