Este anuário da X-Men Vol.1, lançado em novembro de 1980, marca uma fase bastante importante para o grupo mutante, tanto no andamento das histórias quanto no marketing. No primeiro ponto, temos as consequências imediatas após a Saga da Fênix Negra (edições #129 a 138), que foi a saída de Ciclope, a liderança entregue a Tempestade e a chegada de uma nova X-Men ao grupo, a adolescente Kitty Pryde (na época, Ninfa). O segundo ponto foi a forma como a Marvel passou a dar novas cores às histórias após a conclusão do arco Dias de um Futuro Esquecido (1981), uma forma de iniciar o ano com nova roupagem.
Entre esses dois momentos temos O Inferno de Noturno, história baseada em A Divina Comédia, de Dante Alighieri, e que conta a descida dos X-Men ao domínio do capiroto numa missão de resgate a Kurt Wagner, o Noturno, levado para lá por Margali, que queria vingar algo que Noturno fizera anos atrás com seu irmão de criação. Com a ajuda do Doutor Estranho, os X-Men chegam ao último círculo do inferno projetado por Margali e através do Olho de Agamoto, a verdade é então revelada.
A história possui três momentos. Na introdução, temos o aniversário de Noturno, onde há o “sequestro” de sua alma para o inferno. No desenvolvimento, a melhor parte de toda a história, temos a saga do grupo no inferno de Margali e a busca por respostas para o que estava acontecendo. No terceiro, a continuação da festa de aniversário após o fim dos problemas infernais do elfo, sendo esta, a parte mais fraca da aventura.
Chris Claremont consegue criar uma adaptação inacreditável para o clássico poema de Dante, destacando os principais seres demoníacos e os horrores de cada um dos círculos do inferno. Embora a passagem entre uma fase e outra seja bastante rápida, não podemos dizer que esse ponto do roteiro é algo negativo. A atuação do grupo com uma função principal (salvar Noturno) e o enfrentamento dos muitos perigos do lugar — no final das contas, todos ali estavam condenados — dão a cada momento a sua peculiaridade e recebe nos desenhos de John Romita Jr. e finalização de Bob McLeod uma angustiante e ao mesmo tempo grandiosa configuração, fazendo jus ao tema épico/teológico do texto original.
O início da história mostra a familiar e sempre afetiva relação entre os X-Men, mas é na jornada através dos círculos do inferno que vemos como essa relação pode ser ao mesmo tempo agressiva (especialmente da parte de Wolverine) e protetora, ressaltando as personalidades não humanas do grupo e mostrando como o domínio dessa parte pode fazer com que salvem uns aos outros. Talvez, se olharmos unicamente por esse ponto, o final da história não seja assim tão destoante. Todavia, fazendo a comparação com a ligação entre o início, a captura de Noturno e dos X-Men e o desfecho do Annual, vemos que o ponto romântico (Noturno e a [meia-]irmã Amanda Sefton) estraga sim o clima que se estabelecera até aquele momento. Não é algo terrível, mas destoa do todo.
O Inferno de Noturno é uma ótima história. Com uma arte incrível — destaque absoluto para toda a jornada no inferno — e um roteiro que não faz feio na ligação entre sua inspiração e o contexto dos mutantes (com direito a uma ou outra incursão de elementos sociais e conflitos familiares), a aventura representa bem esse momento de reestruturação dos X-Men, mostrado a insegurança de Tempestade e do Professor Xavier e o respeito e companheirismo dos outros membros do grupo para com essa nova direção. Ainda abalados pela morte de Jean Grey e o afastamento de Ciclope, a jornada no inferno serviu para reafirmar laços que pouco tempo depois seriam fortemente testados.
O Fabulosos X-Men: O Inferno de Noturno (Uncanny X-Men Annual#4: Nightcrawler’s Inferno) — EUA, novembro de 1980
Roteiro: Chris Claremont
Arte: John Romita Jr.
Arte-final: Bob McLeod
Cores: Glynis Wein
Lançamento no Brasil: parte do encadernado Dias de um Futuro Esquecido, editora Panini, 2014
40 páginas