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Crítica | Chappie

por Lucas Borba
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Chappie é um filme que merece análise cuidadosa. A terceira ficção científica de longa metragem de Neill Blomkamp (Distrito 9 e Elysium foram as outras) claramente não deseja ser só mais um blockbuster. Pena que conte com problemas de narrativa, com indícios característicos de certa imaturidade para um projeto tão ambicioso.

Tudo começa quando, num futuro próximo, a África do Sul (cenário apropriado para a representação de um drama humanista, fora as origens do próprio Blomkamp) está saturada pela violência e lança um programa de robôs policiais, com inteligência artificial, em substituição aos agentes humanos. O cientista que criou as máquinas, Deon (Dev Patel), porém, quer algo mais, quer criar um robô que sinta, de modo real, emoções humanas. A diretora da empresa de segurança para a qual ele trabalha, Michelle Bradley (Sigourney Weaver), contudo, vê no projeto uma perda de tempo, dada a eficácia dos robôs originais. Apesar das críticas contra a diretora por não permitir a inserção da consciência virtual em robô defeituoso, o que não causaria custo nenhum, analisando-se um pouco mais profundamente fatores como o contexto de crise retratado no filme, até mesmo o pensamento industrial prático, daí o medo da diretora de que seu precioso cientista, eventualmente necessário numa crise futura, se visse ocupado com “um robô artista” e possivelmente imprevisível vê-se que a recusa da personagem é bastante lógica. Essa recusa, porém, leva o cientista a furtar o robô defeituoso da empresa e, em condições inesperadas, implantar na máquina a tal consciência virtual – ou, mais claramente, uma semente para que ela se desenvolva – por intermédio de um trio de ladrões, Ninja, Yolandi (membros do grupo musical Die Antwoord) e Amerika (Jose Pablo Cantillo), que desejam usar o robô para um assalto a banco.

Assim nasce Chappie, com um comportamento que, a princípio, busca-se retratar como o semelhante ao de um bebê – daí o princípio de um dos erros do longa. Não que o personagem não se desenvolva e não nos confira momentos impactantes e até emotivos – salvo a boa interpretação, na voz e, a crítica atesta, nos movimentos de Sharlto Copley conferidos ao personagem de metal -, embora chegue apenas aos pés da presença de robôs humanizados clássicos do cinema, como Sony, de Eu, Robô ou Andrew, de O Homem Bicentenário, sem falar nos originais literários nos quais os dois filmes foram baseados.

Só que o grande problema no que diz respeito a Chappie é a organização narrativa do seu amadurecimento, tanto intelectual quanto sentimental, retratado de modo muito atropelado, com um texto fraco, gerando confusões, por exemplo, entre aquilo que o robô deseja expressar e aquilo que consegue expressar – num momento inicial, a máquina só diz papai e mamãe, levando mais tempo do que deveria para assimilar processos linguísticos básicos, no outro já demonstra um senso comparativo e filosófico que deveria levar mais tempo para adquirir, assim gerando uma incoerência narrativa. Narrativa, aliás, que muda de tom de um momento para o outro, tanto na construção de personagens, assim mostrando, no mínimo, que o ser humano não é tão simples, quanto em climatização. Mudanças que, cada qual em sua hora, conseguem cumprir ao menos uma parte, daí para o todo, de seu objetivo, embora tendam a gerar estranhamento ao público que procura por um gênero cinematográfico específico.

Se, num momento, o líder dos ladrões demonstra medo perante um homem a quem deve dinheiro, no outro parece um psicopata ameaçando a vida do criador de Chappie. Se, num momento, vemos a única mulher da gangue lendo uma história para um robô que ainda parece uma criança, no outro acompanhamos as artimanhas de Vincent (o excelente Hugh Jackman), engenheiro, intimidador, esperto e com uma agressividade por vezes doentia, que tem seus próprios planos para o projeto dos robôs policiais.

Tudo isso confere ao filme um resultado muito particular, que mistura atores amadores (os membros da referida banda que o digam) com outros de destaque, que tem problemas de roteiro, mas claramente tem uma história para contar, com o tom, por vezes, flertando com o cult, o que é uma característica de Blomkamp (vejam seu Distrito 9). Pena que, em seu último ato, o longa, aí sim, quase se reduza a um blockbuster, com muita ação e destruição previsíveis que pouco acrescentam à história. Felizmente, o grand finale é amenizado pelo imprevisível Chappie e pela ótima sequência final, representando de modo muito criativo um paradoxo entre criador e criação, entre o que é máquina e o que é humano.

A crítica não deixou de reparar na ambientação cinzenta de corredores e da cidade, num contexto marcado, como dito, pela desigualdade, pela pobreza e violência. Por outro lado, certa escola crítica aponta como negativa a simplicidade do imaginário futurista criado pelo diretor, do arquivo “emoção.dat” ao computador caseiro usado para a transmissão de tal arquivo a um robô, mas falamos de uma linguagem de representação e, por vezes, o simples diz mais do que o complexo quando, por exemplo, optamos por contar uma história aproximando-a o máximo possível da realidade e do entendimento do público. Sem falar que o simples também acaba servindo como recurso irônico mediante a complexidade com que encaramos a consciência humana – quanto mais a transmissão dela para um corpo.

A trilha sonora de Chris Clark tem seus momentos, em especial durante marcos impactantes envolvendo a formação e a legitimação moral de Chappie, mas pouco se destaca. Problemas à parte, esperemos que Blomkamp apenas amadureça a narrativa de suas histórias em produções futuras, mantendo viva a originalidade que demonstra.

Chappie (Idem, EUA/México/África do Sul – 2015)
Direção: Neill Blomkamp
Roteiro: Neill Blomkamp, Terri Tatchell
Elenco: Sharlto Copley, Dev Patel, Ninja, Yo-Landi Visser, Jose Pablo Cantillo, Hugh Jackman, Sigourney Weaver, Brandon Auret, Johnny Selema, Anderson Cooper
Duração: 120 min

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