Histórias solo do Batman que lidam diretamente com o sobrenatural são normalmente desafios para seus roteiristas em razão de esse super-herói ser normalmente conectado com ameaças mais terrenas. No entanto, é muito interessante quando o equilíbrio é encontrado, algo que pode ser visto, por exemplo, em Chuva Rubra e Gótico, dentre outras várias narrativas de qualidade que caminham pelo fio da navalha entre o real e o místico. A mais nova minissérie do selo Black Label da DC Comics tendo o Cruzado Encapuzado como protagonista é Lua Cheia (Full Moon) em que, como o título deixa entrever, ele precisa enfrentar um lobisomem sanguinário que surge depois que ocorre um incêndio na Wayne Pharmaceuticals.
No entanto, Rodney Barnes, que assina o roteiro, segue um caminho estranho que é ao mesmo tempo simplista, óbvio e contraditório. Simplista porque a narrativa base, ou seja, um homem amaldiçoado pela lincatropia que estava sendo estudado pelo Dr. Kirk Langstrom, o Morcego Humano, não passa de uma corrida atrás do monstro que, claro, carrega aquelas pitadas trágicas típicas. Óbvio porque o artifício mais banal possível é usado aqui, ou seja, a transformação de Bruce Wayne em um lobisomem antes da mesmo da metade da minissérie, algo que justamente por ser esperado, poderia ter sido evitado, especialmente se o objetivo é desfazer a maldição algo que até a penúltima página é tido como impossível por várias pessoas do lado científico e místico. E, finalmente, contraditório porque boa parte da discussão que vemos ao longo das páginas das quatro edições que formam a minissérie gravitam ao redor do conflito entre a ciência e o sobrenatural, com Bruce Wayne recusando-se terminantemente a aceitar que o segundo sequer existe.
Se estivéssemos falando de um Batman de outro universo em que o surgimento de um lobisomem é a única manifestação sobrenatural vista pelo herói, poderíamos aceitar o terceiro ponto. Mas não é o caso e, mesmo que fosse, na minissérie Bruce Wayne namora ninguém menos do que a própria Zatanna e lida com um ciumento John Constantine enchendo a paciência com seus cigarros e demonstrações bobas de ciúmes. Seria como se Wayne negasse a própria existência de sua namorada, algo que, convenhamos, ultrapassa o limite do razoável mesmo para alguém que supostamente tem suas crenças firmemente alicerçadas no que é tangível e comprovável.
E, por essas razões, Lua Cheia fracassa narrativamente até mesmo quando lida com o drama de Christian Talbot, ex-soldado que, durante um conflito na Romênia, recebeu a maldição do lobisomem, pois esse seu conflito interno é raso como um pires, com uma resolução tanto interna quanto externa que não passam de dedos sendo convenientemente estalados para que a história seja encerrada no número de páginas pré-estabelecido. E, com isso, o que sobre é a principal razão para a criação do selo Black Label, que substituiu, em grande parte, a inteligência da Vertigo pela pura e simples violência. Nada contra ver um gigantesco lobisomem mutilando e matando pessoas durante a lua cheia e também nada contra ver o Batlobisomem – com direito a um morcego no peito – saindo no tapa com o lobisomem, mas, quando a violência passa a ser a razão de ser da história, ela também passa a ser repetitiva, redundante e, no final das contas, apenas um espetáculo sádico sem um subtexto que realmente justifique o que vemos.
A arte de Stevan Subic é deslumbrante, mas somente quando ele desenha monstros e monstros cometendo atos de violência. Seu desenho pintado é fascinante e, quando ele tem páginas inteiras para trabalhar apenas um quadro, a coisa fica melhor ainda. Por outro lado, quando humanos estão envolvidos, inclusive o próprio Batman, vemos a bala de prata que derruba o artista, já que ele desenha feições muito feias para todos e, mais do que isso, irregulares, com algumas páginas sendo substancialmente diferentes do que outras, como se ele estivesse experimentando a melhor maneira de trabalhar rostos. Quando a narrativa mergulha completamente no sobrenatural e, portanto, na pancadaria pura, isso é menos sensível, claro, mas, até lá, com a participação do Comissário Gordon, Alfred e outros personagens criados para a minissérie, chega a ser um pouco desagradável ver rostos em constante mutação, por assim dizer, sem que isso seja elemento narrativo da história, lógico.
Batman: Lua Cheia é, portanto, um exercício muito falho que não sabe realmente inserir Batman em um contexto sobrenatural que faça valer o esforço. Diferente das obras citadas no começo da presente crítica e de outras várias, o que Barnes faz, aqui, é muito claramente uma desculpa para transformar o super-herói em um lobisomem sem oferecer nada de real valor em contrapartida. Subic até consegue elevar a qualidade de parte do que vemos ao longo das quatro edições, mas acaba sendo pouco demais para o artifício valer a pena.
Batman: Lua Cheia (Batman: Full Moon, 2024/25)
Contendo: Batman: Full Moon #1 a 4
Roteiro: Rodney Barnes
Arte: Stevan Subic
Letras: Rus Wooton
Editora: DC Comics (Black Label)
Data original de publicação: 16 de outubro e 20 de novembro de 2024; 1º de janeiro e 05 de março de 2025
Páginas: 128