Hoje, Papai Lulu ensinar-vos-á sobre opinião, meus filhos.
Capítulo 1: Só Eu Posso Ser Contra!
Hoje mergulharemos nas profundezas do universo paralelo onde habita uma espécie peculiar: os Cavaleiros da Opinião Rejeitada. São seres que confundem “liberdade de expressão e crítica” com “silenciosa e obrigatória aprovação alheia”, acreditando que o mundo é um tribunal onde seus comentários — por piores que sejam — precisam ser celebrados com honras, flores, aplausos e um troféu. Se não o fazemos, afirmam, simplesmente, que não aceitamos suas críticas e opiniões.
É a verdadeira Lei do Cão: um indivíduo tem todo o direito criticar ou fazer qualquer tipo de charminho para cima do outro — e suas criações –, mas o alvo desses comentários tem a obrigação de ficar caladinho e aceitar tudo com olhares de fada. Se responder com o mesmo ímpeto, logo se inicia um espetáculo de retaliações, com acusações de que o criticado “não sabe receber críticas” e que “colocou sua obra para jogo numa plataforma aberta para todo mundo, e, por isso, deve receber, silenciosamente e sorridente, qualquer tipo de fala“. Pois é, meus filhos… Para ilustrar esta terrível realidade, narrarei um épico histórico que chegou até os nossos tempos através da Civilização de Caral-Supe. Como o original não possui um nome-guia, vou eleger um antagonista da nossa era… um nome qualquer… digamos… Manqu-QhapaKevin! Narro aqui, portanto, A Epopeia de Manqu-QhapaKevin e Seu Império de Lamúrias Opinativas.
Mostram registros arqueológicos datados de 11.300 a.C. que Manqu-QhapaKevin era um leitor do Plano Crítico, antigo informativo da cultura Chavín, reproduzido em peles de lhamas cinzentas. Os ideogramas quipukevinos afirmam que Manqu-QhapaKevin era mestre em postar pérolas como “não aguento mais ser censurado por falar a verdade!” e “esta é só a minha opinião, vocês têm que aceitá-la calados!“, seguido de 15 parágrafos onde a “verdade” consistia em xingar com baixeza o autor do texto (gerando um óbvio banimento), em inventar coisas, colocar palavras na boca do autor, fazer fanfic supostamente alinhada a críticas sociais e terminar dizendo coisas como “esse Plano Crítico já foi melhor“; ou ainda, “eles banem, imediatamente, qualquer um que não concorda minimanente com eles: eu vi isso acontecer com esses olhos que a terra um dia há de comer!“. Então, quando alguém ousava responder “mas nada disso que você disse tem a ver com a tese defendida na crítica, não acrescenta nada ao debate!”, Manqu-QhapaKevin desferia o grito de guerra: “VOCÊS NÃO RESPEITAM AS DIFERENÇAS DE OPINIÃO!”.
VOCÊ SABIA? Choramingar sobre “censura” enquanto usa 15 hashtags #LiberdadeDeExpressão aumenta em 87,4% as chances de alguém te bloquear antes do café esfriar!
Aprendam, filhos: quando alguém começar a frescar para o seu lado, trate-o como tratamos um gato que derruba o vaso e mia como se fôssemos o culpado.
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Capítulo 2: Discordar Sem Dar o Prazer da Discórdia
A entidade Manqu-QhapaKevin provou-se impermeável ao conhecimento quando rejeitou o Clubismo Opinativo dos Críticos de Críticos. Não foi iluminada ao saber que Crítica Não é Aritmética da Estética. Confirmou a própria imunidade à inteligência quando não entendeu que Não Existem Críticos Imparciais. E fez ouvido de marcador quando alertada de que Não Existe “Crítica Atrasada”. Não há, portanto, um meio seguro de afastar essa terrível presença sem se molhar com as lágrimas gosmentas que correrão quando você responder a um comentário que ela fez. Vai bater o pezinho, colocar a mãozinha na cintura e entortar a cabeça porque acredita que só ela pode discordar de você… mas você nunca poderá discordar dela! A lição aqui, meus filhos, é que a Criatura não quer debate. Ela quer plateia. Ela almeja o momento em que você, ao respondê-la à altura, será transformado no vilão de sua novela particular. Afinal de contas, discordar sem dar o prazer da discórdia, no dos outros, é refresco, não é?
A Síndrome do Comentarista Oprimido (SCOOP) é definida por criaturas que transformam qualquer resposta aos seus argumentos em prova de “perseguição”. Escrevem “odeio esse texto idiota!”, recebem um “vai caçar um de que gosta, em outro lugar, então!”, e então bradam “NUNCA MAIS OPINO AQUI, ESSE ESPAÇO É DITADURA E GROSSERIA! É ASSIM QUE TRATAM OS LEITORES?”.
Saibam, ó, filhos, que sempre haverá compassivos cegos e empáticos alienados que comprarão as dores dos que sofrem de SCOOP. Para esses, dispensem o tratamento do silêncio ou chamem a atenção para o ridículo. Se não funcionar, deem asas à sua imaginação. Não se esqueçam: respostas são sempre um espelho do que vem antes. Se fazem uma abordagem genuinamente cordial (sem querer pagar de gatinho pra cima de vocês), sejam cordiais. Porém, se fazem abordagens agressivas, sejam duas vezes piores. Se querem cantar de galo e dar ordens no poleiro alheio, joguem pedras até derrubá-los com muitos ferimentos. Já dizia o Racionais, “Se quer guerra, terá. Se quer paz, quero em dobro“. Não deem mole para ignorantes, cínicos, irônicos não solicitados ou gente que acredita poder ensinar missa ao padre. Mostrem que vocês sabem fazer melhor. Destruam-nos com as chamas mais profundas do inferno.
Uma outra alternativa para tudo isso, se seu coração está em fase de cachoeiras, Noturnos de Chopin, frutas amarelas e água de coco, é simplesmente ignorar o comentário ou nem aprová-lo. O silêncio também é resposta. E traz paz. Mas não é todo dia que estamos assim, certo?
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Capítulo 3: Pedra de Responsa
Não se exige civilidade alheia se você chega num espaço fazendo algum tipo de estardalhaço, dando apelidinhos aos outros, fantasiando coisas, querendo ser o ponto máximo da razão ou adotando uma postura passivo-agressiva. Lembre-se: a obra estava lá, assim como o autor, quietinhos, sem mexer com ninguém. Quem iniciou a conversa foi você. Pense bem… Quem reclama de “falta de respeito” após iniciar um debate com empáfia, sarcasmo, ataques pessoais (diretos ou indiretos), ironias fracas ou lacradinha idiota mal contida, age como um piromaníaco que se ofende por não ganhar um abraço da vítima queimada. Você só vai levar pior do que fez. Para discutir bem, deve-se entender a tese do interlocutor e expor uma antítese sem tiradinhas, reconhecendo que até a discordância mais espinhosa pode ser conduzida com elegância.
Não se trata de abrir mão de opiniões fortes, mas de entender que há infinitas formas de expressar descontentamento sem transformar o espaço de comentários numa arena de humilhações (especialmente se você está falando com alguém que ama uma guerra retórica). Uma crítica dura ou uma reclamação ácida, mas honesta, pode ser feita sem afetação, arrogância e sugestões afetadas. O segredo está em começar pelo respeito. Se assim for, tudo ficará bem. Caso contrário, não chore quando vierem o banimento… ou a resposta.
“E disse-nos, mirando o horizonte distante: quem fala o que não deve, ouve o que não quer”.
Provérbios Adaptados 4:20
Meus ensinamentos de hoje terminaram, meus filhos. Até o próximo café com Papai Lulu!