Em 2019 tivemos o prazer do lançamento da série Chernobyl, uma das melhores séries – quiçá a melhor – daquele ano, e também da última década. A série retrata os horrores de Chernobyl dois anos após o acidente nuclear, em uma das melhores obras de horror dos últimos tempos. No entanto, no mesmo ano, despercebido pela maioria esmagadora das pessoas, outro filme que usava o mesmo tema de Chernobyl estava sendo lançado, chamado de 1986 (ano do acidente nuclear). Mas diferentemente do retrato de horror real da série, o filme contextualiza o acidente várias décadas depois, usando uma pequena “zona proibida”, que ainda contém radiação, como uma força atrativa para a protagonista da fita.
A história se passa na contemporânea Minsk, Bielorrússia, e segue a estudante Elena (Daria Mureeva), navegando entre sua vida amorosa e o aprisionamento de seu pai que leva ela a participar de seus negócios criminosos. Dentro do trabalho ilegal, Elena deve continuamente dirigir pela “zona proibida”. Sua atração pelo perigoso local é firmemente enraizada em seus problemas pessoais, idealizando a área contaminada como uma forma de escapismo de sua turbulenta vida.
A linguagem que o diretor Lothar Herzog cria para seu filme engana o espectador, pois se espera que a zona seja um local místico, com uma vertente de horror ou de ficção científica, mas a abordagem do cineasta mergulha no realismo, numa óbvia tentativa de metáfora do lugar proibido com a vida de Elena. Afinal, assim como a radiação polui a zona excluída, a vida de Elena é contaminada com relacionamentos abusivos, problemas paternos, e um trabalho que a coloca em constante risco. Há também uma analogia do cineasta em relação a corrupção que permeia a sociedade bielorrussa contemporânea com a radiação que devastou Chernobyl.
Essa tentativa de um paralelo que o diretor cria é interessante, e a ótima atuação de Daria Mureeva como Elena torna tudo crível, mas Herzog foca na metáfora, esquecendo-se completamente do enredo. 1986 se move de uma cena a outra, para trás e para frente no tempo, sem muito em termos de explicação ou configuração. A narrativa dramática de Elena, com exceção das viagens criminosas, é completamente absente de tensão. Você não se importa com seus mal desenvolvidos relacionamentos ou sua fracassada carreira artística. Mas o pior definitivamente é a montagem da fita que ocupa grande parte da duração do longa retratando a tediosa vida pessoal de Elena ao invés de mergulhar na parte mais interessante da história, sua bizarra atração pela zona radiativa ou sua ventura nos negócios criminosos. Não têm-se uma costura narrativa, apenas cenas ao vento, todas em prol de uma metáfora atrativa mas pouco desenvolvida pelo roteiro.
Essa escolha de Herzog por um filme mais figurativo do que narrativo compensa na cinematografia de Philipp Baben der Erde, que enquadra algumas imagens vividamente marcantes. Como resultado, as viagens de Elena para a zona são frequentemente hipnóticas, criando uma experiência cinematográfica envolvente. A fita também contém belas cenas como a imagem de Elena se abraçando na cama, quase como um grito de socorro em silêncio, ou a cena final em que ela fica vai ficando menor quanto mais adentra a floresta.
1986 tem uma premissa tentadora, e a metáfora construída por Herzog é interessante, assim como sua linguagem figurativa muito bem desenvolvida, mas o roteiro vazio e ritmo arrastado transformam a fita num estudo de personagem cansativo. Como Elena, o espectador é empurrado por uma série de meias memórias e tramas inacabadas. Um filme que fala sobre o vazio, e como queremos escapar dele, mas que ironicamente é tão frívolo quanto seu tema proposto.
1986 – Alemanha, Bielorrússia, 2019
Direção: Lothar Herzog
Roteiro: Lothar Herzog
Elenco: Anna Anisenko, Ruslan Chernetskiy, Igor Denisov, Aleksey Flimonov, Helga Filippova, Gennadiy Fomin, Daria Mureeva, Evgeni Sangadzvieh, Angelika Mette, Daria Parmenkova
Duração: 77 min.