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Crítica | Better Call Saul – 6X08: Point and Shoot

Mais outra importante página virada.

por Ritter Fan
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  • Há spoilers da série. Leiam, aqui, as críticas dos episódios anteriores e, aqui, de todo o Universo Breaking Bad.

Pautei minha análise de Happy Valley, o quarto episódio da terceira temporada de For All Mankind, no quanto a previsibilidade é algo intrinsecamente positivo e não negativo em filmes e séries como volta e meia leio e ouço por aí. Mal sabia eu que, nem 10 dias depois, estaria escrevendo a crítica de Point and Shoot, que marca o começo do fim de Better Call Saul, em que exatamente o mesmo raciocínio é aplicável, com o episódio sendo um magnífico – irretocável mesmo – exemplo do que é a previsibilidade que deve ser cultivada, esperada e recebida com um sorriso esfuziante quando ela se presta a coroar uma narrativa.

Afinal de contas, mesmo considerando que Vince Gilligan e Peter Gould são mestres em subverter expectativas, a arma que Gus Fring escondera na lagarta da escavadeira em sua construção subterrânea em Black and Blue simplesmente precisava ser usada e, mais do que isso, precisava ser um elemento decisivo no embate entre ele e seu nêmeses Lalo Salamanca. E, no momento em que entendemos que a razão para Lalo mandar Kim matar Gus – algo definitivamente estranho e que não faria o menor sentido fora de contexto – é servir de mais um engodo do mexicano vingativo com o objetivo de afastar os soldados remanescentes da lavanderia de Gus, tudo de repente e finalmente se encaixa e passamos a acompanhar algo que perfeitamente decorre de tudo o que foi preparado pelos showrunners ao longo da temporada.

É perfeitamente possível que alguém diga que o conflito final foi rápido demais e anticlimático demais, com Gus apagando as luzes, correndo para pegar sua arma e atirando na direção geral de Lalo enquanto Lalo atira na direção geral de Gus, o que faz o tiro certeiro de Gus ser, essencialmente, sorte (mas isso está até embutido no título: “aponte e atire”!). Entenderei quem concluir assim, mas eu vejo extrema beleza nessa aparente simplicidade do momento. Beleza técnica com a fotografia noturna cheia de sombras banhando os dois mais sinistros personagens do Universo Breaking Bad, sombras essas que são perfuradas pelos flashes dos tiros e com a arquitetura sonora lidando com os passos no chão de terra, os sons de cada arma, as respirações laboriosas de Lalo morrendo e Gus alvejado não mortalmente e assim por diante. E beleza narrativa, pois esses poucos segundos de ação efetiva são o clímax de um magnificamente bem arquitetado plano por Gilligan e Gould que acaba exatamente – sem tirar nem por – como precisava acabar.

Concordo que Lalo era um grande personagem e que Tony Dalton fará falta, mas de mortes cinematográficas e pirotécnicas a Sétima Arte está cheia. É absolutamente refrescante quando um dos principais vilões de uma obra simplesmente… morre. E, claro, é lindamente poético – justiça poética! -, pois essa morte suja e rápida vem imediatamente depois que Lalo infligira quase exatamente a mesma coisa em Howard Hamlin, com a grande diferença de que o advogado morre tragicamente sem sequer entender o que está acontecendo e, mais dolorosamente ainda, tentando de alguma forma ajudar Kim e Jimmy. Temos que também lembrar que a velocidade vertiginosa e o silêncio quase total do tiroteio entre Gus e Lalo faz contraste com a outra grande morte da temporada, a de Nacho em Rock and Hard Place, essa sim quase cerimonial e com tempo suficiente para que tudo o que precisava ser dito seja dito.

Voltando um pouco atrás – na verdade muito atrás – o episódio abre simbolicamente da mesma maneira que Rock and Hard Place, vale lembrar, com uma tomada detalhada, em travelling, de uma cena que se passa depois dos acontecimentos que vemos em seguida e que servem de epitáfio para um dos personagens. E, quando a história começa exatamente do ponto em que Plan and Execution parou, somos brindados com a continuação das magníficas performances de Rhea Seehorn e Bob Odenkirk a partir do choque da morte que eles indiretamente causaram. Estamos mais do que acostumados a ver personagens em tese pacíficos vendo mortes violentas pela primeira vez e reagindo a elas, mas, assim como é raro ver um vilão ser ceifado de maneira relativamente simples, é também raro ver o tipo de reação visceral, genuína e realista que vemos nos rostos, nas posturas e na linguagem corporal de Kim e Jimmy. Como eu sei que são reações realistas? Muito simples: Seehorn e Odenkirk nos convencem do horror e do pavor que estão sentindo. É isso e apenas isso que torna atuações como essas algo que podemos classificar como realistas e é muito interessante como Gilligan, na direção, não se furta em momento algum em mostrar cada detalhe que os atores fazem, o que me leva a pensar em quantas tomadas eles conseguiram chegar ao que vemos na telinha…

E o roteiro do veterano Gordon Smith (cliquem só no nome dele para notarem os episódios de BCS que ele roteirizou ou dirigiu…) é brilhante ao nos jogar uma bola curva logo de imediato, quando Lalo diz o que quer que Jimmy faça e a primeira reação de Jimmy é pedir para que Kim vá em seu lugar. Tenho certeza absoluta de que eu não estou sozinho nos diversos e dolorosos segundos em que eu fiquei com raiva da covardia de Jimmy até “acordar” para o óbvio, que essa era a maneira de ele se sacrificar pela esposa, mandando-a para longe, dando-lhe a chance de escapar, algo que, naturalmente, mesmo desesperada, ela não aproveita. Jimmy pode não ser o mais inteligente do casal, mas, talvez, ele seja o mais sensível e sua reação altruísta quase que de reflexo, de instinto, é toda a prova que queríamos/precisávamos sobre seu amor por Kim.

Mas o que dizer também da paralelização do diálogo entrecortado, aflito e angustiado de Jimmy quando ele está sendo amarrado e amordaçado por Lalo com o diálogo entrecortado, aflito e angustiado de Saul quando ele está amarrado e encapuzado, achando que Walter White e Jesse Pinkman está prestes a matá-lo em Better Call Saul, oitavo episódio da segunda temporada de Breaking Bad? É nesse passado (futuro?) que Saul falaria os nomes de Nacho e Lalo, fazendo os personagens “nascerem” e dando azo à série-prelúdio, pelo que é sensacional que quase a mesma coisa aconteça quando Lalo conecta Jimmy com Nacho, como a ponte que chegou até ele próprio. Referências são pragas em tempos modernos, mas isso só acontece porque tudo agora virou uma caça a elas, transformando-as não em necessidades de roteiro, mas sim em brincadeiras de criança. Quando nos deparamos com algo tão maravilhoso como isso que acabei de descrever é que percebemos o quanto ficamos boquiabertos com qualquer porcaria…

Point and Shoot é a prova definitiva de que previsibilidade bem construída não só é boa como pode alcançar o nível de obra de arte, daquelas que olhamos hipnotizados, mas sublimemente felizes como se tudo o que existisse no mundo naquele momento fosse o que passa diante de nossa visão. E, nessa toada, Nacho Varga se foi. Howard Hamlin se foi. E, agora, Lalo Salamanca se foi. Faltam cinco episódios para que finalmente descubramos o destino de Kim Wexler, e, claro, o de Gene Takovic. Ao mesmo tempo que mal posso esperar pelos vindouros eventos – previsíveis ou não -, fico inconsolável com o fim em apenas algumas semanas de mais uma grande série.

Better Call Saul – 6X08: Point and Shoot (EUA, 11 de julho de 2022)
Criação e showrunners: Vince Gilligan, Peter Gould
Direção: Vince Gilligan
Roteiro: Gordon Smith
Elenco: Bob Odenkirk, Jonathan Banks, Rhea Seehorn, Patrick Fabian, Michael Mando, Tony Dalton, Giancarlo Esposito, Mark Margolis, Daniel Moncada, Luis Moncada, Ed Begley Jr., Jeremiah Bitsui, Ray Campbell, Rex Linn, Javier Grajeda, Lavell Crawford, Julie Pearl, Julia Minesci, Andrea Sooch
Duração: 49 min.

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