007 – Nunca Mais Outra Vez é uma refilmagem de 007 Contra a Chantagem Atômica que trouxe Sean Connery de volta ao papel que o consagrou depois de 12 anos distante. No entanto, o filme não faz parte da franquia do agente secreto mais famoso do mundo e a história de como o filme foi possível é mais interessante do que ele próprio.
Quem quiser conhecer a curiosa batalha que deu origem a 007 – Nunca Mais Outra Vez, leiam o próximo capítulo. Quem quiser saber da crítica apenas, vá para o capítulo seguinte. Divirtam-se.
Longitude 78 West ou Thunderball?
Diferente do que muitos imaginam, o livro Thunderball (007 Contra a Chantagem Atômica), 8º romance de Ian Fleming com seu imortal personagem James Bond, não saiu só de sua cabeça. Muito pelo contrário, aliás.
Em 1958, antes do primeiro longa-metragem de James Bond ser lançado nos cinemas, Ian Fleming já imaginava levar seu personagem para as telonas. Com isso em mente, arregimentou seu amigo Ivar Bryce nesse projeto e Bryce acabou apresentando-o a Kevin McClory, um diretor e roteirista irlandês. Os três e mais Ernest Cuneo (amigo de Fleming e Bryce) reuniram-se pela primeira vez em 1959 e começaram a escrever um roteiro cinematográfico passado dentro do universo de Bond, mas não baseado nos romances que Fleming havia até então escrito.
Ainda em 1959, McClory lançou seu filme The Boy and the Bridge, que representou o Reino Unido no Festival de Veneza. Dizem que essa obra é que tornou McClory atraente para Fleming, mas as más línguas afirmam que, quando a crítica o massacrou, um distanciamento de Fleming começou a aparecer. No entanto, nesse momento, o processo já havia levado à criação de diversos elementos que seriam posteriormente parte do universo de Bond, como a organização S.P.E.C.T.R.E. Jack Witthingham, já com experiência em roteiros, também havia sido envolvido no projeto, que acabou sendo batizado de Longitude 78 West, ainda que, depois, Fleming tenha trocado para Thunderball.
Em 1960, Fleming decidiu levar o trabalho para apreciação da MCA, para eventual produção cinematográfica. Fleming sabia que a presença de McClory entre os nomes que criaram a obra, depois do fracasso financeiro e de crítica de The Boy and the Bridge, poderia macular suas chances de sucesso. No entanto, na verdade, o projeto acabou não vingando pelos custos envolvidos em sua produção.
Em seguida, Fleming decidiu escrever um romance baseado no roteiro não filmado, originando, então, o 8º livro com 007. McClory e Whitingham, que tiveram acesso a uma versão não finalizada da obra, não gostaram nada do que leram (já que seus nomes nem estavam lá) e ingressaram na justiça para impedir o lançamento. Não obtiveram sucesso, mas, em 1963, McClory tentou novamente e, durante a briga judicial, um acordo foi alcançado, segundo o qual McClory ficaria com os direitos literários (de publicação) e de adaptação cinematográfica do roteiro que havia criado e Fleming ficaria com os direitos literários (de publicação) do livro que havia escrito.
Quando a Eon Productions, encabeçada por Albert R. Broccolli, comprou os direitos de adaptação cinematográfica de um bom número de obras de Fleming passadas no universo de James Bond, eles trataram de contactar McClory e conseguiram um acordo pelo qual ele ficaria 10 anos sem “criar problemas”, dando em troca o cargo de produtor do filme 007 Contra a Chantagem Atômica para ele.
É claro que, 10 anos depois do lançamento de Chantagem Atômica, lá veio McClory de novo tentando levar seu antigo roteiro para as telonas. Sean Connery já havia feito 007 – Diamantes São Eternos (1971) e prometeu que não mais voltaria para o papel de Bond. Talvez por isso mesmo, McClory tenha feito todos os esforços para trazer o ator de volta uma última vez. No entanto, a Eon Productions começou a criar problemas para McClory, ao acusá-lo de ir além do que uma adaptação do roteiro que ele criou e cujos direitos que havia obtido na decisão judicial inglesa permitiria. Isso acabou atrasando a produção do filme até que as questões jurídicas pudessem ser acertadas pelo produtor Jason Schwarztman.
Connery, no entanto, havia encontrado problemas no roteiro e forçou a contratação de Dick Clement e Ian La Frenais para arrumá-lo. Mais atrasos e nenhum crédito para os roteiristas. Mas o filme finalmente saiu, no mesmo ano que 007 Contra Octopussy. O grande investimento com publicidade, facilitado pela tão desejada volta de Sean Connery ao papel – mesmo que já com 53 anos – garantiu um bom faturamento e grande sucesso à fita.
A crítica
007 Contra a Chantagem Atômica é um dos melhores filmes da franquia de James Bond, mas ele não é sem defeitos. Um deles é seu começo estranho, com Bond em uma clínica de condicionamento físico, quase um spa. Não há muita justificativa para ele estar ali, a não ser, claro, esbarrar em uma situação que o ajuda a desvendar o esquema de extorsão mundial montado pela S.P.E.C.T.R.E. e capitaneado pelo caolho Emilio Largo (Adolfo Celi).
Nunca Mais Outra Vez cria uma situação muito mais crível e bem estruturada, que faz uso inteligente da idade mais adiantada de Sean Connery. Vemos, logo no início, o agente visivelmente mais lento e cansado invadindo um complexo para salvar uma prisioneira. A missão dá errado e descobrimos que tudo não passava de um treinamento imposto por M (Edward Fox) que, lidando com cortes de orçamento, tem que tirar agentes secretos da ativa. Bond, então, é enviado para a clínica de reabilitação onde, entre um tratamento e outro, descobre alguma coisa errada com um paciente que sofrera uma intervenção cirúrgica no olho e é acompanhado por uma voluptuosa enfermeira da S.P.E.C.T.R.E. (Fatima Blush vivida por Barbara Carrera).
Quando mísseis nucleares são roubados pela organização internacional sob o comando de Ernst Stavro Blofeld (Max Von Sydow em uma ponta), Bond começa a ligar os pontos e parte em uma investigação – ajudado por seu amigo da CIA Felix Leiter (Bernie Casey) – que o leva às Bahamas, ao sul da França e ao norte da África ao encalço de Maximilian Largo (Klaus Maria Brandauer). Tudo uma desculpa para o pesado e envelhecido Bond, sem esquecer de piadinhas com a idade e sem esconder o físico decadente, usar seu charme antiquado para conquistar diversas mulheres, incluindo Domino, aqui vivida por Kim Basinger, então com 30 anos em seu terceiro longa-metragem.
Dirigido por Irvin Kershner, que merece todo o nosso respeito por ter sido responsável pelo soberbo O Império Contra Ataca, Nunca Mais Outra Vez é um filme muito irregular, de altos e baixos. Verifica-se, com bastante facilidade, que, apesar de tomadas bonitas, com câmeras estrategicamente colocadas, a fita tem momentos de fotografia medíocre, que não consegue escapar do lugar comum. No entanto, algumas sequencias como o incrível ataque de tubarões a Bond é de fazer qualquer um coçar a cabeça se perguntando como ela foi feita. É difícil dizer se os tubarões são verdadeiros ou de borracha ou mecânicos, tamanha é a fluidez dos bichos que vemos à nossa frente.
Outra seqüência que merece destaque é a do ataque final de Bond e Leiter ao templo subterrâneo de onde Largo pretende explodir sua bomba nuclear. Apesar de um cenário pouco convincente (novo e polido demais para ser um templo milenar), a coreografia da ação, assim como o trabalho de câmera são estupendos.
Já o mesmo não se pode dizer da seqüência na fortaleza de Largo, que antecede o ataque final. Nela, Kerschner usou planos aproximados e grandes planos que limitam em muito o que podemos ver na tela e tornando necessária uma edição picotada, que atrapalha a ação. Provavelmente foi uma escolha consciente do diretor para esconder as limitações orçamentárias, mas havia outras escolhas possíveis, como, por exemplo, uma simplificação de toda a seqüência.
O roteiro é cheio de auto-referências e elas funcionam para mostrar que o filme é quase que consciente de suas limitações em vista da idade de Connery. No entanto, elas acabam ficando repetitivas e exageradas. Além disso, uma necessidade quase patológica de se trazer um alívio cômico representado pelo ator Rowan Atkinson (sim, o Mr. Bean) no papel de um agente trapalhão, imediatamente nos remete aos filmes com Roger Moore e isso não é algo bom.
De toda maneira, Nunca Mais Outra Vez acaba agradando e, mesmo não sendo considerado como canônico, funciona como uma espécie de alívio depois de seis filmes seguidos com Roger Moore.