Com a conclusão da sua 11ª edição, a CCXP24 revela seus maiores desafios e como pretende explorar a imersão do público no maior evento de cultura pop do país. Enquanto grandes estúdios e plataformas de streaming como Disney e Netflix passam a focar em seus próprios eventos (D23 e Tudum, respectivamente), a CCXP precisa compensar essa ausência com outras atrações e decisões criativas, algumas com sucesso, outras evidenciando um problema recorrente do evento. Além do piso principal onde as pessoas podem se encontrar e participar de estandes e ativações de estúdios como Warner, Apple e Nintendo (há um bom tempo utilizando a mesma estrutura para eventos achando que não vamos notar, mas eu relevo porque jogar Mario Kart é muito bom), o evento expande algumas áreas e cria outras, se dividindo em palcos e sessões específicas, deixando as atrações principais e maiores surpresas no gigante palco Thunder, onde foram exibidos filmes como Auto da Compadecida 2 (crítica em breve, aqui no Plano Crítico) e Chico Bento e a Goiabeira Maraviósa, além da exibição de cenas e trailer inéditos de lançamentos agendados para 2025.
Ainda que eu tenha comentários mais específicos sobre aspectos negativos do evento, vou começar com o que considerei o ponto alto desse ano, que é obviamente o Artist’s Valley, a reunião de quadrinistas e artistas divulgando sua arte, com uma diversidade de estilos e técnicas que fazem com que eu revele minha ira contra o capitalismo pela minha situação financeira, que me impede de comprar todo quadrinho e pôster que vejo. Artistas de peso, internacionais e brasucas, como Peter Kuper, Laerte, Chris Claremont e Ferréz marcaram presença, sem contar outros vários quadrinistas de talento que fiz questão de visitar na mesa e comprar alguma coisa, como Gustavo Borges, Cartumante e Luckas Iohanathan. O Valley está cada ano maior, ainda que ele fique entre algumas atrações bem barulhentas do evento, mas ainda é a parte mais importante e que continue crescendo.
Uma área mais “recente” da CCXP tem sido o Magic Market, que nos anos anteriores foi um espaço bem interessante de visitar, com editoras e lojas distribuídas em uma área própria de imersão com temática medieval. Esse ano o Market ficou em uma sessão própria, que mesmo mal localizada no mapa geral do evento, no extremo final, foi uma boa adição e tem algumas dinâmicas que fazem mais sentido com um evento de cultura pop, como uma área para jogar cartas, uma banda com temática metal folk no centro e um cenário bem construído, imitando uma típica feira medieval. Os preços não são baixos, mas também não são abusivos como outros setores do evento que abordarei em breve, e eu consegui negociar um box do calhamaço chamado Jerusalém, de Alan Moore, então já tenho o que fazer nas férias.
Os estúdios e estandes estiveram com experiências chamadas “ativações”, onde você pode agendar sua presença ou enfrentar a má e velha fila de horas, o que é uma pena e não recomendável se você está com um ingresso para apenas aquele dia específico, já que ficar nessa fila tira um tempo precioso do seu dia que poderia ser usado em outras das várias áreas do evento. Infelizmente, se você não for os quatro dias ou tiver um ingresso de rico (chamados de Epic Pass ou Unlock), é impossível participar da maioria das ativações mais movimentadas. Consegui participar da maioria, como as de Ruptura e Entre Montanhas (ambas exploro alguns parágrafos à frente), que foram bem diferentes uma da outra. Fallout e Nível Secreto foram divulgadas na Prime Video, com o primeiro sendo um jogo em equipe onde os participantes entram na boca de uma criatura gigante e precisa encontrar artefatos em seu suco gástrico, representado por isopor pigmentado e com um cheiro horrível, o que acabou ajudando na imersão; já o segundo trouxe uma simulação de jogos clássicos, que no fim rendeu um cubo mágico de brinde, tão difícil que estou até agora tentando resolver.
No Palco Omelete, que esteve localizado próximo ao estande da Apple TV, acontecem as entrevistas para o público geral, o que é ótimo para quem não conseguiu espaço no palco Thunder, porém a aglomeração criada quando convidados mais populares são entrevistados sempre cria uma barreira de pessoas que atrapalham as atrações em volta, mas não é toda hora que isso acontece, então não chega a ser um problema de verdade. A questão de tráfego e público é a mesma desde o início, e eventos como esse são uma grande feira onde você precisa ficar em pé por horas e esbarrar em pessoas, esse é um efeito colateral esperado por conta da proposta do evento, e mesmo eu odiando participar de coisas onde preciso ficar perambulando e percorrer alguns caminhos maiores para chegar rápido em uma atração que agendei, sei que isso não é um defeito, mas uma característica dessas feiras de cultura pop, o que me impede de reclamar da quantidade de pessoas.
Contudo, é necessário evidenciar a forma como algumas áreas foram completamente desorganizadas e mal utilizadas, como a assustadora fila para a ativação da série Ruptura, da Apple TV, que foi na contramão de outros estúdios e não utilizou um agendamento prévio, então algumas pessoas chegaram a esperar três horas para entrar na experiência. No fim você chega a esquecer o estresse de perder tanto tempo na fila por conta da qualidade da imersão criada pela ativação, onde você descobre como será seu primeiro dia como funcionário na empresa Lumon, com cenários recriados de forma idêntica à série e ótimos atores que ajudaram a melhorar a experiência imersiva com uma interpretação divertida, ainda que assustadora. Temos a ativação paralela, também da Apple, divulgando o futuro filme distópico Entre Montanhas, que parece interessante, mas foi um desperdício de espaço e tempo, com a experiência mais fracas que participei, onde assistimos umas imagens aleatórias do filme em uma tela grande, enquanto uma névoa surge do chão e cobre a área, para no fim revelar uma mão deteriorada que tenta pegar no pé de um dos visitantes da ativação.
Na saída todos estavam tão desapontados ao ponto de ignorar a última parte da experiência (uma das pessoas que participou comigo estava fantasiada de Flash e saiu correndo da “ativação de Chernobyl”, o que foi quase poético), onde revelam uma fotografia da reação das pessoas ao jumpscare da mão necrosada. O engraçado é que a verdadeira surpresa foi ver como todos pareciam mais entediados do que assustados na imagem. Foi decepcionante e o espaço poderia ter sido usado para aumentar a imersão de Ruptura, mas eles provavelmente tiveram que fazer algo para Entre Montanhas já que a dupla de protagonistas, Anya Taylor-Joy e Miles Teller, veio para o evento divulgar o filme. Entendo que as coisas possam ter sido feitas de forma mais misteriosa por conta das poucas informações que tínhamos sobre o filme até ali, mas isso não justifica esperar na fila para algo tão fraco.
Assim como a enorme fila para Ruptura, a organização para conhecer e pedir assinaturas de quadrinistas veteranos como Chris Claremont foi uma comoção própria, não só por conta da enorme fila, também pela falta de clareza na organização da assinatura do artista. Em um evento gigante como esse é difícil manter o controle de tudo, mas é um trabalho que deve ser tratado como prioridade e deu pra ver que mesmo chamando o Artist’s Valley de “coração” da CCXP, o evento continua o tratando como uma obrigação, nunca um destaque tão grande quanto celebridades hollywoodianas ou brindes de alguns estúdios, que limitaram os prêmios em broches e pôsteres, algo que tem sido o padrão nos últimos anos. Outro padrão que não só tem se mantido como tem piorado é o preço injustificável dos alimentos na CCXP, que chegaram em valores estratosféricos, como preço de pipoca maior que o do cinema mais caro de uma cidade grande ou um cachorro quente com quase o mesmo valor de um daqueles brinquedos da coleção Sylvanian Families.
Mesmo com os desafios de perder novidades de estúdios grandes que criaram seus próprios eventos, a CCXP continua sua expansão, aumentando a escala do evento e dos convidados, ainda que precise comprometer algumas das suas partes mais basilares para investir em divulgação de produtos e marcas genéricas sem conexão direta com a produção de cultura pop, como a Bis, que estava patrocinando o Artist’s Valley, por algum motivo. E se eu puder pedir um único favor, mesmo não possuindo qualquer influência nas decisões do evento, seria uma ótima ideia fazer com que alguns convidados e influencers tenham um horário determinado para participar de algumas ativações e dinâmicas, assim não temos tantas inconveniências de filas demorando mais do que o necessário ou um caminho barrado pela aglomeração de fãs correndo atrás de um influencer que faz cosplay de Rogério Skylab ou “cria do Rio de Janeiro”. No geral, me diverti com todas as novidades dos paineis e algumas ativações criativas, mas enquanto tivermos Artist ‘s Valley eu estarei retornando, porque é isso que importa de verdade: prestigiar o artista, não a empresa.