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Crítica | Os Campos Voltarão

por Luiz Santiago
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Há sempre que se esperar grandiosidades do cineasta que trouxe ao mundo obras como O Posto (1961), Os Noivos (1963) e A Árvore dos Tamancos (1978). Filho de militar e tendo idade o bastante para ter guardado memórias de várias guerras, Ermanno Olmi dirigiu Os Campos Voltarão (2014) aos 83 anos, e através desse filme nos trouxe uma noite infernal, gélida, solitária e profundamente reflexiva na vida de um grupo de soldados em uma trincheira, no front italiano durante a Primeira Guerra Mundial.

No período de uma noite, vemos desenrolar-se tanta desgraça e tantos homens terem sua vida e ideias roubados pela guerra, que é o bastante para imaginarmos como o acúmulo dos dias, semanas e meses tornavam aquela situação ainda mais insuportável para os que estavam presos a ela. Uma noite, representada em um filme de 80 minutos, nos faz ter a impressão de que o tempo diegético foi muito maior, não porque a narrativa é arrastada ou negativamente lenta. Mas porque o horror e lamento trazidos pela guerra se mostram aqui de forma direta, sem dramas de apoio e sem nenhum adereço externo ao conflito. Todo o roteiro do longa expõe de maneira crua a luta pela sobrevivência, pela recuperação da humanidade, pela possibilidade de morrer logo para que o horror, juntamente com a vida, chegasse ao fim.

Esse intimismo que o texto de Ermanno Olmi nos traz tem conotações bastante pessoais — ele oferece o filme ao pai, que lhe contava histórias de guerra — e por isso mesmo nos coloca no papel de soldados, estando ao lado daqueles personagens que se transformam rapidamente, como o filósofo humanista que algumas horas depois de assumir um posto de comando em uma trincheira já se via dando ordens para que um soldado cantasse, mesmo sem querer. A transformação do homem em uma máquina insensível de disparar tiros e fugir de bombardeios mescla-se ao cansaço que esse comportamento traz, colocando-os frente a escolhas cujas consequências não são boas mas que dentro do raciocínio do horror faz muito sentido: se é para morrer obedecendo ordens criminosas de senhores da guerra, então que eu tenha a oportunidade de escolher a minha própria morte, fazendo o que me dá algum tipo de alegria ou prazer, nem que seja por um breve momento e da maneira mais banal possível.

As discussões sobre engajamento à causa da guerra, patriotismo e obediência às ordens militares surgem além de todo o limite possível. É como se víssemos uma mistura das ideias de contestação mostradas em Glória Feita de Sangue; mais a relação fraterna e reflexiva entre os soldados vistas em A Grande Guerra e o extremo de condições e missões de combate vistos em Sem Novidade no Front. Essas relações fluem, amadurecem e morrem no decorrer do filme, sempre dando origem a outros sentimentos, situações e problemas, completando o ciclo de “tragédia seguida de tragédia” e fazendo-nos pensar, novamente, na brevidade do tempo representado (uma noite) e a quantidade enorme de coisas que nela acontecem ou se finalizam.

Fabio Olmi, diretor de fotografia e filho de Ermano Olmi, faz um trabalho glorioso na representação do cenário interno da trincheira (em tons patéis e sépia) e do campo nevado, com modulada adição de contraste para que o azul e o branco se misturassem e simbolicamente submergissem e soterrassem tudo à sua volta. A oposição estética também é vista na forma narrativa, quando planos do espaço natural se alternam às péssimas condições (psicológicas, morais, físicas, geográficas) dentro das trincheiras e nos campos de batalha. E entre a beleza e a feiura, entre a vida e a morte, o filme caminha para um desfecho que só pode ser melhor definido como “condenação”.

Os soldados que ainda resistem estão presos às ordens de seus superiores. A guerra continua. E continua para ser esquecida e tornar-se página de estudo ou memória fugaz nos anos vidouros. Todo o horror, todo o inferno atravessado por quem já lutou em uma guerra há de ser esquecido, apagado pela vida que voltará aos campos na primavera e pela renovação das guerras, que parecem ser o grande eterno retorno da “humanidade civilizada” desde que o homem aprendeu a guerrear.

Os Campos Voltarão (Torneranno i prati) — Itália, 2014
Direção: Ermanno Olmi
Roteiro: Ermanno Olmi
Elenco: Claudio Santamaria, Camillo Grassi, Niccolò Senni, Andrea Di Maria, Francesco Formichetti, Andrea Benetti, Domenico Benetti, Alessandro Sperduti, Andrea Frigo, Riccardo Rossi
Duração: 80 min.

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