Uma das mais cobiçadas – e, consequentemente, valiosas – publicações do Homem-Aranha é O Espetacular Homem-Aranha #129, de fevereiro de 1974, já que é neste número que o Justiceiro (e o Chacal, mas ele não é a razão para o valor do número) é introduzido no Universo Marvel. Cortesia das mentes brilhantes de Gerry Conway (roteiro e design básico), John Romita Sr. (desenho final pré-publicação), Ross Andru (desenho para publicação) e Stan Lee (batismo do personagem), o Justiceiro é talvez o mais controverso, mas possivelmente um dos mais adorados heróis – ou talvez seja mais correto classificá-lo como anti-herói – da editora, ganhando uma legião de fãs quase que imediatamente.
Antes de abordar a história em si, é importante situá-la na vida de Peter Parker, mais conhecido como o Amigão da Vizinhança. Não muito tempo antes, mais precisamente na edição #121, Gwen Stacy fora assassinada pelo Duende Verde, com dolorosa participação do próprio herói (quem não se lembra do sutil snap?) e a vida de Parker tornou-se um inferno, já que ele, por sua vez, matou o Duende Verde (ou deixou que ele morresse) e seu melhor amigo e filho do vilão, Harry Osborn, começou a gradativamente enlouquecer. A narrativa iniciada na edição objeto da presente crítica começa, ainda que vagarosamente, outra importante fase na vida do Aracnídeo, que desembocaria na importante Saga do Clone, com desdobramentos sentidos – para o mal ou para o bem – até hoje em sua cronologia. E, curiosamente, a edição #129 é a que antecede à esdrúxula inserção do “Aranha-móvel” na mitologia do herói, um buggy que pode subir paredes patrocinado pela Corona Motors e que desapareceria muito rápido da narrativa do Aranha, ressurgindo triunfalmente, em sua forma original, em O Velho Logan e, bem mais recentemente, em versão turbinada, na persona “industrial bilionário pelo mundo” que Parker passou a ter na mais recente reviravolta em sua vida.
Portanto, como se pode ver, independente do Justiceiro, a narrativa deste número carrega considerável peso cronológico de uma época com bem menos reboots ou reinvenções de personagens do que hoje. O Chacal, uma figura misteriosa, com uma roupa que tenta – mas não consegue – fazê-lo ficar parecido com o animal cujo nome serviu de inspiração para sua alcunha vilanesca, contrata o Justiceiro para dar cabo do Homem-Aranha sem que maiores explicações sejam dadas sobre o porquê. Para todos os efeitos, o Aranha matou Harry Osborn e o Justiceiro, de forma simplista, mas não tanto, deseja livrar o mundo de todos os vilões, inclusive o Aranha, mal sabendo que o Chacal o está manipulando (um sujeito vestido de chacal e que se chama Chacal não pode ser boa coisa, mas Frank Castle nunca foi lá muito bom da cabeça, não é mesmo?).
Mas Gerry Conway empresta uma aura de retitude moral ao Justiceiro que logo o retira do lugar-comum dos antagonistas aracnídeos. Nada de planos mirabolantes (estes ficariam por conta do Chacal em números posteriores), nada de super-poderes. Para todos os efeitos, o Justiceiro é apenas um homem no auge de sua forma física que sabe manejar armas muito bem e que tem um propósito bem claro e objetivo, mas que, por trás de sua carranca e de seu uniforme com uma enorme caveira branca no peito, há alguém atormentado e amargurado. O Aranha percebe isso, mas a narrativa não evolui neste número, deixando praticamente tudo para ser revelado posteriormente em outras aparições do personagem como coadjuvante em outras publicações Marvel (do próprio Aranha, mas também do Capitão América e Noturno) ao longo dos anos 70 e primeira metade dos anos 80 e, depois, em sua primeira publicação solo em forma de minissérie em 1986 para, então, deslanchar em publicações regulares.
Além da caracterização misteriosa para o Justiceiro e do início do complexo plano do Chacal, outro grande acerto da edição fica por conta da arte de Ross Andru que faz um Justiceiro duro, de feições quase vilanescas, sem tentar suavizar nada. Apesar de não trabalhar detalhes de fundo de seus quadros, a arte de Andru é dinâmica nos embates corporais, com movimentos que são muito eficientes em mostrar força e impacto, como quando o Aranha soca o Justiceiro que, por sua vez, cai de costas em uma chaminé de tijolos ou quando o Justiceiro estapeia (daqueles tapas com a parte de trás, mais ossuda da mão) o Chacal em seu esconderijo. São situações daquele tipo que “dói no leitor” de tão potentes, apesar de nada espetaculares em termos de escala e do que acabou se tornando cada vez mais comum em embates entre heróis dos quadrinhos.
O Espetacular Homem-Aranha #129, além de introduzir um dos mais icônicos personagens da Marvel, que ganhou nada menos do que três longas-metragens diferentes e desconectados, um curta-metragem cultuado e um papel proeminente na segunda temporada da série do Demolidor pelo Netflix, é uma ótima história por seus próprios méritos, ainda que sua apreciação completa tenha que necessariamente levar em consideração a fase por que passava o Aranha, uma das melhores e mais lembradas do personagem até hoje.
O Espetacular Homem-Aranha #129 (The Amazing Spider-Man #129, EUA – 1974)
Roteiro: Gerry Conway
Arte: Ross Andru
Arte-final: F. Giacoia, Dave Hunt
Cores: Dave Hunt
Letras: J. Costanza
Editora original: Marvel Comics
Data original de publicação: fevereiro de 1974
Páginas: 21