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Crítica | Jogo Sujo

por Luiz Santiago
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Assim como teve coragem de levar adiante uma história cheia de desesperança e firmar um encerramento trágico para essa história em Assassinato!, Alfred Hitchcock teve, ao filmar Jogo Sujo, um de seus dramas britânicos de maior abertura para críticas sociais e questões de natureza humana.

A história tem um bom andamento no que concerne ao problema principal. Algumas atuações são realmente boas e o final nos deixa um pouco sem acreditar no que vimos, expondo um questionamento sobre a legitimidade ou não daquele tipo de briga. Até então, os filmes de Hitchcock obedeciam a uma característica quase unicamente humana, destacando problemas de homens e mulheres em meio a um conflito que poderia ou não estar relacionado a um fator externo. Em Jogo Sujo, além desse modelo, percebemos a evidência do mundo em volta dos personagens, o crescimento industrial, o poder social do dinheiro e o medo das pessoas em tornarem públicos certos segredos.

As famílias Hillcrist e Hornblower entram numa guerra devido a um acerto de uso para determinada propriedade local, onde um lado pretendia manter os antigos locatários e as tradições de uma terra quase intocada vinda de seus ancestrais, e o outro pretendia derrubar árvores e colocar chaminés, escritórios e fábricas, tudo em nome do desenvolvimento. A disputa entre a tradição e a modernidade ultrapassa questões familiares e ideológicas, adentrando, como dito anteriormente, num viés social não trabalhado tão abertamente por Hitchcock antes — isso se considerarmos a trama de Juno e o Pavão mais como uma história de decadência familiar do que de consequências da guerra irlandesa.

O filme não tem uma mão precisa na direção e há erros grosseiros de montagem e continuidade, mas a história consegue se manter em uma linha mediana durante todo o tempo, arquitetando um conflito que percebemos ser bem maior do que aparenta e que trará consequências para ambos os lados. Mais do que o orgulho ferido dos patriarcas das duas famílias, existe aqui uma questão de ganho financeiro em jogo, elemento que não costuma ser um bom perdedor.

Num primeiro momento temos o nosso patriarca favorito, alguém que defendemos pela forma educada com que se refere ao seu oponente e pela fraqueza física, algo desdenhado pelo Sr. Hornblower, personagem interpretado pelo ótimo Edmund Gwenn, que voltaria a trabalhar com Hitchcock outras vezes. Mas à medida que a história avança, percebemos que tanto um quanto outro tem sua medida de culpa nesses eventos, o que vai encontrar maior ou menor força em cada espectador, dependendo do modo como enxergam os protagonistas e a situação principal.

Mas se o embate ficasse apenas na posse e exploração ou conservação da propriedade, a trama não seria tão densa e caminharia para uma finalização demasiadamente simples. A questão em Jogo Sujo é que não só uma possível paixão entre os filhos mais novos das duas famílias como também o destino cruel de Chloe Hornblower é traçado a partir da briga pela terra, ponto onde o filme retorna para a posição dramática favorita de Hitchcock, que era a de retrabalhar a visão do inocente e do culpado, tornando difícil para o público escolher um lado e atribuir a ele plena razão.

Sem concessões, o diretor encaminha o filme para a tragédia, intensificando ainda mais essa atmosfera quando adiciona a culpa, a ameaça de vingança futura e a colocação de que talvez tudo aquilo tenha sido uma luta em vão, já que o desenvolvimento industrial eventualmente chegaria à propriedade e que as belas florestas, paisagens e natureza tão valorizadas dariam lugar ao concreto; uma situação que nenhum Hillcrist poderia impedir.

Mesmo com um pouco de fatalismo no modo como é encerrado e com um plano inconsequente de uma árvore sendo derrubada no último take, Jogo Sujo é uma reflexão sobre as relações entre as pessoas envolvendo algo de grande valor monetário e também sentimental. Independente de qual lado o espectador defenda, não há dúvidas de que há erros nas atitudes das duas famílias e seus aliados. Na ânsia de vencer uma luta por algo material, o pior do ser humano vem à tona, como arma contra seus oponentes e a derrota quase nunca é uma alternativa válida nesse tipo de situação. O que é irônico, uma vez que, salvo raras exceções, todos acabam perdendo num cenário como esses.

  • Crítica originalmente publicada em 22 de dezembro de 2013. Revisada para republicação em 21/10/19, como parte de uma versão definitiva do Especial Alfred Hitchcock aqui no Plano Crítico.

Jogo Sujo (The Skin Game) – UK, 1931
Direção: Alfred Hitchcock
Roteiro: John Galsworthy, Alfred Hitchcock, Alma Reville
Elenco: C.V. France, Helen Haye, Jill Esmond, Edmund Gwenn, John Longden, Phyllis Konstam, Frank Lawton
Duração: 80 min.

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