— A ópera ainda é popular. As pessoas fazem fila. Vamos atrair muito público. O Brasil virou uma potência e não tem um grande teatro de ópera. É um absurdo, porque todos os países ricos têm vários. E é bom lembrar que uma ópera envolve trabalho de cerca de 300 pessoas. Então, o Theatro Municipal será uma grande fábrica de empregos para atores, músicos, bailarinos, maquiadores, serralheiros, técnicos de palco, iluminadores e tantos outros profissionais das artes. O Colón de Buenos Aires tem uma ‘cidade’ abaixo dele. Queremos fazer do Theatro Municipal algo parecido: uma ‘cidade’ de excelência.
John Neschling
O Theatro Municipal de São Paulo foi inaugurado em setembro de 1911, pensado como uma casa de ópera para a cidade. De fato, as duas décadas seguintes foram marcadas por uma presente manifestação operística na casa, mas que aos poucos, foi diminuindo. Palco da icônica Semana de Arte Moderna de 1922, o Theatro Municipal passou de ícone da cultura musical de São Paulo para o desprezo e descaso das autoridades, que entre movimentos pontuais de retorno e abandono, faziam-no ressurgir das cinzas de tempos em tempos. Administrações desastrosas tanto do município quanto do Theatro não ajudaram em nada o melhoramento definitivo da casa.
Neste ano de 2013, porém, um sol no fim do túnel começa a raiar. John Neschling, o nosso velho conhecido da “Revolução OSESP” assume a diretoria artística da casa. José Luiz Herencia é o novo diretor geral. Apoiados pelo novo secretário municipal de cultura, Juca Ferreira, a dupla propõe um novo caminho para o Theatro, mantendo o que havia de bom na temporada do ano passado (obviamente, as óperas) e propondo um novo rumo não só estrutural mas também artístico para o Theatro e para a nobre desconhecida da maioria dos paulistanos, a Praça das Artes.
Nos dias 23 e 24 de fevereiro de 2013, o Theatro abriu suas portas pela primeira vez neste novo ano para o seu espetáculo de estreia, sob regência do próprio Neschling e com a Orquestra Sinfônica Municipal, o Coral Lírico e o Coral Paulistano. Eu estive no concerto de domingo, dia 24/02, e pude comprovar a admiração que o público da cidade tem em relação ao maestro, ovacionando-o e o aplaudindo efusivamente, assim como aos músicos e cantores, que fizeram um espetáculo admirável.
Composto por três partes bastante distintas entre si, o Concerto Sinfônico que abriu a temporada 2013 no Theatro Municipal de São Paulo foi um belo começo de jornada, e teve ainda um peso sentimental maior por ser, a rigor, um concerto de homenagens: o bicentenário do nascimento de Richard Wagner; as duas décadas da morte de Camargo Guarnieri e o bicentenário do nascimento de Giuseppe Verdi.
A abertura do concerto foi com o Prelúdio e Morte de Amor (Prelude und Liebestod), da ópera Tristão e Isolda, de Wagner. A partitura recentemente caiu nas graças do público porque foi usada como tema principal do filme Melancholia, de Lars von Trier, e por isso mesmo, tem um reconhecimento imediato. O casal que estava ao meu lado chegou a comentar “é a música de Melancholia!”. A experiência de ver uma peça dessa sendo executada é algo para se gravar na memória. O Prelúdio é, além de uma música belíssima, uma exposição musical praticamente infinita, onde não temos a conclusão, por assim dizer, do tema musical. A finalização que nunca chega, e quando chega, é quase insondável, é uma das coisas mais belas trabalhadas pelo compositor, e ganhou uma leitura mais contida de Neschling, fazendo-nos apreciá-la ainda mais compassadamente.
A segunda parte foi composta pela Sinfonia nº2 – Uirapuru, de Camargo Guarnieri. Para mim, era a primeira vez que ouvia a obra, e não pude deixar de me emocionar com a sua qualidade e “brasilidade”, elementos trabalhados de forma impecável em diálogo com os metais, as cordas e a percussão. O ritmo mais vivo, a clara inspiração vinda de Villa-Lobos e o cuidado do compositor em adequar milimetricamente todas as variações musicais dentro dos três movimentos da obra (Enérgico, Terno e Festivo) tornam essa Sinfonia nº2 um verdadeiro presente para quem a ouve, e com certeza um atrativo e tanto para os marinheiros de primeira viagem na obra de Camargo Guarnieri.
O término veio com as Quatro Peças Sacras (Quattro Pezzi Sacri) de Verdi, uma obra que pede diferentes composições de coro para ser executada. A Ave Maria e a Laudi alla Vergine Maria são composições para coro a capella, a primeira, um coro misto; a segunda, um coro feminino. O tema das composições e a delicadeza de sua execução fecharam com chave de ouro o concerto. O Stabat Mater e o Te Deum (as minhas peças favoritas dentre as quatro), contam com a orquestra acompanhando o coro, sendo que a última traz uma fortíssima composição orquestral e vocal, com momentos de difícil execução e de uma beleza realmente emocionante.
Creio que assim como todo paulistano amante da música, estou bastante animado em relação ao rumo que o Theatro Municipal toma a partir deste ano. Espero sinceramente que os novos diretores da casa consigam por em prática todo o projeto de revitalização cultural e física que tem em mente, e que também consigam por nos trilhos a prometida harmonia entre os corpos artísticos da cidade: as orquestras, os coros e os corpos de dança. 2013 inicia para o Theatro com uma grande promessa, e já trouxe um pequeno demonstrativo que certamente nos dá ânimo para acreditar que tudo pode dar certo. Em John Neschling, nós confiamos. Agora resta saber se os deuses da música estão interessados em ajudá-lo mais uma vez.