Primeiro filme de maior expressão dirigido pelos irmãos australianos Cameron e Colin Cairnes, 100 Bloody Acres tem aquele espírito gostoso de comédias sombrias entrelaçadas com slasher, fazendo-nos sorrir de nervoso e de ansiedade pelo desenvolvimento da história. Na essência, contudo, o filme se afasta das abordagens mais convencionais que estamos acostumados a consumir dos Estados Unidos. Em certa medida, sua produção e proposta assemelham-se ao modelo europeu de longas sobre assassinatos estilizados em série ou “de ocasião” (o giallo), com uma pegada contemporânea. Se tivesse que fazer uma comparação simples, diria estar na mesma linha das comédias sombrias de Álex de la Iglesia, por exemplo. Essas comparações surgem, mas logo se esvaem de nossa percepção, porque existe aqui um tempero bem diferente, uma abordagem australiana para a proposta de crimes que se alongam no decorrer da projeção.
Vencida a primeira barreira de surpresas — ao entendermos o que está acontecendo e notarmos a base na qual o roteiro irá se assentar –, percebemos que os diretores se mantêm fiéis à principal linha cômica (e macabra) da fita, construindo uma porção de cenas que abraçam diferentes gêneros (além dos já citados, o suspense e o thriller) e que conseguem manter o público atento e em grande expectativa. A dupla de pequenos produtores que vendem adubos muitíssimo eficientes para fazendeiros de uma região é interpretada por Damon Herriman (Reggie) e Angus Sampson (Linds), dois atores que cabem perfeitamente em seus papéis e que formam uma dualidade hilária e aterradora entre o indivíduo bobo e supostamente de pouca inteligência, versus o irmão tipificando o “gênio do mal“. Também se veem, nessa construção, diferentes maneiras de apresentação da masculinidade, e isso fica ainda mais claro quando esses dois perfis são colocados diante dos outros dois homens do elenco central, interpretados por Oliver Ackland (James) e Jamie Kristian (Wes).
Por mais que os diretores emperrem no ato final (que também traz o pior desempenho da montagem no filme), carregando janelas dramáticas demais para um único momento e fechando-as com diferentes níveis de qualidade, não podemos dizer que o longa fica ruim a partir de determinado momento. Pelo contrário: temos bons segmentos narrativos em toda a projeção, com muitas cenas de tensão, excelentes dúvidas plantadas sobre os próximos passos de Linds (o vilão por excelência) e Reggie (o vilão cheio de camadas e circunstâncias atenuantes), mais uma aplaudível ampliação dos absurdos cômicos e violentos à medida que a película se aproxima da conclusão. Ao cabo, duas personagens femininas ganham destaque, e, assim como no caso dos homens, cada uma representando um “modelo” diferente de feminilidade nesse enredo que fala sobre fertilidade: Sophi (Anna McGahan, que tem a atuação mais fraca do grupo, pelo peso que sua personagem exige), assumindo a persona da mulher livre da cidade; e “tia” Nancy (Chrissie Page, excelente!), assumindo um papel inicialmente maternal, acompanhada de seu cachorro Maigret.
Há uma pequena (e ótima) cena pós-créditos que nos permite acreditar em uma possível escapatória para Reggie e Sophi, embora os diretores tenham deixado o final aberto justamente para o público escolher o momento dali para adiante, uma situação típica de “tudo por acontecer“. Foi uma boa opção para um filme com essa quantidade de destinos e com personagens repletos de tons de cinza, de alinhamentos morais pouco definidos. Aqui, esses indivíduos parecem vidrados demais em uma única coisa, e isso impede que eles desfrutem o mundo à sua volta, de maneira plena. No enredo, porém, é como se todos passassem por um grande momento de revelação e, finalmente, conseguissem ver algo diferente. Para alguns, contudo, isso vem tarde demais.
100 Bloody Acres (Austrália, 2012)
Direção: Cameron Cairnes, Colin Cairnes
Roteiro: Cameron Cairnes, Colin Cairnes
Elenco: Oliver Ackland, Paul Blackwell, Ward Everaardt, Iain Herridge, Damon Herriman, John Jarratt, Jamie Kristian, Anna McGahan, Chrissie Page, Angus Sampson
Duração: 91 min.