Maio de 1939 foi um marco na história da Nona Arte: a revista Detective Comics # 27 era publicada com uma icônica imagem na capa, a de um homem vestido de morcego, com uma vistosa, mas aterradora capa preta, dependurado de uma corda e carregando outro homem, provavelmente um bandido. A inscrição era simples e direta – “Começando nesse número, as incríveis e incomparáveis aventuras de Batman” – e anunciava o começo de uma febre que tomaria os Estados Unidos e depois o mundo que talvez só seja comparável ao sucesso de Superman, criado apenas um pouco mais de um ano antes.
Setenta e cinco anos depois, cá estamos nós comemorando o aniversário dessa incrível criação, que já passou pelas mentes de dezenas e dezenas de artistas e tomou de assalto os mais diversos meios de comunicação. Para comemorar esse garboso aniversário, o Plano Crítico começa, com o presente artigo, uma série de publicações contando a história de Batman de antes de 1939 até hoje em dia.
De Superman para Bat-Man e, finalmente, para Batman
Superman, considerado o pai dos super-heróis e o responsável pela explosão dos quadrinhos mainstream e das grandes editoras que se seguiram, havia revolucionado esse mundo em abril de 1938, quando as crianças foram a loucura com as aventuras de um ser superpoderoso, que podia correr mais do que um trem, saltar prédios e fazer as balas ricochetearem de seu peito. A National Allied Publications, empresa que viria a se tornar a toda poderosa DC Comics, havia acertado na mosca na batalha pela atenção nas bancas de jornais e lojas de conveniência.
O que se seguiu a isso? Uma corrida por novos heróis, claro. Afinal de contas, se deu certo uma vez, por que não poderia dar certo de novo? Esse é o lema da indústria do entretenimento desde sempre.
Assim, literalmente, desenhistas e escritores por todo os Estados Unidos se viram na missão de criar novos personagens “semelhantes a Superman”. Vários inundaram as bancas e vários fracassaram.
Foi aí que um nova-iorquino chamado Robert Kahn entrou na jogada. Nascido em 1915, filho de descendentes de judeus do leste europeu, Kahn estudou junto com o sensacional Will Eisner, que viria a se tornar um dos maiores nomes dos quadrinhos mundiais. Aos 18 anos, ele mudou seu nome oficialmente para Bob Kane e nem um ano depois, em 1934, entrou para a indústria de entretenimento por intermédio dos estúdios de desenhos animados do polonês Max Fleischer. Em 1936, há uma mudança em sua vida e Kane ingressa diretamente na indústria de quadrinhos como desenhista e roteirista freelancer para a revista Wow What a Magazin! com seu primeiro trabalho nessa mídia sendo As Aventuras de Hiram Hick em Nova Iorque.
Outros trabalhos se seguiram e Kane, com talento, mas também com muita sorte de estar no lugar certo na hora certa, acabou se aproveitando do enorme vagalhão criado pelo sucesso de Superman e partiu para criar o seu próprio super-herói. Assim, segundo o próprio autor, ele somou os três seguintes elementos:
…e criou o Bat-Man.
Mas só que é aí que você pega a pessoa na mentira escabrosa. Ok, sem dúvida alguma que Bob Kane foi o mentor por detrás da criação de Batman, mas se ele realmente tivesse usado os três elementos acima, asas de morcego criadas por Leonardo Da Vinci, o uniforme preto de Zorro e as sombras e máscaras do filme de 1930, The Bat Whisper, ele provavelmente NÃO teria chegado a esse resultado aqui:
Pois é, esse é o Bat-Man de Bob Kane. Loiro, com roupa vermelha, uma asa dura e máscara de Robin. Mas estou brincando sobre a combinação dos três elementos acima não ter podido gerar um resultado tão espalhafatoso quanto esse. A grande verdade é que o “modelito Superman”, que não poderia ser mais chamativo com suas cores vermelha, azul e amarela, havia se transformado, literalmente da noite para o dia, em uma espécie de padrão da indústria e Bob Kane naturalmente caminhou na mesma direção.
Entra, então, Milton “Bill” Finger.
Finger havia conhecido Kane em uma festa e, a convite de Kane, ele se juntou ao seu estúdio como “escritor fantasma” de tiras de Rusty and Clip Carson. Assim, Finger acabou sendo chamado para palpitar na mais recente criação de Kane, o carinha aí em cima com roupa vermelha.
De acordo com Bill Finger, ele se inspirou nos seguintes personagens:
Do primeiro, o clássico Fantasma, o Espírito de Anda, criado por Lee Falk em 1936, ele tirou a ideia do capuz envolvendo o rosto. Do segundo, o herói escocês do século XIV, Robert the Bruce, ele tirou o primeiro nome da identidade secreta do morcegão. Do terceiro, o General “Mad” Anthony Wayne, herói da Revolução Americana, ele tirou o sobrenome, querendo emprestar origens aristocráticas americanas a Batman. Aliás, Anthony Wayne é escrito por Finger como efetivamente sendo ascendente de Bruce Wayne. Além disso tudo, Finger ainda sugeriu escurecer o uniforme de Batman e usar uma capa no lugar de asas rígidas, para ele ganhar mobilidade.
Com isso, finalmente, Batman (agora sem hífen), estava pronto para ser apresentado à futura DC Comics, o que Kane já havia feito, mas sem mencionar créditos a Finger. Kane cedeu seus direitos ao personagem sem consultar Finger e recebeu, além do dinheiro, uma obrigação contratual de inserção de créditos, coisa que nem sempre foi obedecida (notoriamente nos anos 60), mas que, depois e até hoje, vem sendo concedido a cada vez que o personagem é usado.
Mas acontece que Finger ficou de fora, o que, até hoje em dia, leva muitos fãs a torcerem o nariz para Bob Kane. De certa forma, é muito difícil apurar com certeza o que cada um contribuiu e o próprio Bob Kane, por muitos anos, negou veementemente a importância de Finger na criação final do herói. É bem verdade que, muito mais tarde, em 1989, Kane quase reconheceu uma co-titularidade que ele não teria dado a Finger unicamente por que o roteirista não havia pedido. Uma pena, pois, ainda que a contribuição efetiva de cada um tenha se perdido nas brumas do tempo, é consenso que a criação foi conjunta da dupla, com Kane sendo responsável pela centelha de vida e Finger pelo aperfeiçoamento do personagem.
O sucesso do personagem foi instantâneo e a revista Detective Comics # 27 explodiu em vendas. Não demorou muito e Batman desenvolveu-se, com a inclusão do famoso cinto de utilidades (Detective Comics # 29), o bat-avião, seu primeiro bat-veículo e o batarang (Detective Comics # 31). A origem do herói foi contada em meras duas páginas (que poder de concisão!) em Detective Comics # 33.
Como é possível extrair das críticas das respectivas publicações linkadas no presente artigo, a personalidade de Batman era sombria, muito diferente do “herói que não mata” que todos conhecem hoje em dia. Batman matava e com gosto. Mas o tempo passou, os roteiros foram ficando mais leves e, em 1940, seu eterno parceiro, Robin, criado para atrair os jovens e moldado de forma a se parecer com Robin Hood, foi criado, levando o herói mais definitivamente – enquanto durou – para o lado mais infantil.
Criado da Detective Comics # 38, de 1940, Robin já foi concebido como um espécie de Dr. Watson para o Sherlock Holmes Batman. Um Watson muito mais novo e mais colorido, mas, mesmo assim um Watson. Nessa mesma época, Batman ganha uma revista própria, enquanto continua tendo duas histórias publicadas na Detective Comics. E, em sua revista inaugural, Batman # 1, o herói encapuzado ganha seu maior inimigo, quiçá o mais importante vilão dos quadrinhos: o Coringa!
E é exatamente na edição # 1 de sua revista própria que Batman mata pela última vez em muito, muito tempo. Assassinando uns monstros ao final da história, Batman acaba tendo sua licença para matar cassada pelo então editor Whitney Ellsworth, que decretou, de vez, o foco mais leve que o personagem tomaria.
Afinal de contas, estamos falando de um mundo em plena Segunda Guerra Mundial e de morte todos já estavam cheios. Com a entrada dos EUA na guerra, o tom mais leve das histórias foi sendo exacerbado e, depois do término do conflito, a DC Comics determinou que suas histórias seriam eminentemente infantis, sem qualquer tipo de complexidade maior.
Foi assim que Batman continuou suas aventuras por toda a década de 50, quando o interesse geral por quadrinhos de super-heróis começou a desaparecer. Ele foi um dos poucos heróis que continuou sendo ininterruptamente publicado mesmo nesse período turbulento para a Nona Arte e ele conseguiu até mesmo sobreviver ao malfadado psicólogo Fredric Wertham que basicamente culpava os quadrinhos por todos os males do mundo. No caso específico de Batman, Wertham foi ao ataque pelo que ele percebia ser aspectos homossexuais nas histórias e que isso poderia influenciar as crianças. Para quem não sabe, o trabalho de Wertham contra quadrinhos foi publicado em seu livro A Sedução do Inocente e tamanha foi sua influência em plena era do macartismo que, literalmente por causa dele, criou-se o chamado Comics Code, semelhante ao Production Code para filmes, que determinava o que era e o que não era permitido em quadrinhos em uma espécie de censura prévia que viria a ser seguida por várias décadas. Não foi sem querer que, em 1956, a primeira Batwoman foi criada (Kathy Kane), seguida pela primeira Bat-Girl, em 1961 (Bette Kane).
Naturalmente, Batman, que já caminhava para histórias mais leves e infantis, teve esse aspecto ainda mais salientado. Sai o mundo sombrio de onde ele surgiu, entra o mundo alegre, divertido e multi-colorido que marcaria o herói durante a década de 60.
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Se quiserem saber mais sobre a evolução de Batman, então sintonizem aqui, nesse bat-site, nesse mesmo bat-horário em alguns dias, que traremos a parte dois desse bat-Entenda Melhor.