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Crítica | Paradise – 1ª Temporada

Entre segredos e mentiras.

por Ritter Fan
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Paradise, em sua primeira temporada, é, essencialmente, um whodunnit, ou seja, um suspense investigativo que orbita ao redor da tentativa de se descobrir o responsável por um assassinato. Quem é a vítima? Ninguém menos do que o presidente dos Estados Unidos, encontrado morto pela manhã em seu quarto pelo agente do Serviço Secreto que lidera o destacamento responsável por sua proteção e que assume para si a versão informal da investigação. Mas Paradise está inserida em um contexto maior, contexto esse que muda completamente o que assistimos nos quase 50 minutos iniciais e que é revelado nos últimos segundos do primeiro episódio, passando a exigir algumas doses extras de suspensão da descrença, e que eu não abordarei na presente crítica, o que certamente tem o potencial de torná-la um pouco críptica, mas que, creio, vale o esforço.

Não há grande novidade na estrutura narrativa central que busca descobrir quem matou o presidente Cal Bradford (James Marsden, o Ciclope original da franquia X-Men do cinema), já que ela é uma sucessão de incrementos de pequenas descobertas em meio a uma grande quantidade de segredos e atitudes suspeitas de basicamente todos os mais importantes personagens, começando, em uma ponta, pelo próprio agente Xavier Collins (Sterling K. Brown, de This Is Us e, recentemente, Ficção Americana), que demora meia hora para relatar que o presidente está morto e terminando, na outra, pela bilionária Samantha “Sinatra” Redmond (Julianne Nicholson, de The Outsider e Mare of Easttown) que é a líder de um “clube de bilionários” que inclui o próprio vice-presidente, e que parece controlar cada aspecto do país e estar acima do presidente (qualquer semelhança com a realidade não passa, claro, de mera coincidência…). Narrativamente, temos o uso dos bons e velhos – e também batidos e um pouco cansativos – flashbacks que preenchem os vazios e que dão estofo dramático para contar as histórias tanto macro, da investigação, quanto micro, dos personagens.

A revelação ao final do primeiro episódio e que justifica todo o estranhamento que a minutagem anterior certamente causará ao espectador mais atento – falo de basicamente tudo, da iluminação chapada, passando pela arquitetura peculiar dos cenários e de todo o cuidadoso e asséptico design de produção, além de um certo comedimento nos diálogos e atitudes dos personagens – acrescenta uma outra camada à narrativa central que, a partir do segundo episódio, passa a ser deslindada também pelo uso de flashbacks que se tornam inevitavelmente mais constantes e mais misteriosos, ainda que sempre fazendo tudo caminhar ordenadamente para a frente até que, surpresa, surpresa, tudo acaba ganhando explicações e contextualizações completas quando a temporada chega ao seu oitavo e último episódio que, claro, abre as portas (literalmente, diria) para um segundo ano que será potencialmente bem diferente do primeiro.

Enquanto o assassinato em si parece comum, bem do tipo “já vimos isso antes”, a grande verdade é que Sterling K. Brown, apesar de viver um agente um tantinho quanto ingênuo demais para o meu gosto, mostra mais uma vez como ele tem presença e comando de tela impressionantes. Desde os primeiros segundos em que o vemos saindo de casa para correr até os tensos minutos finais do derradeiro episódio, ele é o “capitão do navio”, um ator que mesmo ausente de determinadas sequências faz-se sentir ali. Sua capacidade de manter impassividade inteligente enquanto parece fervilhar com dor, raiva, dúvida, desgosto e amor logo abaixo da superfície de sua epiderme é impressionante e merece todo o destaque possível. Julianne Nicholson, que, para todos os efeitos, vive a mais vilanesca personagem, é como o polo oposto, em que tudo nela parece exalar malevolência, mas não como um vilão barato de James Bond, mas sim como alguém que tem certeza absoluta de que está fazendo o melhor não para si, mas sim para o povo americano. Fazendo a ponte entre esses dois personagens, é importante salientar a atuação de Sarah Shahi (Adão Negro e Vermelho, Branco e Sangue Azul) como a Dra. Gabriela Torabi, psicóloga especializada em luto que tem o dom de transitar entre a verdade e a mentira em um movimento lentamente pendular que funciona muito bem para criar coesão à narrativa, inclusive oferecendo explicações didáticas que ganham o verniz de orgânicas.

Até mesmo James Marsden, talvez pela primeira vez na vida, conseguiu mostrar latitude dramática de respeito em um papel que parece ter sido torneado exatamente para ele, um político a contragosto que viveu sua vida controlado pelos desejos e ordens de seu pai em um primeiro momento e de todos aqueles que exercem influência em sua carreira política em um segundo momento e que, pessoalmente, é um homem destruído e autodestrutivo, mesmo mantendo resquícios de integridade e de moralidade. Seu personagem, que somente é visto vivo em flashbacks, talvez seja o mais trágico da temporada, com direito até mesmo a tocantes momentos em que a humanidade do presidente aflora, como a cena em que ele se compadece por um faxineiro de longa data da Casa Branca ou como ele estabelece uma relação profunda de respeito e amizade com  Xavier.

Com esse cuidado todo na direção de atores e construção de personagens, os roteiros ganham outro sabor e conseguem sair do mero lugar-comum a que estariam destinados se estivéssemos diante seja de um whodunnit padrão, seja de um whodunnit envelopado em um mistério maior que, como já disse, é revelado já no primeiro episódio e desenvolvido e explicado nos demais, culminando no penúltimo que, confesso, me desapontou um pouco pelo quanto ele deixa de evocar urgência e pelo quanto o que vemos me pareceu simplista demais. Sendo muito sincero, a tal da grande revelação é até bem sacada, eu sei, mas ela perde seu real poder na medida em que a história progride, por vezes até me fazendo indagar se esse artifício narrativo foi só um chamariz para diferenciar a série e não algo realmente necessário dentro da infraestrutura da produção. Tenho certeza de que muitos terão opiniões divergentes sobre o que penso, mas confesso que, mesmo que a temporada mantenha-se interessante até o fim, não sei o quanto desse interesse realmente é sustentado pelo mistério maior e não pelo “feijão com arroz” bem feito do “quem matou Cal Bradford?”, ainda que o finalzinho justifique o caminho escolhido para além do que até lá é mostrado.

Paradise estranhamente não me prendeu por sua supostamente grande revelação, mas sim já de imediato pelo whodunnit (eu adoro whodunnits…) e pelas atuações de Sterling K. Brown e demais membros do elenco (mas especialmente Brown), além de uma atmosfera de paranoia bem sustentada por mentiras e segredos. Dan Fogelman soube o momento exato de encerrar a temporada, dando espaço para apenas poucos momentos de enrolação e entregou algo que é razoavelmente raro de se ver por aí, ou seja, um primeiro ano que efetivamente desvenda seus enigmas, encerra por completo um arco narrativo, e prepara uma segunda temporada – que já recebeu luz verde – que tem potencial de ser quase uma outra série.

Obs: É impressionante como Paradise guarda semelhanças com outra série, de outro serviço de streaming, que não vou especificar para evitar spoilers, mas que, quem viu, será capaz de traçar esse paralelo de imediato. Ah, spoilers liberados nos comentários!

Paradise – 1ª Temporada (Paradise – EUA, 28 de janeiro a 04 de março de 2025)
Criação e showrunner: Dan Fogelman
Direção: Glenn Ficarra, John Requa, Gandja Monteiro, Hanelle Culpepper
Roteiro: Dan Fogelman, Katie French, Jason Wilborn, Scott Weinger, Stephen Markley, Gina Lucita Monreal, John Hoberg, Nadra Widatalla
Elenco: Sterling K. Brown, James Marsden, Julianne Nicholson, Krys Marshall, Sarah Shahi, Nicole Brydon Bloom, Aliyah Mastin, Percy Daggs IV, Jon Beavers, Cassidy Freeman, Gerald McRaney, Enuka Okuma, Richard Robichaux, Matt Malloy, Charlie Evans, Ian Merrigan, Michelle Meredith
Duração: 427 min. (oito episódios)

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