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Crítica | Astro City: Vida na Cidade Grande

por Luiz Santiago
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E se a sua cidade fosse um lugar de concentração de inúmeros super-heróis e vilões bizarros, um lugar onde o super-heroísmo fosse tão comum a ponto de as pessoas apenas tomarem as ações dos heróis como “um feito a mais” do dia a dia? Como seria uma sociedade marcada pela convivência não circense (pensem basicamente em Marvel ou DC) dos heróis e vilões com os humanos?

Este lugar existe. E ele se chama Astro City.

Criado por Kurt Busiek e Brent Anderson, com capas do grande Alex Ross, o primeiro volume da série Astro City foi publicado nos Estados Unidos entre agosto de 1995 e janeiro de 1996, com um total de 6 edições. O volume lançado no Brasil pela Panini em março de 2015, intitulado Vida na Cidade Grande, faz a compilação dessas seis edições e ainda traz extras de infraestrutura da cidade, rascunhos de arte, capas alternativas e um prefácio primoroso de Kurt Busiek escrito em maio de 1996.

Neste prefácio, o autor comenta de maneira cirúrgica o tratamento dado à nona arte por artistas, leitores e não-leitores, alfinetando algumas febres de “abordagem madura” ou a tentação da “história fácil para o grande público”. E é bastante consolador percebemos que o escritor não deixa isso apenas na teoria. Sua prática mostra que é possível fugir dos maniqueísmos ou extremismos dos quadrinhos, procurando dar abordagens renovadas para essa classe de personagens tão fértil e tão curiosa que são os super-heróis.

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Adotando a mesma premissa de Marvels (1994), Busiek organiza seu texto fora da narração comum, adotando o ponto de vista de um herói, vilão ou cidadão de Astro City para contar a história. Sua proposta aqui não é problematizar esses personagens às raias do existencialismo ou mergulhar na psicologia de cada um deles. O que temos é um excelente exemplo de tratamento dramático nos moldes da Era de Ouro para os heróis, alguns deles assumindo representações criativas de personagens que conhecemos bem, mas dentro de um novo contexto e num universo instigante. Podemos citar o Samaritano (Superman), Vitória Alada (Mulher-Maravilha), Agente de Prata (Capitão América), Primeira Família (Quarteto Fantástico), Caixa de Surpresas (Homem-Aranha), Guarda de Honra (Liga da Justiça) e outros heróis menores, mais difíceis de fazer comparações, porém, igualmente ricos e interessantes, como Balestra, Cleópatra, Sabre Negro, N-Força, Bambambão e por aí vai…

A riqueza deste Vol.1 de Astro City está na forma como o autor pensou em organizar histórias distintas que, ao mesmo tempo, estivessem interligadas por algum fio. À medida que os olhares mudam, novas histórias são mostradas, novos vilões aparecem (todos com nomes do naipe de Diácono, Zoogangue, Pesadelo Vivo, Tubrak e seus Homens-Tubarão…) e a cidade é vasculhada em diferentes pontos, percebemos um raro jogo de inocência e seriedade que deságuam no realismo fantástico, uma medida que nos aproxima bastante da saga e ao mesmo tempo nos faz admirar e torcer para o que acontece neste mundo tão perto e tão distante do nosso. Espaços e acontecimentos como o centro comercial da cidade, a região do morro, o transporte público, a revitalização dos bairros, as tragédias urbanas… está tudo aqui, sem complicações desnecessárias, apenas uma história simples, com diálogos marcantes – e alguns, como a conversa entre o Samaritano e a Vitória Alada no Capítulo 6, bem polêmicos.

A arte de Brent Anderson nos dá ainda mais a sensação de realismo dentro de uma perspectiva fantasiosa. Sua finalização e traços grossos ou de aparência “suja” aliada às cores de Buccellato e sua empresa Electric Crayon alternam uns poucos quadros minimalistas a grandes exibições de heróis em luta, vilões explodindo coisas, quartos bagunçados, ruas sujas ou panorâmicas de cidades ou edifícios comerciais. É uma arte perfeita para tratar essas imperfeições características de uma história baseada em pontos de vista, sempre nublados, machados ou ocultos por alguma coisa.

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Astro City é um exemplo ideal de como contar uma história criativa e de qualidade com o máximo e o mínimo de elementos “apelões” ao mesmo tempo. O volume traz um sólido trabalho de ideias como o vício em trabalho de um herói; os percalços do jornalismo investigativo; a moral de um indivíduo imoral (nesse caso, um bando que descobre um segredo que não deveria); a dualidade entre os “monstros da nossa casa” e os “monstros da casa dos outros”; o impasse ético de um espião alienígena em relação aos humanos (e especialmente às velhas fofoqueiras de seu prédio); e o encontro romântico entre o herói viciado em trabalho do primeiro capítulo e uma heroína feminista. Tudo isso mostrado com um vigor visual e força textual que fazem qualquer um entrar em um terrível conflito, que é a vontade de ler devagar para não terminar rápido o volume e a curiosidade mortal para saber o que acontece na página seguinte, no capítulo seguinte. É como se tivéssemos receio de deixar os limites da cidade das maravilhas e sermos obrigados a dirigir com cuidado, como nos alerta as placas de sinalização após dado o ponto final de cada aventura.

  • Nota: o encadernado da Panini (2015) traz extras com galeria de capas, infraestrutura da cidade e concepção dos seguintes personagens: Samaritano, Guarda de Honra (Cleópatra, Agente de Prata, N-Força, Balestra, Estelária, Beautie, MPH); Caixa de Surpresas, Homens-Tubarão e A Primeira Família.

Astro City Vol.1 #1 a 6: Life in the Big City — Vida na Cidade Grande (EUA, 1995 – 1996)
No Brasil:
Panini, março de 2015
Roteiro: Kurt Busiek
Arte: Brent Anderson
Cores: Steve Buccellato, Electric Crayon
Capas: Alex Ross
Arquitetos e planejadores urbanos: Kurt Busiek e Brent Anderson
194 páginas

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