Mesmo o Egito tendo conhecido o cinematógrafo em 1896, os primeiros filmes dirigidos por cidadãos do país surgiriam muito tempo depois. Os países africanos dependentes do Ocidente iniciaram quase sempre as suas produções nacionais com uma certa defasagem. No entanto, o domínio europeu no Egito é, por diversos motivos, muito singular, o que torna também a produção da Sétima Arte no país um tanto diferente das demais produções do continente, como vemos sugerido em Atlas du Cinéma, de André Z. e Olivier Labarrére.
Pelo caráter cosmopolita da sociedade egípcia nas primeiras décadas do século XX, vemos o cinema local transformado em uma verdadeira Torre de Babel. Surgem ali realizadores franceses, turcos, gregos, alemães, italianos (estes últimos, por muito tempo, inclusive a primeira produtora no país foi criada por dois italianos, Alevise Orfanelli e Mario Volpi, em 1917), além de técnicos de muitas outras nações do Leste Europeu. Pouco a pouco, os Estúdios de Alexandria e depois do Cairo (as apelidadas “Hollywoods do Oriente”) atraíram atrizes e cantores de diversos lugares. No começo dos anos 1920, o Egito começou a controlar melhor a sua produção cinematográfica. A fundação em 1925 da Sociedade Misr para Teatro e Cinema, promovida pelo Banco Misr de Talaat Harb, foi o primeiro passo para a fundamentação de uma produção local.
Um aspecto interessante é que nesse primeiro momento (algo que também acontecerá no futuro) são as mulheres que tomam a iniciativa nos processos que levaram à criação de uma indústria de cinema nacional. Em pouco tempo, as mulheres também dirigiam filmes, produziam e fundavam estúdios. Esse dinamismo se encontra na expansão do cinema egípcio e pelo mundo árabe e muçulmano. Mesmo assim, o número de filmes do país já em 1945 alcançava a modesta marca de 50 a 60 filmes por ano. Os gêneros e o star system do país faziam reinar as comédias sentimentais e os melodramas.
Em 1930, Zeinab, filme produzido pelo ator Yousef Wahby, foi o primeiro filme de ficção dirigido por um egípcio, o realizador Mohammed Karim (que era produtor desde 1917). O cinema sonoro chegou parcialmente ao país em 1932, e o primeiro musical surge em 1934. Alinhados às danças orientais (especialmente a dança do ventre) e músicas inspiradas nos sucessos do rádio, os musicais se mantiveram ativos por muitas décadas, alcançando seu ápice nos anos 1940. Também temos uma onda de adaptações literárias de obras europeias e a “arabização” dos filmes Hollywoodianos. Em dado momento, o cinema egípcio passou a retratar o seu momento político e os acontecimentos históricos, apesar da forte censura política e religiosa no país.
Em 1939 surge A Vontade (El Azima), dirigido por Kamal Selim. O filme foi um diferencial porque se aproximava dos problemas sociais com foco nas classes baixas, um caminho diferente das produções da época. Já em meados dos anos 1940 temos uma nova geração em atividade, e a partir das produções desses diretores, estabelece-se a idade do ouro do cinema egípcio, que vai até os anos 1960.
A Revolução de Julho de 1952 que derruba o rei Farouk e instaura a república no país é um pontapé para a mudança de rumo e de abordagem dos filmes, que com a geração dos anos 1950 se aproximaria mais das preocupações do momento, um período que seria chamado de “onda realista”, tendo o cineasta Youssef Chachine como um dos seus pilares. Mesmo assim, as comédias populares tinham grande público no país e um dos destaques na direção dessas “comédias alienadas” foi Fatih Abdel Wahab. Os filmes do anos 50, no entanto, caracterizam-se pelo viés aintiimperialista e patriótico do presidente Gamal Abdel Nasser. No final da década, o futuro Prêmio Nobel de Literatura, Najeeb Mahfouz, assinou diversos roteiros.
Em 1963, o Estado afirma o seu apoio à distribuição e produção dos filmes nacionais, dentre os quais O Pecado (Henry Barakat, 1965). No entanto, a partir de 1967 as relações entre cinema e Estado, principalmente após a derrota do Egito para Israel na Guerra dos Seis Dias, entra em uma fase de desconfiança e censura. A despeito disso, mesmo os filmes comerciais que retornam nos anos 1970 já pesam mais a abordagem ao menos levemente política e social do que o puro entretenimento. Os melhores filmes desse período são A Terra (Youssef Chachine, 1969) e A Múmia (Chadi Abdel Salam, 1970).
Com a morte do presidente Nasser em 1970, e a ascendência de Anwar el-Sadat ao poder, temos a adoção de uma política do liberalismo econômico no país. Filmes de Youssef Chachine, Ali Badrakhan e Said Marzouk são censurados pelo governo por denunciarem a corrupção e fazerem críticas. Mas uma nova luz estava por chegar ao Egito em 1981, com o Grupo do Cinema Novo. Esses diretores queriam a liberdade de temas, a fuga da abordagem acadêmica e o trabalho com um realismo mais cru. Sem revolucionar as leis da narrativa clássica, esses novos realistas examinavam as falhas da vida social e política egípcias. O islã começa a aparecer como um possível meio regenerador, e as comédias adotavam a sátira como principal linha narrativa. Patrocinado por países do Golfo Pérsico, o cinema egípcio alcançou mais um breve salto de superprodução.
Dos “novos cineastas” dos anos 1990, Yousry Nasrallah foi um dos mais promissores. Nessa década, mais uma vez a censura faz a produção do país diminuir consideravelmente, mudando progressivamente com a chegada dos anos 2000. O formato digital ganhou adesão dos diretores do país, o que ajuda a produção a se tornar mais rápida. Surgiram diversos filmes questionando a religião, a moral da sexualidade e a afirmação dos direitos das mulheres, gerando violentas polêmicas entre políticos, mídia, artistas e população. Filmes como Sahar El Layaly (2003) e O Edifício Yacoubian (2006) alcançaram uma ótima receptividade internacional, e representaram com grande qualidade o cinema egípcio contemporâneo.
Alguns filmes de destaque: Baheb El Cima (2004), Bab El Shams (2004), Dias de Sadat (2001), El Medina (1999), Ard al-Khof (1999), Arak El-balah (1998), Al-irhab Wal Kabab (1992), Kit Kat (1991), A Esposa de um Homem Importante (1987), Adieu Bonaparte (1985), Sawak Al-utubis (1982), Iskanderija… lih? (1979), Al Karnak (1975), A Múmia (1969), Algum Medo (1969), O Carteiro (1968), Al-zawja A-thaniya (1967), El Naser Salah el Dine (1963), Estação Central de Cairo (1958).
Dentre diretores de destaque: Mohammed Karim (1896 – 1972), Anwar Wagdi (1904 – 1955), Ahmed Badrakhan (1909 – 1969), Henry Barakat (1912 – 1997), Mahmoud Zulfikar (1914 – 1970), Salah Abu Seif (1915 – 1996), Ezzel Dine Zulficar (1919 – 1963), Youssef Chahine (1926 – 2008), Hussein Kamal (1932 – 2003), Mohamed Khan (1942 – 2016), Atef E-Taieb (1947 – 1995), Yousry Nasrallah (1952), Sherif Arafa (1960), Marwan Hamed (1970) e Jehane Noujaim (1974).