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Crítica | Os Sete Samurais

por Luiz Santiago
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É muito curioso que o “cineasta japonês mais ocidentalizado” tenha dirigido algumas das principais e mais relevantes obras sobre a história do Japão. Dono de uma escrupulosa visão cênica e de um conhecido perfeccionismo e ousadia, Akira Kurosawa foi uma das grandes vozes do cinema japonês no pós-guerra. Seus filmes vão dos dramas cotidianos aos épicos sobre o Japão do Período Sengoku ao período Edo, momentos da história do país marcados pelo caos e por uma forte disputa política, desordem, miséria social, guerras, banditismo e fome, terminando com o poderio dos xoguns (chefes militares com forte influência política), o estabelecimento definitivo dos samurais e o início do Japão Moderno, um pouco antes da aparição mercantil americano no país, na segunda metade do século XIX.

Remodelando os filmes do “gênero” chambara (obras cujo tema traz a luta de sabres entre heróis), Kurosawa pincelou seus filmes históricos com o dinamismo e as recriações típicas do western, o que resultou em películas essencialmente nacionais, mas com um apelo ocidental muito grande, como podemos observar em A Fortaleza Escondida (1958), que inspirou Star WarsYojimbo (1961) e Sanjurô (1962). Um dos primeiros frutos dessa jornada épica e histórica do diretor se deu em 1954, quando lançou Os Sete Samurais, filme que nasceu com o título de maior produção de aventura dramática já rodada no Japão, e claro, o mais caro feito no país até aquele momento.

Com pouco mais de três horas de duração e dividido em três partes, o filme traz não apenas uma recriação do caos político e social no Japão do século XVI, mas também um desfile de valores pessoais e comunitários baseados na aceitação, reconhecimento, empenho e trabalho. O filme vai muito além da jornada épica de uma vila para libertar-se dos salteadores que lhes pilhava a maior parte das colheitas. A contratação dos samurais pelos aldeões e todo o desenrolar da estadia destes na vila é uma vereda para o aprendizado, consistindo em um tempo de adaptações psicológicas e físicas para ambos os lados.
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SPOILERS!

A Busca

A primeira hora do filme caracteriza-se pela busca aos samurais. Após a introdução da história, somos levados à cidade onde nos serão apresentados todos os ícones do filme. A música de Fumio Hayasaka altera o ritmo e o tom de cada sequência crucial, gerando ou distendendo a tensão do espectador, conforme a relevância daquele momento para o filme. A música-tema é recorrente durante toda a projeção, mesmo que em arranjos menos pomposos ao som dos metais, na melodia original, algo que Hayasaka já fizera em outros filmes de Kurosawa, vide Cão Danado (1949), Rashomon (1950) e Viver (1952). Junto à musica, o uso da câmera lenta em algumas cenas nos dá a visão psicológica do acontecimento, elevando assim o significado retilíneo e único da imagem projetada.

O primeiro samurai aparece com ímpeto de líder, usando inicialmente a astúcia e não a força para resolver o caso do sequestro de uma criança. A habilidade visual de Kurosawa explora todo o espaço geográfico da vila e se atém aos mínimos detalhes, inclusive no ritmo e trânsito dos elementos em planos mais afastados ou em profundidade de campo. No momento em que Kanbei raspa a cabeça e se disfarça de monge para enganar o sequestrador, o deslumbre cênico se transforma pela primeira vez em poesia visual, a imagem cria um significado em si mesma, todo o ritual, a velocidade da montagem e a tensão musical convergem para o destaque daquele personagem, mas o espectador tem um interesse por todo o plano e toda a história, criando ele mesmo a textura dramática para a cena. Esse é um dos muitos recursos de dinamismo narrativo que o diretor irá usar pelas três horas seguintes, habilidade muitíssimo bem executada e que faz com que o tempo não seja massacrante para o espectador.

A vivacidade do filme não seria possível sem a edição, assinada pelo próprio Kurosawa. A introdução da obra é ambientada em externas, com priorização dos planos gerais fixos e alguns planos de conjunto. Da vila para a cidade e nas sequências ali rodadas, temos transições simples. O tempo interno dos planos se altera bastante e uma montagem praticamente circular sustenta essa parte da história. Valendo-se do humanismo necessário para a contratação dos samurais pelo preço de três refeições diárias, questões morais e éticas são vagamente sugeridas. O orgulho de alguns contrastam com a humildade e perseverança daqueles que aceitam lutar não pela fama ou pelo dinheiro.

Observarmos que quando o grupo sai da cidade, existem apenas seis e não sete. O último componente do grupo será aceito algum tempo depois, não pelo fato de ser samurai, porque não o era de fato, mas pela forte personalidade que desde o início tenta manter o grupo unido. Interpretado por um dos atores preferidos de Kurosawa, Toshirô Mifune, o personagem Kikuchiyo é o ponto cômico do longa, uma criança em forma de adulto que fará o contraste em relação aos outros seis samurais e concentrará todos os momentos cômicos numa espécie de auto-paródia da atuação do próprio Mifune, uma das grandes escolhas de Kurosawa para equilibrar o peso do roteiro.
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Preparação do Terreno

A segunda parte do filme começa exatamente com a chegada dos samurais à vila. A resistência inicial dos moradores é demonstrada através do silêncio. A vila parece abandonada, todos estão escondidos dentro de suas casas. O medo se instaura nos moradores, embora todos, até aquele momento, tivessem clamado pela chegada desses defensores. O que observamos aqui é o medo dos camponeses em relação à nova ordem de poder que naquele momento se estabeleceria. De uma hora para outra, homens com armas garantiriam a segurança de todos e, claro, deles emanaria o poder controlador sobre os habitantes. Os samurais assumiriam então o papel do Estado, dando ordens inclusive ao Ancião da vila, uma autoridade local. Vemos que o papel externo do Estado e seus organizadores era extremamente falho, e percebemos isso em uma cena em que os camponeses até cogitam em notificar os roubos aos magistrados, mas de pronto abandonam a ideia, alegando inaptidão dessas autoridades em lidar com os bandidos, daí a escolha dos samurais. Entretanto, a chegada desse novo poder não é bem recebida. É necessário um alarme falso de invasão para que o povo implore defesa. Então o medo se dissipa. Em troca da manutenção paz para a futura felicidade (pensamento de Hobbes), os cidadãos aceitam o controle da nova ordem.

Se fôssemos definir uma atmosfera para toda a segunda parte do filme, poderíamos compará-la à aparente calma que precede a tempestade. Nesse segundo momento, a espera pelo ataque dos bandidos é compassadamente trabalhada. A direção imprime a esse longo período um significado muitíssimo pessoal e praticamente individual. Primeiros e primeiríssimos planos aparecem em abundância. A natureza e o espaço físico da vila integram-se aos personagens, os elementos móveis e imóveis tornam-se objetos de observação da câmera e interação com os atores. Cercas e lagos artificiais entram nos planos de defesa dos samurais. A comunidade une esforços para construir esses obstáculos para os invasores e, quando o ritmo do filme parece esgotar-se, Kurosawa desvia brevemente a nossa atenção para pequenas sequências individuais sobre a personalidade de alguns camponeses e samurais.

O humor típico do desenvolvimento dos filmes de John Ford parece ter indicado um caminho seguro para Kurosawa, que alterna sem medo, momentos de pura descontração protagonizados por um Mifune bufão e momentos de exposição das fraquezas, medos e expectativas dos protagonistas. Surge o romance e o desejo sexual. Revelações acontecem e as primeiras expedições estratégicas em torno da vila são realizadas. Quanto mais o filme se aproxima das batalhas finais, mais curtos os planos se tornam, menos iluminada fica a fotografia e mais presente se torna a música-tema. Sem pressa e em perfeito timing, a ausência de ação na segunda parte começa a ceder espaço para a expectativa do ataque.
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O Grande Acontecimento

A noite anterior à batalha final e as primeiras horas do dia decisivo demonstram muito bem a ideia de manipulação formal defendida por Kurosawa. Os atores passam de encenações pacíficas para frenéticas explosões de raiva. Os elementos naturais entram para o ritual imagético e algumas panorâmicas sobre colinas floridas, árvores, riacho e céu antecedem a longa e monumental sequência em que a natureza e o ser humano são um só corpo: a sequência da batalha final na chuva. Alguns temas recorrentes nos filmes de Kurosawa são identificados em Os Sete Samurais. Primeiro, a decisão e um personagem à margem em acompanhar penosamente a marcha de um grupo que inicialmente não o aceita. Depois, a mudança de pensamento ocorrida em vários segmentos. De certo modo, podemos ver o filme como uma lição de vida para todos os envolvidos, uma mudança de pensamento, ação e caráter que aos poucos se constrói e vem à tona no clímax.

Por fim, a chuva. Elemento natural característico dos filmes de Kurosawa, a chuva servirá de palco para a épica luta entre bandidos, camponeses e samurais. A água misturada aos corpos, às lâminas das espadas e à terra cria um efeito visual poético e estonteante. Como bom conhecedor da dinâmica do cinema e tendo consciência de sua ambiciosa intenção, o diretor reservou para o final o momento de maior tensão e expectativa do filme. As filmagens realizadas com três câmeras ganharam na sala de edição uma montagem praticamente sequencial, é difícil abstrairmos a passagem dos planos, tal a pertinência plástica e dramática que guia a edição nessa parte final.
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Aurora de Heróis

A longa batalha chega ao fim. Um momento de reflexão existencialista se insinua através do diálogo entre os três samurais sobreviventes. A vitória parece não ter sentido para aquelas que arquitetaram o plano, por isso, os grandes vitoriosos são os camponeses. É tempo da semeadura e todos cantam alegremente enquanto executam o trabalho. As mulheres são o destaque dessa parte final, como um símbolo de fertilidade, do novo nascimento da vila. A despeito da morte dos entes queridos, a paz duradoura que promete se estender dali para frente compensa a dor.

Dois estados de espírito são mostrados no epílogo da obra. A arte da guerra parece não dar orgulho aos seus praticantes. Um tipo diferente de guerreiro nos é apresentado por Kurosawa, um tipo essencialmente humanista, que apesar de felicitar-se pela vitória na guerra e pela alegria de seus protegidos, chora e lamenta sinceramente aqueles mortos que também lutaram para que tal momento ocorresse. E num clímax lírico, o corte final nos deixa reflexivos sobre o significado daquilo que acabamos de ver.

Entre as espadas nos túmulos e a cantoria dos camponeses, percebemos que a luta pela vida continua. Não há espaço para se dizer mais nada. Como em um haikai lido pausadamente, o filme termina dizendo muito em poucas palavras. Kurosawa chega ao fim de sua eterna obra-prima com uma conclusão antibelicista: a despeito da vitória de um lado, não há vencedores em uma guerra.

Os Sete Samurais (Shichinin no Samurai) — Japão, 1954
Direção:
 Akira Kurosawa
Roteiro: Akira Kurosawa, Shinobu Hashimoto, Hideo Oguni
Elenco: Toshirô Mifune, Takashi Shimura, Keiko Tsushima, Yukiko Shimazaki, Kamatari Fujiwara, Daisuke Katô, Isao Kimura, Minoru Chiaki, Seiji Miyaguchi, Yoshio Kosugi, Bokuzen Hidari, Yoshio Inaba, Yoshio Tsuchiya, Kokuten Kôdô, Eijirô Tôno
Duração: 207 min.

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