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Crítica | 24 Horas de Sonho (1941)

Malandragem e arrivismo social.

por Fernando JG
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Produzida pela Cinédia, dirigida por Chianca de Garcia numa roteirização de Joracy Camargo, 24 Horas de Sonho é uma grande peripécia de feição altamente cômica. Isto é, um enredo de reviravoltas cujo realismo cômico da forma se presentifica como gênero de enredo. O português Eduardo Chianca de Garcia, que produzia sob a égide do Estado Novo, nunca obteve tantos prestígios em solo nacional, tampouco em Portugal, como se nota. Mas é curioso como, devido a sua engenhosidade, acabe por inserir-se na tradição do realismo cômico através por meio de um enredo que acontece de trás para frente, em cujo revés não é o fim, mas o começo. Essa alteração da ordem, a surpresa pelo elemento inoportuno que se abre nas cenas iniciais, já é um indício de um filme que, não se levando a sério, cumpre seu desejo de despojamento crítico. 

Clarice (Dulcina de Moraes) é uma moça pobre e insatisfeita com sua vida e com tudo o que a rodeia. Com planos de colocar fim à sua história, decide-se pelo suicídio numa tarde de verão. Jogar-se de um ponto alto da cidade é a sua principal meta e assim encaminha a si mesma para tal. Quando é salva por um guarda local, Clarice repensa que então é um sinal para que aproveite de maneira tresloucada os seus últimos momentos em vida. Seria melhor morrer tendo aproveitado o lado bom da vida a morrer na miséria. Adota, a partir de então, o codinome de Baronesa das Torres Altas, de linhagem francesa. Inventa um sotaque franco-brasileiro e hospeda-se por 24 horas no deslumbrante Copacabana Palace. 

Como se nota, o tom cômico é o principal elemento da trama. Clarice é, nada mais nada menos, que campeã internacional de suicídio, premiada por suas 45 tentativas de morrer. O filme brinca com o desespero da personagem a partir do pastelão, do personagem fracassado, trapalhão, que erra em tudo mas que ri do próprio revés. Num período de guerra mundial, o gênero cômico da chanchada, se é que se pode dizer isso desse filme, é uma maneira de alívio imediato do real e uma tendência a contrapelo da realidade social que eclodia no mundo. São 24 horas de um sonho, 24 de farsa, 24 horas de aventuras inescrupulosas em cuja regra moral, como há de ser neste gênero, é inexistente. Opta-se, como elemento do riso, aquele estilo veloz que imprime à trama um despojamento típico. 

Embora repleto de reviravoltas e de situações que tentam provocar o riso, o filme acaba pecando num excesso de ingenuidade que torna a trama inverossímil, abandonando a tentativa de construir uma atmosfera comicamente aderida à película em detrimento de fazer uma passagem para um drama romântico, que parece ser a finalidade do filme. Acaba se tornando uma comédia romântica que nem é tão engraçada para se manter no cômico, nem tão romântica para mover afetos de paixão. Apesar da atuação de Dulcina e Odilon Azevedo serem bem dirigidas e bem planejadas, a obra desliza por não se destacar verdadeiramente em nada, mas ao menos entretém com seu humor. O que é necessário destacar do lado positivo é a manipulação do suspense, uma vez que há uma insistente tensão que paira todo o segundo e terceiro atos, provocando sentimentos inquietos em quem assiste. Essa tensão é motivada sobretudo pelo elemento da descoberta. Pegando emprestado algumas características de um whodunit, a descoberta da identidade de Clarice é peça fundamental no decorrer do enredo e acompanhamos suas aventuras única e exclusivamente por conta desse fator. É a pedra de toque da direção. 

De fato, não podemos deixar de notar a crítica ácida aos padrões superficiais de um determinado estilo de vida burguês. Tudo funciona a partir do nome que se carrega, do sotaque que se tem e do quão convincentemente rico se demonstra. Tudo é um jogo de máscaras e Clarice rapidamente entende a dinâmica e tira proveito da situação. Ela é uma típica arrivista social nos moldes do realismo francês, como Julien de O Vermelho e o Negro. O que faz é literalmente usar do rostinho bonito e da ilegalidade moral para entrar em lugares e crescer nesses ambientes a partir de brechas deixadas. O filme não se leva a sério, mas também não avacalha como nas chanchadas de Joaquim Pedro de Andrade

24 Horas de Sonho, embora imperfeito, emerge como um interessante enredo de comédia para pensar padrões de comportamento. Por meio de reviravoltas promovidos por uma personagem que rejeita seguir as normas, a película alterna entre a monotonia da vida burguesa e o cômico da ironização desses personagens. Ainda que tenha deslizado na união do romântico com o pastelão, é relevante a habilidade da produção em manipular o suspense na trama. A obra é um lembrete da capacidade do cinema de usar o riso como uma lente para examinar e questionar os comportamentos e as convenções sociais, enquanto proporciona momentos despojados e despretensiosos no curso de um enredo.

24 Horas de Sonho (1941, Brasil)
Direção: Eduardo Chianca de Garcia
Roteiro: Joracy Camargo
Elenco: Dulcina de Moraes, Odilon Azevedo, Laura Suarez, Beatriz Segall, Átila de Moraes, Sarah Nobre, Conchita de Moraes, Paulo Gracindo, Sadi Cabral, Aristóteles Pena
Duração: 111 min. 

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