OBS: Esta crítica foi publicada no intervalo entre o lançamento do disco e a morte de David Bowie.
David Bowie: um artista que imprimiu sua marca em diversas faces da história da música. Se o artista foi apelidado de “camaleão do rock” isso não é somente pela sua constante mudança de visual em sua carreira, nem pelas cores diferentes de cada um de seus olhos. O artista ganhou esse apelido principalmente por sua capacidade de se renovar e reinventar dentro do cenário musical, sendo provavelmente um dos artistas que mais experimentou diferentes gêneros e estilos. Seu novo disco, ★ (lê-se Blackstar), mostra mais uma de suas renovações. Se trata de mais um fantástico trabalho experimental, chegando aos 69 anos (a data de lançamento também é seu aniversário) com uma invejável discografia e vivacidade.
O disco abre com o single homônimo que também é tema da minissérie britânica The Last Panthers. Blackstar é uma boa canção, por mais bizarra e estranha ela possa soar. É impressionante ver a capacidade de renovação de Bowie que parece sempre querer mostrar algo diferente. Nunca se pensou que veríamos influências até do rap esquizofrênico do Death Grips em um álbum do cantor, e veja só o que encontramos até oficialmente declarado pelo britânico. O artista demonstra como sabe utilizar bem sintetizadores, a parte mais interessante da canção. Mas é óbvio que a faixa sofre de alguns problemas. Por mais que o forte experimentalismo possa causar estranheza, o maior problema da faixa é a longa e desnecessária duração (pelo menos 2 minutos seriam facilmente descartados). Em certo ponto a única coisa que clamo e imploro é que Bowie pare de repetir “I’m a blackstar” nos meus ouvidos. Mas justiça seja feita: a faixa possui uma complexidade rara de se ver, do tipo que a cada audição algum detalhe novo é percebido, afinal, é uma salada admirável de eletrônico, jazz, rock e tantas outras coisas. E o clipe do single – uma das coisas mais comentadas na internet quando foi lançado – é uma das coisas mais obscuras, sombrias e assustadoras que vi em muito tempo (ainda que um dos mais impressionantes).
Lazarus parece um tutorial de como fazer uma excelente canção. Chame sua atenção ao esmero da faixa, a progressão e maneira que ela flui. Veja como o baixo anda de mãos dadas com a bateria, como o saxofone serve quase como uma segunda voz e como a interpretação do camaleão é ótima. É uma canção mais simples do que aparenta, e, ainda assim, espetacular. Sue (Or In A Season of Crime) com suas fortes guitarras é a faixa mais próxima do rock em ★ – sim, o estilo é quase inexistente aqui – possuindo um clima típico de trilha sonora de perseguição. Os hipnotizantes sintetizadores voltam como principais estrelas em Girl Loves Me, faixa bem peculiar que prende a atenção do ouvinte principalmente pela performance do cantor, além de bateria e beats bem fora do comum. Um outro ponto bem interessante do disco são os metais que trazem um tom de Jazz, já que ★ é cheio de instrumentos de sopro espalhados por todas as faixas, tendo seu momento de brilho intenso em Tis A Pity She Was A Whore e Dollar Days.
Mas a verdade precisa ser também dita. Bowie não possui a mesma voz de antes. Ainda que ele tente não demonstrar, isso parece ficar claro. Por mais que suas performances vocais ainda sejam muito boas no geral, é nítida uma certa fragilidade em alguns momentos, o que até o impede de fazer novas turnês. Mas a real genialidade do cantor aqui se encontra muito mais em sua capacidade de interpretar as letras e melodias – dando o suspiro, o grito e o lamento que a faixa pede – do que se limitando somente a afinação.
I Can’t Give Everything Away fecha brilhantemente o disco. Se a capacidade do single Blackstar de abrir o disco é questionável (veja bem, questiono apenas a funcionalidade desta como faixa de abertura), por outro lado temos uma fantástica faixa de encerramento, talvez a melhor que este que vos escreve escutou nos últimos 12 meses. Perceba como a interessante base de sintetizadores permanece instigante até o fim, não importa quantas vezes Bowie repita o verso nome da canção. Veja como a inserção de cada instrumento é dada no momento certo: primeiro aparecem novas bases de teclado, depois solos de saxofone e, por fim, belos e sutis solos de guitarra. É a cereja do disco que mostra a genialidade de Bowie.
E mais uma vez David Bowie dá um exemplo de renovação e coragem. Se em The Next Day (2013) já era elogiado por manter um nível enorme de qualidade digno de seus tempos áureos, ★ segue como mais um sólido tijolo nessa fortaleza que está sendo a “fase moderna” do cantor, insistindo em construir uma discografia que não cansa de surpreender.
Aumenta!: Lazarus
Diminui!: Blackstar
Minha canção preferida: I Can’t Give Everything Away
★
Artista: David Bowie
País: Inglaterra
Lançamento: 8 de janeiro de 2016
Gravadora: ISO, Columbia
Estilo: Experimental, rock