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Crítica | A Agência (2024) – 1ª Temporada

Espionagem para gente grande.

por Ritter Fan
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Sob certos aspectos, a franquia James Bond incutiu, no imaginário popular, a imagem de que um espião ou agente secreto é um sujeito bonitão que se veste muito bem, bebe martini, lida com as mais exageradas situações sem sofrer muito mais do que alguns arranhões e, claro, encanta toda e qualquer mulher que passa pela sua frente, seja amiga ou inimiga. Não há nada de eminentemente errado nessa concepção, mas ela contaminou a tal ponto a produção de filmes e séries que giram sobre esse tema que é relativamente difícil encontrar exemplares que tentam abordar, com algum realismo, o que pode ser a vida de espiões e como suas respectivas agências funcionam.

A Agência, adaptação americana da série francesa Le Bureau des Légendes, criada por Éric Rochant e que foi ao ar entre 2015 e 2020, é uma tentativa muito bem-sucedida de lidar com os aspectos psicológicos e burocráticos desse microcosmo tão explorado pelo audiovisual, só que costumeiramente de maneira bem mais espalhafatosa. A série desenvolvida pelos irmãos britânicos Jez e John-Henry Butterworth esforça-se em apresentar o mundo da espionagem no estilo John Le Carré de ser, ou seja, seguindo uma pegada mais intimista e mais relacionada com as regras do jogo que podemos ver, por exemplo, em Tinker Tailor Soldier Spy, tanto a minissérie de 1979 protagonizada por Alec Guinness, quanto o longa de 2011 protagonizado por Gary Oldman que foi batizado por aqui de O Espião Que Sabia Demais.

Resumindo bastante – e, com isso, deixando muita coisa de fora – a primeira temporada de A Agência lida essencialmente com o preço que se paga por agentes que encerram e começam infiltrações profundas em outros países, assumindo novas identidades e profissões. Isso, por si só, pelo menos para mim, tornou-se objeto de imediata fascinação, já que a série vai a fundo ao lidar com dois agentes – um veterano e uma novata – em narrativas exatamente opostas e que, ainda por cima, têm pouco, quase nenhum tangenciamento, o que é sempre um risco, mas que a dupla Butterworth tira de letra. O agente veterano que é ordenado a voltar para o escritório londrino da CIA depois de seis anos infiltrado sob outra identidade como professor universitário no Sudão é Brandon Colby, codinome Martian, vivido por um compenetrado Michael Fassbender e a agente recém treinada que tem como missão infiltrar-se em um instituto de geofísica para conseguir ser enviada para o Irã é Daniela “Danny” Ruiz Morata, codinome Gremlin, vivida por Saura Lightfoot-Leon. Basta olhar os nomes dos atores para concluir, acertadamente, que a história que gira diretamente ao redor do personagem de Fassbender é mais relevante do que à de Lightfoot-Leon, mas isso é natural e, mais ainda, esperado, pois Danny funciona mais como uma porta de entrada para a segunda temporada da série. E isso não é spoiler.

É que outra característica pouco comum de A Agência é contar uma história que, já na largada – ou pelo menos antes da metade de sua temporada inaugural – fica evidente que não acabará em apenas 10 episódios. Mas calma: o arco inicial acaba nesse tempo. Mas, diferente da regra geral de séries que arma a segunda temporada apenas no final da primeira, A Agência é uma narrativa fluida, sem solavancos significativos que não disfarça sua intenção de contar algo que vai além do que é possível abordar nesse começo. Trata-se de outra aposta arriscada, obviamente, pois a série poderia não ter uma segunda temporada e as pontas soltas, que são muitas, se perderiam, mas a boa notícia é que ela já foi renovada para um novo ano. O que realmente, importa, porém, é a franqueza e coragem dos roteiros em entregar algo que tem seu próprio tempo e que não corre para chegar ao seu fim.

Se a história de Danny é mais objetiva e segue uma linha narrativa única e subsidiária às demais, a de Martian é extremamente complexa, começando pelas sequelas psicológicas de se passar seis anos como outra pessoa – sua identidade era Paul Lewis – que são amplificadas pela vigilância cerrada de sua própria agência que, por protocolo, é obrigado a suportar, pela terapia que tem que fazer com a Dra. Rachel Blake (Harriet Sansom Harris), pela tentativa de se reconectar com sua filha Poppy Cunningham (India Fowler) e, mais importante do que tudo isso, o reaparecimento da Dra. Samia Fatima “Sami” Zahir (Jodie Turner-Smith), que  fora sua amante no Sudão e por quem ele se apaixonara, em plena Londres. E, como se isso não bastasse, tudo é envelopado por uma inesperada situação em que um agente da CIA infiltrado na Bielorrússia acaba preso e potencialmente sequestrado, o que põe em perigo diversas operações em andamento que ele tinha conhecimento e afeta o equilíbrio geopolítico no Leste Europeu. Parece muita coisa, mas é impressionante como os roteiros dão conta de tudo, com tempo até mesmo para algumas sequências de ação em solo britânico, bielorrusso e ucraniano que emprestam aquela excelente característica de boas obras do gênero em que um movimento mal pensado no tabuleiro pode afetar diversas outras peças. No entanto, é importante não esperar, de forma alguma, ação desenfreada e enlouquecida repleta de explosões e de cortes de milissegundos, pois não há nada disso aqui.

A fotografia acinzentada e triste que domina a série poderia muito facilmente ser vista como uma mera tentativa de se emular a Londres de clichê, ou seja, a cidade perenemente escurecida por uma chuvinha fraca, mas constante, mas a verdade é que essa escolha vai muito além disso e funciona como um espelho da mente conturbada de Martian que sente dificuldade em readaptar-se, mas se recusa em discutir o assunto e que ganha camadas extras de claustrofobia e escuridão quando o personagem está no externamente horrível e internamente apático apartamento funcional designado pela CIA. Essa paleta de cores acinzentada só é realmente quebrada pelos magníficos figurinos coloridos de Sami, o amor da vida de Martian (e sim, podemos encarar a temporada também como uma história de amor), o que só reforça a ideia de que a vida, para o agente, só ganha cores ao lado dela. Além disso, a fotografia faz muito uso de tomadas através de vidros e contando com muitos reflexos para aumentar a sensação de paranoia, de constante observação, algo que  é da natureza de um espião, mas que, claro, deve ser extremamente cansativo estressante.

Contando com um elenco de apoio do mais alto gabarito, especialmente Jeffrey Wright como chefe imediato de Martian, Katherine Waterston como ex-operadora de Martian e, agora, operadora de Danny, John Magaro como operador do agente sumido e até uma pequena participação de Richard Gere como o chefe da estação de Londres da CIA, a série refestela-se nas minúcias de operações complexas acompanhadas quase que completamente de forma remota que montam um quebra cabeças que, mesmo que não possamos chamar de real (afinal, não é documentário…), aceitamos com facilidade como verossímil. A Agência certamente não tem martini batido, e não mexido ou gadgets impossíveis, mas tenho para mim que Bond, James Bond não resistiria uma semana no ambiente tenso, sufocante e estafante de seu colega Martian.

A Agência (The Agency – EUA, de 29 de novembro de 2024 a 24 de janeiro de 2025)
Data de exibição no Brasil: 29 de novembro de 2024 a 14 de fevereiro de 2025
Desenvolvimento: Jez Butterworth e John-Henry Butterworth (baseado em série criada por Éric Rochant)
Direção: Joe Wright, Philip Martin, Zetna Fuentes, Grant Heslov, Neil Burger
Roteiro: Jez Butterworth, John-Henry Butterworth
Elenco: Michael Fassbender, Jeffrey Wright, Jodie Turner-Smith, Katherine Waterston, Harriet Sansom Harris, John Magaro, Saura Lightfoot-Leon, Andrew Brooke, India Fowler, Reza Brojerdi, Alex Reznik, Richard Gere, Kurt Egyiawan, Ambreen Razia, Alex Jennings, Curtis Lum, Marcin Zarzeczny, Adam Nagaitis, Bilal Hasna, Tom Vaughan-Lawlor, Sabrina Wu, Edward Holcroft, Sergej Onopko, Oleksandr Rudynsky, Tim Samuels, Hugh Bonneville, David Harewood, Dominic West
Duração: 499 min. (10 episódios)

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