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Crítica | The Killing – 1ª Temporada

por Ritter Fan
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estrelas 5,0

“Quem matou Laura Palmer?” “Quem matou Odete Roitman?”

Perguntas icônicas como essas perduram muitos anos após as respostas serem dadas – ou não – no subconsciente coletivo. The Killing segue a linha e aposta pesado no mistério e curiosidade causados por uma indagação assim, mudando, apenas, a vítima: “Quem matou Rosie Larson?”

Mas The Killing, assim como Twin Peaks antes (mas de maneira muito diferente), tem muito mais substância do que sua premissa deixa entrever. Sim, é sobre um assassinato, ou melhor, a investigação de um assassinato, um procedural, mas a série vai bem além do mistério em si, dos suspeitos, da razão para a morte e como tudo é investigado. Bem além. The Killing foca no desenvolvimento de personagens, sem caminhos fáceis, sem invencionices, sem deduções de uma cabeça brilhante que tudo sabe e tudo acerta. The Killing é sobre a falibilidade humana, a fraqueza de caráter, a luta inglória por justiça, a tentativa de se virar uma página na vida e apagar o passado e, sim, sobre obsessão, preconceito, mortes sem sentido, violência gratuita e sentimentos de vingança e arrependimento, raiva e tristeza, sucesso e fracasso.

E, nessa teia de emoções que Veena Sud traz na versão americana da série dinamarquesa de sua criação Forbrydelsen, o espectador é envolvido, tragado para a mente de cada personagem, sentindo o que eles sentem e sofrendo com seus sofrimentos. Não é uma série leve, fácil de ver comendo pipoca. Ela exige concentração e estômago, mas não por ser gráfica ao ponto de ser repulsiva. Quase não há sangue ou cenas de se fazer virar os olhos, mas a forma como o assassinato é tratado literalmente suga o espectador tornando cada capítulo ao mesmo tempo extenuante e impossível de não querer ver o próximo, em uma espécie de conflito interno inconciliável.

Vejam por exemplo, logo o primeiro episódio. Nele, não vemos o assassinato. Aliás, nunca vemos o assassinato e os roteiristas jamais recorrem a flashbacks. Vemos, apenas, vagarosamente, um forte sentimento de fatalidade. Sabemos que Rosie Larson (Katie Findlay) morreu, mas a trama é tão bem elaborada que nos deixa em dúvida até o último segundo do primeiro capítulo e, mesmo assim, se duvidar, ainda continuamos com a dúvida nos segundos iniciais do seguinte. Queremos ver a menina morta logo para acabar o suspense, mas os roteiristas, inteligentemente, não permitem. Eles querem a dúvida. Eles querem a incerteza. E esse desconforto enorme – e aquele terrível sentimento de inevitabilidade – fica pendendo sobre nossas cabeças ao longo de cada segundo do episódio de abertura.

Mas a habilidade dos roteiristas (neles incluídos, claro, Veena Sud e Nic Pizzolato, esse último do excelente True Detective) permanece intacta no desenrolar da trama. Sem se socorrer de estruturas batidas como flashbacks, análise de cenas de crime no estilo C.S.I. e tramas mirabolantes desvendadas por policiais perfeitos, eles vão, com calma e de maneira orgânica, sem diálogos evidentemente expositivos, acrescentando camadas e mais camadas de complexidade a cada personagem. O maior exemplo disso é Sarah Linden (Mireille Enos), investigadora da polícia de Seattle em seu último dia de trabalho cujo chefe a pede para “dar uma olhadinha” no mais recente caso. Ela ganha um parceiro novo, que é seu sucessor, o policial Stephen Holder (Joel Kinnaman, do novo Robocop) vindo da divisão de narcotráfico e que imediatamente cria aquela dinâmica de “dupla de policiais”, mas não da maneira que esperamos. Linden é introspectiva, fala pouco e observa muito, enquanto que Holder é falastrão, mas as semelhanças com séries e filmes de duplas desaparece aí mesmo. Linden é muito mais do que apenas uma policial. Vamos descobrindo, muito aos poucos, que ela é mãe, mas uma mãe complicada e que ela está se mudando para Sonoma para casar pela segunda vez, além de ter um passado críptico. Holder parece ter um passado complicado também, se mostra inseguro e inexperiente, mas parece ter bom coração.

E, do lado dos Larsen, temos Stan (Brent Sexton) e Mitch (Michelle Forbes), com seus dois filhos, além de Terry Marek (Jamie Anne Allman), irmã de Mitch. Trata-se de uma família destruída pela morte de Rosie e esse sofrimento nós vemos em detalhes, pois, novamente os roteiristas sabem explorar esse lado complicado que ao mesmo tempo queremos e não queremos ver. Afinal, é tristeza demais. Mas, mesmo aí, no seio familiar, há profundas camadas de complexidade enterradas que vão, sem pressa, vindo à superfície.

Mas há ainda um terceiro vértice de personagens, envolvendo a campanha para prefeito do vereador Darren Richmond (Billy Campbell) e seus assessores imediatos Gwen (Kristin Lehman) e Eric (Eric Ladin). O carro onde Rosie é encontrada está registrado em nome da campanha e isso serve como porta de entrada para o mundo dos políticos, podre por natureza, ainda que Richmond seja pintado como uma espécie de exceção nesse mundo selvagem. Com esse outro lado para focar, os roteiristas nos apresentam à variedade. Saímos um pouco do mundo pesado diretamente envolvido com a morte investigada e podemos observar – e nos envolver – com a luta de Richmond e seus dilemas éticos e morais que enriquecem e comentam, em última análise, a narrativa principal.

Nenhum personagem – nenhum mesmo – é raso, simplificado, unidimensional. Todos são tratados com respeito e cuidado pelo roteiro que se esmera em fazer o espectador pensar também, sem entregar tudo de bandeja para eles. Um exemplo claro disso é a relação de Sarah com Regi Darnell (Annie Corley). Por quase toda a 1ª temporada, não sabemos quem Regi é exatamente. Irmã, mãe, tia, ex-amante, amiga de Sarah? Ou algo diferente? Nunca há um diálogo do tipo, “essa é Regie, ela gosta muito de nós e é minha (inserir aqui qualificação)”. Nunca. Tudo vem organicamente dentro do que é necessário para a trama. Isso até dificulta, em um primeiro momento, a gostarmos de Mireille Enos no papel de Sarah, pois seu “desabrochar” demora a acontecer e nem a atriz nem os roteiristas querem nossa simpatia imediata. Isso é algo a ser arrancado de nós com vagar e inteligência, sem atos heroicos impossíveis, sem precisar explorar eventual passado de sofrimento de Sarah ou de qualquer outro personagem.

Finalmente, há Seattle. A série não se furta a mostrar a cidade sem floreios, como ela realmente é, com um dos índices pluviométricos mais altos dos EUA. A chuva é uma constante, com a fotografia que usa muito tomadas noturnas, escurecidas, sem iluminação artificial não diegética detectável, oprimindo os personagens que têm que andar de cabeça baixa e com passos apressados para não ficarem ensopados. E essa opressão é transferida para nós também, transformando Seattle em mais um personagem em toda a estrutura da série. Há um ótimo trabalho de figurino também, que remete à pouca cor da cidade como representada na série, tirando nossa esperança, nossa alegria, assim como se esvaem as alegrias e esperanças dos personagens.

Pode parecer uma série depressiva, mas The Killing é, ao contrário, recompensadora. Usando uma premissa simples, com cada episódio sendo um dia de uma mesma investigação, Veena Sud nos brinda com um universo que nos faz refletir sobre os vários aspectos de nossa humanidade, além de trazer atuações inesquecíveis, especialmente a de Mireille Enos, e de nos engajar em um mistério cujo caminho trilhado pelos personagens é muito mais importante do que sua resolução. Quem matou Rosie Larson torna-se, apenas, um mecanismo para nos catapultar para o centro de vidas destroçadas, de vidas querendo redenção, de vidas querendo viver. Uma obra-prima.

The Killing – 1ª Temporada (EUA, 2011)
Criação: Veena Sud
Direção: Vários
Roteiro: Vários
Elenco: Mireille Enos, Billy Campbell, Joel Kinnaman, Michelle Forbes, Brent Sexton, Kristin Lehman, Eric Ladin, Brendan Sexton III, Jamie Anne Allman, Annie Corley, Brandon Jay McLaren, Garry Chalk
Duração: 587 min.

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