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Crítica | Amor, Sublime Amor

por Sidnei Cassal
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Romeu & Julieta é sem dúvidas a obra mais popular de Shakespeare e, provavelmente, a história clássica do amor proibido mais conhecida no mundo. Tanto é verdade que esta tragédia romântica é uma das campeãs de adaptação para as telas. O que pouca gente sabe é que a peça de Shakespeare, por sua vez, é adaptada de um conto italiano, traduzido em versos para o idioma inglês, que posteriormente recebeu um tratamento em prosa. Ambas versões serviram de base para sua peça. Existe uma lenda urbana de que Romeu e Julieta realmente existiram, viveram e morreram em Verona, oriundos de família inimigas, e que tinham idade bastante precoce para os padrões atuais – algo em torno de apenas 13 anos, o que justificaria suas ações precipitadas e a paixão avassaladora, que não mede conseqüências.

A primeira adaptação de Romeu & Julieta para os cinemas foi feita pelo pioneiro George Meliès (aquele homenageado por Scorsese em Hugo Cabret). George Cukor dirigiu uma versão da peça, em 1936 – não muito bem recebida pela crítica, principalmente por trazer nos papéis principais da dupla juvenil apaixonada atores “velhos” demais. Em 1954, o diretor italiano Renato Castellani apresentou uma versão que mantinha os diálogos originais do texto shakespeariano nas falas dos atores (o filme ganhou o Leão de Ouro do Festival de Veneza). Nesta mesma época, mais exatamente em 1957, estreou em Nova York o musical West Side Story, com música de Elmer Bernstein, coreografias de Jerome Robbins e livreto de Arthur Laurents.

O musical apresentava uma transposição da história de Romeu & Julieta, que originalmente se passava no século XVI em Verona/Itália, para a década de 50 no bairro da zona oeste de Nova York, o Upper West Side do título. No projeto original do musical, ao invés da rivalidade entre Montecchios e Capuletos, a história apresenta a rivalidade de gangues de jovens, os Jets (de origem irlandesa e católicos) e os Emeralds (de origem judia). Até sua versão definitiva, a origem das duas gangues e das famílias do casal apaixonado mudou: Romeu – rebatizado de Tony no musical – passou a ter origem de imigrantes poloneses e irlandeses, enquanto Julieta ganhou o nome de Maria, uma descendente de porto-riquenhos. Para as gangues, o nome Jets foi mantido como referência para os “brancos”, enquanto que os latinos porto-riquenhos ganharam o nome de Sharks. O sucesso de público e a acolhida da crítica foi estrondosa.

Não demorou para Hollywood apresentar sua versão, que estreou em 1961, mantendo basicamente a mesma história, na qual o coreógrafo Robbins foi promovido a co-diretor, junto com Robert Wise. O elenco do filme era composto em sua maioria de estreantes no cinema, com exceção de Natalie Wood, no papel de Maria. Do elenco original da Broadway, apenas 6 atores foram aproveitados para o filme – a maioria foi recusada pelos produtores por serem velhos demais para interpretar personagens adolescentes. A versão cinematográfica do musical representou uma revolução para os padrões do musical clássico de Hollywood por diversos motivos.

A década de 60 foi uma época atípica para todas as artes no século XX. Vista em retrospectiva, é como se tivesse sido a adolescência das artes do último século, onde tudo foi experimentado, tudo foi reinventado e tudo era permitido. A extravagância de cores, movimento e luzes que vemos em Amor, Sublime Amor é típico desta era. Assim, o filme tem que ser analisado como fruto de sua época, sendo que hoje quase tudo nele que parece ultrapassado era à sua época revolucionário. O maior trunfo do filme foi incorporar ideias absolutamente teatrais, como o uso da cor, da luz, dos cenários presentes na montagem original e expandi-los, levando a ação para locações reais e utilizando os recursos tipicamente cinematográficos como a montagem e virtuosos movimentos de câmera, principalmente nos números musicais. Esta embalagem, por assim dizer, do filme Amor, Sublime Amor é que o torna ao mesmo tempo o fim e o início de uma era para os filmes musicais. Analisado hoje, é bastante sui generis o fato que as inovações trazidas pelo filme no tratamento de uma ópera filmada que é o que ele realmente representa,  influenciaram e foram incorporadas pelos estrangeiros – cineastas franceses, como Jacques Demy (Os Guarda-Chuvas do Amor) e os filmes da Bollywood indiana – ao invés do próprio cinema americano.  Nos anos seguintes ao filme, até o início da década de ´70, o cinema americano continuou a produzir musicais nos moldes daqueles feitos nas décadas de 40 e 50. Demorou aproximadamente uma década para que Bob Fosse introduzisse uma mudança que se refletiu na vertente que os musicais (já  cada vez mais raros) iriam tomar a partir de então: isolar os números musicais da linha narrativa.

Sem sombra de dúvidas, hoje, o legado de Amor, Sublime Amor transparece muito mais na qualidade de suas canções, quase todas clássicas e conhecidas do público, como “I Feel Pretty”, “America”, “Tonight”, “Maria” e “There´s a Place for Us”. Só para se ter uma ideia, muitas delas foram gravadas e interpretadas por cantores brasileiros de sucesso na época, no original em inglês ou em versões em português. Mas não se  pode esquecer a inovação temática trazida por West Side Story. Os musicais sempre foram marcados por abordar assuntos leves e decalcados da realidade. No filme, à parte a história de amor do duo principal, o pano de fundo é a realidade dos imigrantes dos Estados Unidos, cantada em versos na inesquecível e corajosa auto-crítica “America”, onde um duelo entre as mulheres de origem irlandesa, exaltando as qualidades do país, faz um contraponto às críticas ao american way of life visto pela ótica dos porto-riquenhos.

Ao público de hoje, Amor, Sublime Amor pode parecer extremamente datado, e não resistiu ao tempo tão bem como o clássico Cantando na Chuva. Mas uma coisa é certa: o filme nunca poderá ser acusado de ter sido uma versão burocrática ou sem inspiração do musical da Broadway. Visto em retrospectiva, embora possa pecar em alguns aspectos – como o elenco principal (é bem verdade que Richard Beymer é bem fraquinho na interpretação e Natalie Wood não tem o tipo físico para convencer como uma porto-riquenha) – é uma obra transbordante de energia e paixão na sua execução.

Amor, Sublime Amor (West Side Story, EUA, 1961)
Direção: Robert Wise, Jerome Robbins
Roteiro: Ernest Lehman
Elenco: Natalie Wood, Richard Beymer, Russ Tamblyn, Rita Moreno, George Chakiris, Simon Oakland, Ned Glass, William Bramley, Tucker Smith, Tony Mordente, David Winters, Eliot Feld, Bert Michaels
Duração: 152 minutos

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