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Crítica | A Filha do Engano

por Luiz Santiago
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Es muy poco lo que puedo decir de esta película, porque de ella no recuerdo casi nada. Es una película ‘alimenticia’: realizada para poder comer. […] Ese título de ‘La Hija del Engaño’ es un error de los productores. Si le hubieran dejado su verdadero título […] todos los españoles hubieran ido a verla.

Luis Buñuel

Como o próprio diretor declarou em entrevistas, A Filha do Engano é um de seus “filmes alimentícios“. Já não é segredo para ninguém que o cineasta passou boa parte de sua estadia no México tentando realizar obras de seu agrado, mas sempre se deparava com encomendas terrivelmente comerciais dos produtores e do estúdio para o qual trabalhava. Mesmo com alguns sucessos de público ou um aclamado e premiado filme como Os Esquecidos (1950) no currículo,  volta e meia as exigências mercadológicas vinham assombrar o gênio criativo de Buñuel, que por motivos financeiros, acabava aceitando de um modo ou de outro o que lhe era pedido. A Filha do Engano é um gritante exemplo disso.

O filme é a adaptação da farsa espanhola Don Quintín el Amargao (1924), também chamada Aquele que Semeia Ventos, escrita por Carlos Arniches e Antonio Estremera. Por se tratar de uma obra concebida para o palco e principalmente por datar de 1924, é possível identificar um grande número de elementos sociais hoje tido como retrógrados, além de uma sugestiva presença da religião que guia moralmente as ações das personagens, todas elas pontuadas de valores apreciados ou obrigatórios para cristianismo, tais como a caridade, a confissão, o arrependimento e o perdão.

O roteiro de Luis e Janet Alcoriza tenta se livrar do pequeno ciclo de ações propostas pelo gênero teatral no qual se baseia. A intenção é louvável e chega a ter algum reflexo na película, em especial na narrativa paralela que se afunila com o passar dos minutos até unir-se em uma só história. Nesse ponto, não podemos falar de um desenvolvimento incômodo ou uma falha na montagem. Os erros se localizam na parte interna do filme, refletindo um Buñuel perdido na direção de uma obra que ele não queria dirigir, e pior, de um texto que só consegue se sustentar de maneira geral, mas cujas partes individuais padecem de terríveis elementos regionalistas e incursões de cenas dramaticamente desconexas.

Don Quintín Guzmán não tem no ator Fernando Soler a sua melhor personificação. O rabugento e amargo homem traído que tem horror à alegria alheia conta com bons momentos na tela, mas não durante toda a projeção. Diferente das personagens que o ator interpretara antes, como Ramiro da la Mata (El Gran Calavera) ou Don Guadalupe (Susana), falta a Don Quintín a profundidade psicológica e o desenvolvimento pessoal no decorrer da história – o que só acontece, de fato, nas duas sequências finais, tornando o acontecimento abrupto e quase inverossímil.

À parte essas questões, podemos enxergar em A Filha do Engano, uma mixórdia de elementos, do melodrama à comédia fácil e musical, talvez o ingrediente menos atraente e mais problemático da fita. Embora saibamos que a inserção do número musical era regra básica dos filmes populares mexicanos – e por que não dizer, latinos, já que as nossas chanchadas tinham essa mesma cartilha –, é gritante a incompatibilidade das danças e canções no meio de uma história familiar que até poderia ganhar outro rumo, caso não fosse pré-moldada. As especificações capengas da encomenda eram tamanhas, que Buñuel nem conseguiu inserir de forma clandestina os seus adoráveis momentos surreais, como fizera em Gran Casino, por exemplo, outro de seus filmes comerciais, porém de maior qualidade.

É inegável que o filme diverte e traz uma nuance ou outra de alfinetadas buñuelistas, como a cena em que a mãe leva a filha para dar um beijo no pai e é o amigo quem acaba beijando-a primeiro; ou a hilária fuga do padre ao ver as dançarinas se preparando para entrar no palco. Tais momentos acabam valendo o tempo que passamos frente a outros deslizes técnicos, e seria até injusto dizer que A Filha do Engano é um filme ruim. Trata-se de uma obra atipicamente moralista de Buñuel (mas sabemos muito bem qual é a origem disto), e um filme minúsculo frente ao que o cineasta produziria nos anos seguintes, todavia, é possível dizer que pelo menos em parte (grife-se bem isto), a película cumpre suas promessas de diversão rasa, fácil e descompromissada. Não é um luxo, tampouco um lixo, mas sabemos quão desanimadoras e difíceis de se avaliar são essas obras.

  • Crítica originalmente publicada em 10 de abril de 2013. Revisada para republicação em 11/04/2020, em comemoração aos 120 anos de nascimento do diretor e da elaboração da versão definitiva de seu Especial aqui no Plano Crítico.

A Filha do Engano (La Hija del Engaño) – México, 1951
Direção:
 Luis Buñuel
Roteiro: Luis Alcoriza, Janet Alcoriza
Elenco: Fernando Soler, Alicia Caro, Fernando Soto, Rubén Rojo, Nacho Contla, Amparo Garrido
Duração: 78 min.

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