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Crítica | Amar, Beber e Cantar

por Luiz Santiago
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Alain Resnais dirigiu Amar, Beber e Cantar aos 91 anos de idade e no 77º ano de sua carreira, se considerarmos L’aventure de Guy, que ele dirigiu quando tinha apenas 14 anos, o começo de tudo. O longa é a história da montagem de uma peça de teatro amador, atividade que reúne alguns amigos e casais em uma quase aventura pela arte de representar a si mesmo, dualidade entre vida e palco que se apresenta já nos primeiros minutos de projeção.

O frustrado primeiro ensaio é marcado pela notícia de que George, amigo em comum de todos os protagonistas, sofre de uma doença fatal e lhe resta apenas alguns meses de vida. Na tentativa de dar suporte ao amigo, todos tentarão de alguma forma agradá-lo ou “servi-lo”. Alguns assuntos mal resolvidos vêm à tona. O verdadeiro espetáculo começa.

Resnais faz dois jogos dramáticos em Amar, Beber e Cantar, dinâmica favorecida pelo material que deu origem ao roteiro, a peça Life of Riley (2010), de Alan Ayckbourn. Em primeiro lugar, o diretor ironiza os comportamentos de seus personagens, ridicularizando-os sutilmente, apenas com indicações bem humoradas inseridas no convívio diário, algo que pode passar despercebido por muitos. Temos o vício mascarado e a falta de sexo, a convivência no limite do suportável, a desfaçatez e as transferências simbólicas que vão moldando as faces dos protagonistas, uma que eles apresentam socialmente e outra que eles escondem, mentem, interiorizam.

O segundo jogo é também estético e está ligado à já citada relação entre os papeis na vida e na arte. Ao mesmo tempo em que vemos isso tratado nas ações em cena, a própria dinâmica do filme nos ajuda na leitura de que tudo aquilo é uma representação, uma versão do real que se assume como tal e por isso mesmo não teme em expor verdades simples e de certa forma incômodas, como a convivência patética entre os casais, os desejos sublimados, a péssima relação com o envelhecimento e o dilema do passado como espaço de felicidade e idílio de possibilidades.

Essa quebra com o realismo e a figuração cine-teatral da fita não impediram que o diretor inserisse um de seus elementos favoritos na tela: o tempo. Colin, um dos personagens, é fascinado por relógios. O presente é contado constantemente, seja no texto, seja apenas de forma visual, uma ação que também pode ser vista na passagem das estações do ano, na contagem do período de vida de George, no “tempo da pausa para as risadas” dita por Kathryn em determinada cena e repetida mais ao final por Colin, na foto da morte depositada em cima do caixão de George pela jovem Tilly. Tudo em Amar, Beber e Cantar está relacionado ao tempo e às suas várias formas de vivência, concepção ou aproveitamento (palco ou tela? Teatro ou cinema? Realidade ou ficção?), exercício reflexivo bastante sintomático vindo de um cineasta de 91 anos.

Há uma certa dose de carpe diem e culpa no enredo, uma vontade de viver livre e intensamente e o medo ou receio de arriscar e assumir essa vivência, paradoxo que acaba encontrado um final bastante cínico na causa mortis de George. Conforme as cores mudam, os figurinos ganham e perdem estampas, a trilha sonora recebe mais cortes abruptos e muda de estilo, os planos recebem menos contextos externos e invadem pela primeira vez a casa dos protagonistas (agora desnudados pela força da representação – para Resnais, representar demais acaba trazendo à tona o indivíduo por trás da máscara: a constante mentira, com o tempo, acaba por diluir a aparência e expor a verdade), nos acostumamos com o que nos parecera extremamente artificial no início do filme. Resnais consegue nos fazer ver o seu cine-teatro como uma forma quase natural de mostrar a vida e a morte com todas as suas esquisitices, closes isolados em fundo quadriculado e fake sets.

Dando continuidade ao exercício teatral iniciado em Vocês Ainda Não Viram Nada!, Resnais termina a carreira ampliando as possibilidades de trabalho com as duas artes representativas, rompendo a barreira do realismo e assinando um filme de concepção moderna e ao mesmo tempo antiga, uma aposta corajosa para um homem que há mais de sete décadas dava à câmera a capacidade de filmar histórias de vida afetadas pelo tempo e suas ramificações nas relações pessoais. Um adeus digno de um grande mestre.

Amar, Beber e Cantar (Aimer, boire et chanter) – França, 2014
Direção:
Alain Resnais
Roteiro: Alain Resnais (sob o pseudônimo de Alex Reval), Laurent Herbiet, Jean-Marie Besset (baseado em peça de Alan Ayckbourn).
Elenco: Sabine Azéma, Hippolyte Girardot, Caroline Sihol, Michel Vuillermoz, Sandrine Kiberlain, André Dussollier, Alba Gaïa Kraghede Bellugi, Gérard Lartigau
Duração: 108 min.

 

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