Absolvição (2015), filme do diretor finlandês Petri Kotwica, traz um dilema moral como principal elemento de discussão em sua trama, onde uma mulher que, ao volante e em trabalho de parto, atropela um homem e não presta socorro imediato porque seu esposo não consegue encontrar o corpo atropelado. Ambas as famílias são mostradas em separado, cada uma vivendo um drama diferente, tendo como fio de ligação o atropelamento e o que realmente aconteceu na noite da tragédia. Desse momento em diante, um jogo de verdade, mentira, culpa e ódio será desenvolvido pelo roteiro.
O texto procura plantar a dúvida e trazer à tona pequenos mistérios para que tenhamos a oportunidade de construir, nós mesmos, várias opiniões a respeito do caso, que eventualmente vai mudando nossa perspectiva à medida que novas informações nos são dadas. O fato de ser um dilema moral torna a obra bastante densa e cheia de conflitos internos, nunca chegando à moralização da causa ou deixando-se levar pela demonização de um lado e de outro. A culpa dividida é na verdade um bom recurso do enredo para manter a discussão ativa, uma discussão que parece se tornar cada vez mais problemática, ao invés de resolver-se, conforme nos aproximamos do final.
Curioso é que o diretor adota um sistema “anti-cinematográfico” nos dois primeiros blocos para mostrar a ação acontecendo e se encontrando, como obra de um trágico acaso. E quando eu digo “anti-cinematográfico”, me refiro à linguagem pouco usual no cinema contemporâneo (ou moderno, convenhamos) que é mostrar uma sequência de ações que não sejam em continuidade. A revolução da linguagem cinematográfica ainda nos primórdios do cinema nos desacostumou a ver ações de um ponto de vista diferente mas no mesmo tempo e lugar, e é muito interessante quando isso aparece na tela de modo bem trabalhado, porque lança mão de um modelo que o espectador não esperava e que, se bem colocado, tem grande impacto psicológico, nesse caso, dado o contexto das duas histórias. Petri Kotwica não poderia ter escolhido melhor forma de criar o conflito.
[Spoilers!] Embora haja insistência em coisas que travam um pouco o desenvolvimento psicológico dos personagens, o tema denso e a boa alternância entre os dramas de vida e morte consegue trazer para o público um elenco dentro de dois grandes motivadores cênicos, padrão que e a própria montagem adota como paralelismo na meia hora final do filme, fazendo uso dessa dualidade para para expor as consequências do atropelamento, tendo na oposição entre o batizado do bebê e o velório do homem o momento mais lírico, melhor editado e mais inteligente do filme. [Spoilers!]
O desfecho não é exatamente uma surpresa para nós, pois haviam pequenos indícios de que aquilo aconteceria, mas ainda assim ver o acontecimento nos causa certo impacto. O estranho, porém, é o que se segue ao evento, como se aquilo fosse a coisa normal a ter acontecido e como se a atitude nublasse ou perdoasse o erro inicial do reverendo ou absolvesse Hanna de sua vingança — e nesse ponto há um jogo de intenções, porque a absolvição do título pode ser vista, nesse final, para os dois lados, o que torna a sequência bastante complexa e contextualmente polêmica.
O espectador não consegue deixar de se perguntar o que faria em uma situação como a que vemos em Absolvição ou inquirir quem estava certo ou errado no filme. Petri Kotwica certamente nos prende em uma prisão moral e ética, que mesmo depois do filme acabar, insiste em não querer se abrir para nós.
Absolvição (Henkesi edestä) — Finlândia, Irlanda, 2015
Direção: Petri Kotwica
Roteiro: Petri Kotwica, Johanna Hartikainen
Elenco: Laura Birn, Mari Rantasila, Eero Aho, Teijo Eloranta, Mirja Oksanen
Duração: 92 min.