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Crítica | Verão Seco (1963)

por Luiz Santiago
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estrelas 3,5

Para um espectador brasileiro, assistir a Verão Seco (1963) é como ver o correspondente turco de muitos conflitos familiares em nossa cultura, especialmente na região nordeste do país, onde a disputa por terras e a necessidade de água sempre foram motivos de brigas entre vizinhos, familiares e povo versus governo. Todavia, a trama deste longa de Metin Erksan pode ser lida dentro de qualquer cultura onde exista alguém que “possua” alguma coisa que deveria ser um bem comum, mas não é permitido que esse bem chegue a todos os que deveria.

A discussão de posse da terra e direito aos bens que ela produz é o mote central de Verão Seco, que se passa em uma propriedade rural do interior da Turquia onde dois irmãos, moldados à Caim e Abel + Esaú e Jacó, vivem em conflito. Osman, o mais velho, é um viúvo de má índole, mesquinho e persuasivo, que faz uso de sua primogenitura para tornar o irmão mais novo em uma marionete. Os laços culturais que a família turca observam impedem que Hasan, o caçula, haja contra Osman, pois lhe deve obediência. Isso se torna um problema quando Osman decide racionar e depois cortar de vez o fornecimento da água, cuja nascente está em sua terra, para as propriedades vizinhas.

Hasan não aprova a ideia, mas se vê impotente ante o autoritarismo do irmão, que disfarça bem a sua dominação, agindo como se estivesse colocando em prática a defesa de toda propriedade, a vida da família, a prosperidade sobre os outros agricultores. Já nesse ponto o roteiro cria sub-temas que tocam o público, como a crescente vitória do mal feito por Osman, culminando no episódio da noite de vigília, onde os dois irmãos correm pela propriedade atrás de alguns vizinhos que vieram explodir a pequena represa. A cena de perseguição é frenética, perfeitamente musicalizada — aliás, a trilha sonora do filme, experimental e de traços minimalistas é bem diferente do que poderíamos pensar de um drama como este — e tem uma composição de fotografia noturna exemplar, uma das mais belas que eu já vi, com as silhuetas de quatro homens correndo por um canavial e entre árvores, cuja velocidade e sentimento de proximidade é inteligentemente capturados pela câmera em movimento e por uma montagem precisa.

Se não fosse a caricatura do “homem mal” com suas risadas falsas e trejeitos afetados, Verão Seco teria um antagonista mais crível. E a mesma observação de afetação vale para as cenas finais de Bahar, a jovem esposa de Hasan, que teve na atriz Hülya Koçyigit uma boa personificação durante quase todo o filme, cedendo à afetação na reta final. Do trio protagonista, o único que mantém uma boa performance do começo ao fim é Ulvi Dogan (Hasan), que mesmo na estranha e demasiadamente longa cena de luta contra o irmão na pequena represa, segura as pontas e não se coloca como um vitorioso louco, gritando ou fazendo caretas inúteis para a câmera, algo que parece ter sido a base da construção de Erol Tas, talvez como forma de fazê-lo o máximo desprezível possível para o público, um exagero que acabou custando a paciência do espectador para determinadas cenas, com destaque para aquelas que Osman arde de desejo pela cunhada.

Traição, maldade e maquinações familiares se misturam ao drama de pano de fundo social fazendo de Verão Seco um  interessante filme misto. O espectador tenta processar a ideia de propriedade privada X bem público/natural ao mesmo tempo que lida com o mal caráter de um homem que faz qualquer coisa para se livrar das responsabilidades de seus atos e sempre acredita que terá o que quer e jamais será punido. A intensa fotografia de Ali Ugur nos faz sentir a quentura do verão que marca todo o período da trama, e essa imersão contribui para que a sessão e Verão Quente seja, em uma palavra, marcante, a despeito de todos os tropeços.

Verão Seco (Susuz Yaz) — Turquia, 1963
Direção: Metin Erksan
Roteiro: Necati Cumali, Metin Erksan, Kemal Inci, Ismet Soydan
Elenco: Erol Tas, Hülya Koçyigit, Ulvi Dogan, Alaettin Altiok, Hakki Haktan, Zeki Tüney, Yavuz Yalinkiliç
Duração: 90 min.

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