A participação do 4º Doutor nos Anuários de Doctor Who aconteceu de setembro de 1975 a setembro de 1981. Neste presente bloco de textos, temos críticas para todas as suas aventuras durante esta fase. Mas a jornada de quadrinhos de DW nos anuários, ao menos na Era Clássica, estava para terminar. A editora só publicou uma única história em quadrinhos protagonizada pelo 5º Doutor, no Anuário de 1983. A partir dali, até 1986, data da última edição clássica dessa publicação, nenhuma HQ seria mais publicada.
Boa leitura a todos!
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The Psychic Jungle
DW Annual 1976
Equipe: 4º Doutor, Sarah Jane, Harry Sullivan
Espaço-tempo: Planeta não nomeado
Embora o nome do planeta desta história não seja dito, o retângulo de abertura dos quadrinhos nos diz que a TARDIS se materializa numa selva de um planeta ainda muito jovem e selvagem. E um lugar cuja atmosfera consegue captar memórias antigas de seres primatas e transformá-las em imagens muito maiores do que verdadeiramente são, uma espécie de pesadelo com aterrorizantes motivos psíquico-traumáticos vistos em estado de vigília. Medonho demais.
Só que o mais interessante é a história inteira possuir um delicioso contorno de brincadeira — algo que é a cada do 4º Doutor — e uma arte que é de fazer o leitor aplaudir de tão bem desenhada e propícia a essa atmosfera de medo. Além, claro, de cobrar uma gigantesca atenção do leitor, porque a disposição dos quadrinhos e toda a diagramação de página não é nada comum. Os desenhos, a maior parte das vezes, são mais sugestões do que algo realmente finalizado, com formas de criaturas e demônios que espantam e encantam ao mesmo tempo. Um excelente início do 4º Doutor na DW Annual!
Publicação: Setembro de 1975. Arte de Paul Crompton.
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Neuronic Nightmare
DW Annual 1976
Equipe: 4º Doutor, Sarah Jane, Harry Sullivan
Espaço-tempo: Neuronic Space, planeta não nomeado
Mesmo que a arte ainda continue tão interessante quanto na história anterior (é importante lembrar que ambas foram publicadas no mesmo Anuário), a história não segue a mesma qualidade. O princípio é bastante chamativo, mas seu desenvolvimento desnecessariamente intricado acaba parecendo forçado demais e estraga a aventura.
Além disso, parece que o vilão e a situação-problema em si são as coisas mais importantes da histórias. O Doutor, Sarah e Harry têm uma atividade marcante, é claro, mas não como deveriam ter, não no tipo de história que estamos acostumados com eles. Talvez o tipo de situação dessa aventura funcionasse melhor com o 8º Doutor.
Publicação: Setembro de 1975. Arte de Paul Crompton.
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The Body Snatcher
DW Annual 1977
Equipe: 4º Doutor, Sarah Jane, Harry Sullivan
Espaço-tempo: Axa, Lua do gigante Planeta Torm / Caverna subterrânea do Planeta Torm / Planeta Mitra B
Nessa aventura, o Doutor é forçado a parar em Axa, por conta de um mal funcionamento da TARDIS. Na verdade, ele estava a caminho do Planeta Mitra B, para sua reunião bi-milenar a fim de discutir o progresso moral do país (Doutor, venha fazer isso aqui na Terra, especialmente no Brasil!). O Doutor diz que seu pouso em Axa foi mais uma questão do lugar tê-lo escolhido do que ele ao lugar, apesar da falha técnica na TARDIS e o fato de que ele deveria parar em qualquer lugar o mais rápido possível.
O desenvolvimento da história decepciona mais porque promete muita coisa em seu início mas não entrega quase nada no final. A trama parece interessante demais para ser resolvida em 6 quadros, na última página. Apesar de a arte ser, na maioria de toda a história, exemplar e maravilhosamente criativa, o roteiro não acompanha de todo essa qualidade e cria uma situação que não se sustenta em sentido geral e demora muito tempo para dar indícios de que vai terminar. O leitor ainda fica em dúvida se aquele realmente foi o fim da história, até conferir na comic strip seguinte e perceber que ela não é uma continuação…
Publicação: Setembro de 1976. Arte de Paul Crompton.
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Menace on Metalupiter
DW Annual 1977
Equipe: 4º Doutor, Sarah Jane, Harry Sullivan
Espaço-tempo: Planeta Metalupiter
A maior parte dos erros cometidos na história anterior também podem ser observados aqui, com a única diferença de que essa história tem menos sentido geral e menos lógica do que a sua antecessora. A viagem e as características do planeta nos chamam mais a atenção do que o próprio impassem com o vilão. Aliás, o plano do vilão é mais interessante que o vilão e que o modo como o roteiro é finalizado – um caminho tão tortuoso, abrupto e incompleto quanto o da comic strip anterior.
O fato de ter a ideia de transformar um planeta inteiro em um grande diamante é algo legal vindo de um vilão. A arte, tão virtuosa nas edições anteriores e não necessariamente ruim aqui, mais atrapalha do que ajuda a narrar a história. Às vezes, é através da simplicidade que se consegue algo, e o que falta aqui é justamente isso, simplicidade, seja no roteiro (que pretende ser épico, intricando problemas galácticos insolúveis), tanto na arte, que nessa edição não ajuda a contar a história, apenas confunde mais o leitor.
Publicação: Setembro de 1976. Arte de Paul Crompton.
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The Rival Robots
DW Annual 1978
Equipe: 4º Doutor, Sarah Jane Smith
Espaço-tempo: Cidade de Retz, Planeta Vona
No ritmo em que estão indo essas histórias, a única coisa que as diferencia das primeiras edições da TV Comic é a excelente qualidade da arte, que no início dos anuários do 4º Doutor eram melhores e mais dinâmicas, mas, mesmo tendo sido modificadas em relação ao seu início, permanecem excelentes.
O grande problema está mesmo no roteiro, como não podia deixar de ser. Aqui, temos o Doutor e Sarah chegando ao Planeta Vona. Após uma introdução de alguns quadros, partimos para a imediata captura de Sarah, que passa a trama inteira fora de ação, voltando ao final da aventura para apenas sorrir e acenar. Qual é a graça de clocar uma companion desse peso e utilizá-la apenas como isca para aliens e ponto de partida para uma aventura o Doutor?
A ameaça dos vilões aqui aparece banal e ainda mal colocada na história, com direito a frases citando eventos do passado aos quais não estamos acostumados ou tivemos acesso, além, é claro, de um plano de fundo pobre e incompleto. O negócio está indo de mal a pior…
Publicação: Setembro de 1977
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The Traitor
DW Annual 1978
Equipe: 4º Doutor, Sarah Jane Smith
Espaço-tempo: Limite da Galáxia Sigimund
O Doutor leva Sarah para contemplar a Aurora Arctialis, uma surpreendente explosão de luz causada pela interação dos três sóis da Galáxia Sigimund. Mas a beleza nunca é só a beleza em uma história de Doctor Who, mesmo nas mais fracas ou ruins. O Doutor e Sarah acabam vendo uma nave entrar em rota de colisão com um planeta e então se chocar contra ele. Uma operação de resgate é feita e um processo de salvamento muito maior entra em jogo.
Sinceramente, não entendi qual foi a verdadeira intenção do roteirista em deixar um final tão desalentado quanto o que temos nessa história. Não que seja algo ruim. O desenvolvimento da história é quem padece de alguns erros, não o final. Entendemos que o Doutor errou em interferir no costume de uma civilização, mas o roteirista nos entrega uma esperança falsa logo no desfecho da aventura, algo que não é nada interessante de se ver após uma luta por liberdade.
Publicação: Setembro de 1977
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The Power
DW Annual 1979
Equipe: 4º Doutor, Leela
Espaço-tempo: Planeta Shem
Um problema político está em andamento no Planeta Shem. O Doutor chega ao local porque foi convidado para a coroação da princesa Azula, mas o que encontra, ao invés de festa e banquete, é uma revolta interna que depôs a herdeira do trono e colocou um ambicioso súdito no poder. Mesmo que o drama vá perdendo força conforme se aproxima do fim, é impossível negar que esta é a melhor história dos anuários desde Neuronic Nightmare, em 1976!
A arte vai por um caminho completamente diferente das edições anteriores, mostrando menos indicações subjetivas nos desenhos e exibindo um cenário mais realista. Percebam que não estou negativizando nem um modo e nem outro. Já expus meus elogios em relação ao formato da arte criativa dos anuários passados e considero os desenhos para essa aventura tão bons quanto. E só para efeito de comparação, o realismo desse The Power faz o Doutor aqui parecer mais com o Tom Baker do que nas comics dos outros anuários.
Podemos especular bastante sobre o que significa esse “Poder” tão cobiçado em Shem. A história termina com uma confraternização entre a rainha empossada e o povo, com a abertura do livro para todos os habitantes do local. Seria este “Poder” o “Conhecimento”? Possivelmente. E aí é que está a parte boa dessa reta final.
Publicação: Setembro de 1978
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Emsone’s Castle
DW Annual 1979
Equipe: 4º Doutor, Leela
Espaço-tempo: Planeta Zorka
Algumas vezes nós nos pegamos questionando a sanidade de alguns roteiristas de quadrinhos, ou perguntando sobre sua capacidade de perceber furos e elementos ridículos em suas histórias. Eis tudo o que nos vem à mente quando terminamos de ler Emsone’s Castle. A história lembra um pouco as manipulações psíquicas de The Psych Jungle, mas toda a comparação pára por aí.
Por quê Emsone construiu uma máquina utilizando seus poderes de magia negra se essa máquina não funcionaria sem o cérebro de um Time Lord? E por que diabos construir uma máquina que precisasse do cérebro de um Time Lord? Mesmo que, em elipse, consideremos a possibilidade remota de Emosone ser uma espécie de Skagra (Shada) em poder e conhecimento da tecnologia e usos da mente de um Time Lord, essa explicação não faz sentido porque nada na história nos leva a isso!
A arte da edição segue o mesmo excelente modelo das anteriores, especialmente os desenhos coloridos da primeira página e com arte final de traços mais grossos e com boa definição dos desenhos em si. Mas o restante é uma falha tentativa de repetir o sucesso de The Psych Jungle, utilizando um enredo científico e mágico ao mesmo tempo. Ora, ora, ora…
Publicação: Setembro de 1978
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Terror on Xaboi
DW Annual 1980
Equipe: 4º Doutor, Romana II, K-9 Mark II
Espaço-tempo: Planeta Xaboi
Um planeta em evolução. Uma espécie em estágio de desenvolvimento, ameaçada por um monstro parecido com o King Kong…
É sempre muito interessante quando o Doutor visita algum lugar onde o nível de desenvolvimento dos aliens ou humanos é inicial, como aconteceu no 1º arco da série ou como já vimos na Short Trip Rise and Fall. Os desafios do Doutor nesse história, apesar de simples, não são menores do que se ele estivesse lutando contra uma alta tecnologia. O mote central é que a sobrevivência de uma espécie inteira estava ameaçada.
O roteiro tem umas boas sacadas, inclusive no bom contexto de K-9, que não é esquecido, mas recebe ordem de ficar na TARDIS após realizar um trabalho importante para o Doutor. Romana é quem assume o papel de fragilidade da vez, mas não parece ser algo grave ou que diminua muito a qualidade geral do texto. Embora a dúvida sobre o futuro de Xaboi paire no ar, trata-se de uma dúvida boa, algo com um ponto verdadeiro de esperança e que nos faz querer saber mais sobre o futuro do planeta. Uma ótima forma de terminar uma história de DW: com possibilidades inteligentes para o futuro.
Publicação: Setembro de 1979. Arte de Paul Crompton.
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The Weapon
DW Annual 1980
Equipe: 4º Doutor, Romana II, K-9 Mark II
Espaço-tempo: Reino Unido, Idade Média
Essa história é uma afronta para o Doutor e para Romana! Localizada pouco antes de Destiny of the Daleks, era de se esperar que o Time Lord, a esse ponto, soubesse identificar em que século ou pelo menos em que período da História da Terra ele estava, a tirar pelos castelos, roupas dos soldados, etc. Mas não é isso que acontece. O Doutor se destina a fazer uma visita à Terra do século XX, acaba caindo na Idade Média britânica e não se dá conta de que não está no século XX! É demais para aguentar uma coisa dessas.
Além disso, é vergonhoso como a trama se desenvolve, levando em conta um mistério nada atraente mas que — e isso é ainda pior — devido ao seu tempo e espaço poderia ser sensacional. O que acaba valendo apenas é a ambientação em si e a manutenção da personalidade do Doutor e Romana, além de uma boa participação de K-9, que o leitor acaba aproveitando mais por si só do que por aquilo que a história apresenta.
Publicação: Setembro de 1979. Arte de Paul Crompton.
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Every Dog Has His Day
DW Annual 1981
Equipe: 4º Doutor, Romana II, K-9 Mark II
Espaço-tempo: Planeta Phoenix
Temos aqui a última (e bastante estranha) aparição de Romana nos anuários de DW ao lado do 4º Doutor. Estranha porque ela nunca teve assim tanta atenção nessas histórias e aqui, isso é diminuído ao mínimo possível, quase uma aparição simples. O Doutor também é reduzido a uma menor participação e, o rei da aventura (literalmente rei, posto que é coroado pelos “robôs mocinhos” no final da guerra), é K-9.
K-9 é um personagem incrível, não há como negar. Mas quando ele recebe mais atenção do que outros aliens à sua volta — e não digo que ele não deva ter atenção, mas que haja um equilíbrio — o enredo perde um pouco a graça. A situação piora quando existe uma história que brinca com as Leis da Robótica de Asimov, o que por um lado é interessante, mas chega a ser infantil ver isso saindo da boca do Doutor, principalmente em uma colônia terráquea num planeta distante onde se desenvolvia inteligência artificial. Até o Doutor citar as leis e esperar que elas estivessem sendo obedecidas, tudo bem. É até engraçado. Mas toda a crença dele é direcionada para esse ponto, num nível de estupidez quase religiosa que não existe no Doutor e que repete o mesmo terrível comportamento observado em The Weapon, nos quadrinhos do ano anterior, ou seja, simplesmente incompreensível.
Publicação: Setembro de 1980
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Plague World
DW Annual 1982
Equipe: 4º Doutor, Adric
Espaço-tempo: Publius
Na história, não fica claro se Publius é o nome do planeta em questão ou o nome da vila de um planeta não nomeado. A fala de Adric, que é confirmada por K-9, também não ajuda muito a definir com exatidão, porque pode-se aplicá-la tanto a um quanto a outro espaço geográfico. O companion pergunta para o Doutor se Publius não era uma colônia da fronteira do 2º Império Galáctico, deixada para viver em isolamento quando o Império entrou em colapso. E sim, era. O Doutor diz que o lugar é uma mistura de “rústico e tecnológico”, um “símbolo vivo da habilidade do homem de se adaptar e sobreviver”.
A história, após essa premissa, gira em torno de um lugar desolado onde pessoas vivem como se estivem numa vila medieval (fica claro que se trata de uma colônia terráquea em algum lugar do espaço) e são ameaçadas por uma doença mortal. Um plano alien realmente apavorante está em andamento: eles estão alimentando os bebês aliens com a carna doente dos humanos (creeeedo!). Nesse quesito, a história tem um bom desenvolvimento, especialmente pela criatividade e força do tema. O restante, todavia, peca, não trazendo um desfecho interessante para a história e reduzindo toda a luta do Doutor e de Adric a um simples capricho de coincidência.
Publicação: Setembro de 1981
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On the Planet Isopterus
DW Annual 1983
Equipe: 5º Doutor, Adric, Tegan, Nyssa
Espaço-tempo: Planeta Isopterus
Nesta edição final dos quadrinhos de DW nos anuários da série, temos uma história de resgate protagonizada pelo 5º Doutor ao lado de Adric, Tegan e Nyssa. Mesmo que hajam assuntos não explicados aqui, a ideia de que os insetos sofreram mutação não é algo assim tão absurdo e isso é aceito tranquilamente durante a leitura, o que justifica bem a causa do tamanho enorme dos vilões (por um momento, achei que eram Zarbis) e o fato de eles terem mudado os hábitos alimentarem e passarem a consumir carna humana.
A ameaça é real e bem desenhada assim como contada de maneira razoável, com momentos realmente muito bons. O Doutor retira os habitantes sobreviventes e os leva para “um planeta seguro”, deixando a possibilidade de um dia voltarem para o seu lar natal — o que talvez possa ser algo mais rápido do que imaginam, pois, se os insetos não tiverem carne humana, ou vão morrer ou se acostumar a comer vegetais, raízes e afins, vindos da ilusão que o Doutor criou para poder fugir do local.
A fase clássica dos quadrinhos de DW poderia ter sido muito melhor do que foi. Após este último quadrinho, chegamos à conclusão de que a arte de praticamente todas as edições foi brilhante, mas os roteiros sofríveis na maior parte das vezes, um contraste no mínimo injusto para desenhos. Mesmo assim, se configuraram um momento interessante para a série, uma espécie de meio-termo entre os quadrinhos da TV Comic e as famosas histórias da Doctor Who Magazine, em todas as suas reformulações.
Publicação: Setembro de 1982