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Crítica | Samurai II: Morte no Templo Ichijoji

por Ritter Fan
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estrelas 4

Obs: Leiam as críticas de cada um dos filmes da Trilogia Samurai de Hiroshi Inagaki, aqui.

É interessante como Samurai I: O Guerreiro Dominante, que inicia a excelente trilogia de Hiroshi Inagaki sobre talvez o maior espadachim japonês, Musashi Miyamoto, tem uma trama muito mais “pé no chão”, mas é historicamente bem distante da realidade, enquanto que sua continuação direta, Samurai II: Morte no Templo Ichijoji é muito mais inacreditável e, ao mesmo tempo, consideravelmente mais fiel aos fatos históricos. Isso acaba tornando a continuação, na verdade, ainda mais fascinante, mesmo com seus problemas de roteiro que tratarei mais adiante.

Musashi (Toshirô Mifune) emergiu como um espadachim ao final do primeiro filme. O estado primal de sua persona anterior, Takezo, não mais existe. Ele é, agora, um andarilho que busca aperfeiçoar sua técnica desafiando samurais e outros espadachins ao duelo. Mas Musashi procura o conhecimento para si próprio e não para um projeto maior como eventualmente estudar em um dojo de fama ou trabalhar para um xogunato como um samurai, algo muito comum nessa época (estamos falando do final do século XVI e começo do século XVII). Não, Musashi é, em essência, um espadachim freelancer que nunca trabalhou sob as ordens de qualquer tipo de mestre. Assim, a palavra samurai não se encaixa no que ele foi, ainda que ela seja indelevelmente ligada ao grande duelista, artista e escritor japonês.

Isso fica muito evidente em Samurai II, já que Inagaki fundamentalmente foca na natureza solitária e andarilha de Musashi desde os primeiros minutos, quando o vemos enfrentar Baiken Shishido (Eijirô Tôno), um mestre da corrente e foice em um embate com muita preliminar e pouco desfecho. Com isso, outra característica fica evidente, algo também presente em Samurai I: Inagaki não se interessa pela pirotecnia e investe em uma coreografia terrena, crível, rápida e mortal. Os golpes de Musashi e de seus oponentes são extremamente velozes, sem que se recorra à câmera lenta ou a sangue. Aliás, não há um gota sequer do líquido escarlate nos duelos, o que pode causar algum estranhamento ao espectador que espera algo como em Kill Bill. Mas há credibilidade tanto na técnica usada – Musashi criou uma técnica de uso de duas espadas inspirada no kenjutsu que ele batizou de niten’ichi e vemos um pouco dela na fita – quanto na técnica de fotografia que faz o melhor uso possível de gruas, travellings e uma profundidade de campo infinita, explorando o que a razão de aspecto 4:3 eleita para a filmagem permite.

No filme, o grande objetivo de Musashi é enfrentar Seijuro Yoshioka (Akihiko Hirata), mestre da escola Yoshioka. Ele o desafia e recebe o aceite, somente para lidar com uma emboscada dos discípulos de Yoshioka que querem impedir que seu sensei enfrente Musashi, pois o espadachim construíra enorme reputação assassina ao longo dos quatro anos de suas viagens pelo Japão.

É nesse grande duelo, ou melhor dizendo, batalha, que o espectador provavelmente concluirá que é tudo ficção, que é impossível que algo semelhante tenha ocorrido, já que são 80 espadachins contra apenas Musashi. Novamente, a menção a Kill Bill e o combate da Noiva contra os Crazy 88 é inevitável (e é lógico que Tarantino se inspirou nesse evento de Musashi), com a grande diferença que o que vemos em tela realmente aconteceu. Claro que, por ser baseado em romance de Eiji Yoshikawa sobre a vida de Musashi publicado em jornal ao longo de mais de mil edições, o autor enxertou muita coisa e alterou muitos eventos. Esse foi primordialmente o caso de Samurai I em que basicamente nada do que está lá realmente aconteceu conforme historiadores. Todavia, em Samurai II, vemos eventos que efetivamente aconteceram, inclusive a luta simultânea contra dezenas e dezenas de espadachins, só que em ordem diferente. Como a ordem dos fatores não altera o resultado, o espectador certamente sairá da experiência de Samurai II de queixo caído pelos feitos de Musashi Miyamoto.

Novamente a coreografia próxima da realidade, sem firulas e sem efeitos sonoros de choque de espadas e roupas rufando ao vento será provavelmente estranha para quem estiver procurando algo mais, digamos, moderno. Inagaki é minimalista, objetivo. A espada encosta no inimigo e ele cai, como deveria cair, pouco importando se ferido ou morto. Não há, aqui, super-homens (ok, com exceção de Musashi, que sobreviveu a essa batalha e a 60 duelos sem nunca ter sido derrotado) e malabarismos. O que vemos é Mifune incorporando Musashi intensamente, até o último fio de cabelo, e Inagaki e seu diretor de fotografia Jun Yasumoto realizando um feito equiparável ao do herói histórico em termos cinematográficos.

Infelizmente, porém, como deixei entrever no começo da presente crítica, nem tudo é perfeito. O roteiro que Inagaki co-escreveu com Tokuhei Wakao é crivado de problemas de estrutura que se concentram no segundo terço, quando Musashi já está em Kyoto tentando duelar com Yoshioka. É nesse momento que todos os personagens coadjuvantes de Samurai I convergem e criam uma enormidade de narrativas paralelas que, em grande parte, não ajudam no avanço da história. Vemos Matahachi procurando redenção, a mãe e o pai de Matahachi insistindo em uma vingança sem sentido, a coitada da Otsu sendo rejeitada por Musashi, a louca da Akemi literalmente sendo usada e abusada e assim por diante. São todos personagens introduzidos (criados no romance, na verdade, pois nenhum deles existiu) em Samurai I e que têm suas histórias sem finalização, o que obrigou Inagaki a reintroduzi-los em Samurai II, mas sem utilizá-los de maneira uniforme ou mesmo lógica e satisfatória.

A única exceção é o surgimento de outro jovem e ambicioso espadachim em treinamento, Kojiro Sasaki (Kôji Tsuruta) que, ainda que não tenha função direta na narrativa de Samurai II, será de extrema importância para o fechamento da trilogia. Mas é apenas um que se salva em meio a diversos outros personagens que ficam quase que literalmente batendo cabeça.

Em que pesem os problemas, Samurai II: Morte no Templo Ichijoji é um filme que tem vida própria e que trabalha muito bem o mito de Musashi Miyamoto. Inagaki brinda o espectador com antológicos duelos e batalhas que certamente ficarão na mente de quem o assistir. No final do dia, uma coisa é certa: um grande filme é um filme que marca sua existência dessa maneira, assim como Musashi marcou a sua. Ou não?

Samurai II: Morte no Templo Ichijoji (Zoku Miyamoto Musashi: Ichijôji no Kettô, Japão – 1955)
Direção: Hiroshi Inagaki
Roteiro: Hiroshi Inagaki, Tokuhei Wakao (baseado em romance Eiji Yoshikawa e peça de Hideji Hôjô)
Elenco: Toshirô Mifune, Rentarô Mikuni, Kurôemon Onoe, Kaoru Yachigusa, Mariko Okada, Mitsuko Mito, Eiko Miyoshi, Akihiko Hirata, Kusuo Abe, Eitarô Ozawa, Akira Tani, Yû Fujiki, Kôji Tsuruta, Kenjin Iida, Eijirô Tôno
Duração: 104 min.

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