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Crítica | O Diário de Anne Frank (1959)

por Ritter Fan
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estrelas 3

A primeira adaptação cinematográfica do famoso e absolutamente cativante O Diário de Anne Frank é uma obra difícil de assistir, por duas razões básicas: a primeira delas é em razão do assunto que aborda, capaz de revirar o estômago de qualquer um e, a segunda, pelo filme em si, que transporta para as telonas a teatralidade e confinamento da peça de teatro da Broadway de em que também se baseou.

Mesmo aqueles que não leram o diário verdadeiro da menina judia que, junto com sua família e outra família passaram dois anos em um sótão de uma casa em Amsterdã escondidas da fúria nazista, pelo menos conhecem “de ouvir falar a história” e, lógico, seu trágico desfecho. O Diário de Anne Frank é uma daquelas obras que povoam o imaginário popular, são discutidas nas escolas e desnudam os horrores do Holocausto a partir da visão de uma jovem alijada de sua vida pacata na Holanda.

E é por saber do horror porque Anne e os habitantes temporários do fatídico sótão é que tanto ler o livro quanto assistir ao filme se tornam tarefas complicadas, tristes. Porém, são tarefas necessárias, pois, se é possível tirar algum propósito do que os nazistas fizeram – com ela e com milhões e milhões de judeus e outros povos que perseguiram – esse seria a mensagem de que isso não pode se repetir e que o conhecimento sobre os fatos precisa ser disseminado.

Dito isso, a produção da Fox dirigida por George Stevens (Assim Caminha a Humanidade e Os Brutos Também Amam) é até muito bem intencionada, mas, ao trabalhar apenas um cenário e usando como fio condutor uma atriz em seu primeiro papel (e que originalmente nem queria ser atriz), ela acaba alienando muito mais do que atraindo. É bem verdade que a escolha de se manter a história confinada ao sótão – com pouquíssimas exceções – empresta um ar genuíno ao filme, mas Stevens não sabe se aproveitar disso e, baseado em um roteiro quase episódico de Frances Goodrich e Albert Hackett, os próprios autores da adaptação teatral, acaba perdendo a coesão e, por conseguinte, a forte mensagem.

São duas famílias coexistindo sob um mesmo telhado, uma sem defeitos – a família Frank – e outra, a família Van Daan, que serve de contraste, com um pai egoísta e violento, um filho tímido e uma esposa submissa. No meio disso tudo, há um dentista de mais idade que entra em momento posterior – o Sr. Albert Dussell – que estranhamente acrescenta uma pitada de uma incômoda e inaplicável comicidade à história. Há, portanto, um perturbador grau de maniqueísmo na retratação dos personagens, que obedecem à moldes hollywoodianos que, ao contrário da escolha de um ambiente só, dificultam que os espectadores mergulhem na narrativa completamente.

Millie Perkins, a jovem escolhida por Stevens depois que a viu em uma capa de revista, não tem a profundidade ou mesmo a naturalidade que se poderia esperar de uma “não-atriz”. Ela, ao contrário, parece incomodada dentro de um papel que exigiria alguém mais experiente diante da complexidade narrativa. O resultado final não é de todo sofrível, mas isso se dá muito mais pela natureza do assunto em questão do que pelos méritos de Perkins.

O pai de Anne, Otto, é vivido de maneira estoica e muito contida por Joseph Schildkraut. E é o grande destaque da fita, por a ele ser entregue não só as melhores falas, como por ser ele a pessoa que é mais fácil nos identificarmos, com as reações mais genuínas e dolorosas. Estranhamente, porém, foi Shelley Winters, no papel de Petronella van Daan que levou o reconhecimento da Academia, com o Oscar de Melhor Atriz Coadjuvante.

Mas se o Oscar de atriz coadjuvante foi injusto, o mesmo não se pode dizer das outras duas estatuetas que o filme levou: melhor fotografia em preto e branco e melhor direção de arte e decoração de cenário (ambos em preto e branco, pois havia premiação separada, na época, para filmes à cores). O quesito fotografia é ponto alto da obra de Stevens, na verdade, graças ao assombroso trabalho de William C. Mellor (parceiro de Stevens em Assim Caminha a Humanidade e Um Lugar ao Sol). Com seu jogo de sombras, Mellor evoca suspense e contraste com muita facilidade e isso com grande parte da produção ter usado luz natural em oposição à luz controlada de estúdio. Vale especial destaque para a sequência da segunda invasão de um ladrão à casa onde eles estão, em que o claro e o escuro são quase personagens vivos.

A direção de arte também é excepcional, por inserir detalhes no confinado cenário que permitem a identificação de cada um dos “pequenos nichos” reservados a determinados personagens. São objetos aqui e ali, vidros quebrados e uma distribuição equilibrada que torna as tomadas em plano geral bastante verídicas.

Ao longo de seus 171 minutos (há uma versão de 180 também), O Diário de Anne Frank peca por não dar coesão à trágica história de Anne Frank, tratando-a de maneira episódica e novelesca, com grande quantidade de textos expositivos que indevidamente substituem as atuações do elenco. Continua sendo uma obra que deve ser vista (mas a prioridade deveria ser a leitura do livro), mas o material fonte merecia uma adaptação melhor.

O Diário de Anne Frank (The Diary of Anne Frank, EUA – 1959)
Direção: George Stevens
Roteiro: Frances Goodrich, Albert Hackett (baseado na obra literária escrita por Anne Frank e na peça de teatro escrita pelos roteiristas)
Elenco: Millie Perkins, Joseph Schildkraut, Shelley Winters, Richard Beymer, Gusti Huber, Lou Jacobi, Diane Baker, Douglas Spencer, Dodie Heath, Ed Wynn
Duração: 171 min.

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