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Crítica | O Agente Noturno – 2ª Temporada

O que era bom, tornou-se genérico.

por Ritter Fan
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  • spoilers. Leiam, aqui, a crítica da temporada anterior.

Quem liga agora para o telefone secreto no subsolo da Casa Branca e pede “Ação Noturna” é o próprio Peter Sutherland (Gabriel Basso) depois que sua primeira missão como Agente Noturno dá muito errado em Bangkok, vitimando sua superiora e mentora Alice Leeds (Brittany Snow) e dando início a uma espiral investigativa que Peter começa secretamente, somente para, um mês depois, ser finalmente localizado e ajudado por sua ex-parceira Rose Larkin (Luciane Buchanan), que ele não via há quase um ano. Ou seja, exatamente como na primeira temporada de O Agente Noturno, tudo começa com um assassinato e um telefonema que reúne Peter e Rose em um thriller de espionagem repleto de reviravoltas que, na medida em que os episódios passam, ganha dimensões maiores e mais complexas.

Mas o segundo ano da bem-sucedida série que já foi renovada para uma terceira temporada não é somente uma nova versão da mesma coisa que vimos antes, mas, também e, principalmente, uma versão bem menos inspirada do que a aventura inaugural. O que antes era puro improviso de um agente do FBI inexperiente ao lado de uma jovem ex-diretora de empresa de tecnologia cujos tios são assassinados, o que leva a dupla, basicamente sozinha e na força do ódio (e ocasionalmente do amor), a desbaratar uma conspiração que objetiva assassinar a presidente dos EUA, agora é uma razoavelmente burocrática narrativa que coloca o mesmo agente do FBI, com 10 meses de treinamento especial como Agente Noturno, ao lado da agora funcionária de empresa de tecnologia que reprograma um software para localizar em 10 minutos seu amigo/paixão/namorado/crush caçado há um mês pelo poderio da própria organização em que trabalha, para investigar um caso bastante genérico sobre compra e venda de informações confidenciais por informantes/traidores de agências governamentais.

Temos a obrigatória conspiração terrorista que ameaça matar milhares de pessoas como pano de fundo, a desconfiança suprema de Peter de qualquer pessoa dentro ou fora de sua própria agência, a presença milagrosa e completamente inverossímil de Rose, que resolve tudo digitando três ou quatro palavras no Google, a tentativa de controle da situação por uma particularmente engenhosa Catherine Weaver (Amanda Warren), líder da supersecreta agência Ação Noturna, a iraniana que trabalha para o embaixador de seu país que quer fugir com sua família para os EUA e, claro, o misterioso e barbado chefão de uma organização vilanesca que faz a compra e venda de informações sigilosas como em um bazar persa. Em outras palavras, é aquela sucessão de tropos narrativos que já vimos antes tantas vezes que nossa memória nos prega peças constantes com diversos momentos de déjà vu que só reafirmam que uma série que mostrou seu potencial já havia usado todas as suas cartadas.

E não é que a primeira temporada não seja também uma sucessão de tropos narrativos clássicos, pois ela é. A diferença é que lá eles foram muito bem usados, criando aquela gostosa  sensação de urgência e a quase irresistível tentação de assistir tudo de uma vez dada a maestria como os cliffhangers dos episódios foram construídos. A segunda temporada parece não se esforçar tanto e a produção surfa no nome e no sucesso do primeiro ano, primeiro tentando manter a estrutura anterior, com Peter ainda sendo alvo de desconfianças, desta vez por Catherine, e Rose entrando na história de maneira inteligente, mas ficando nela de maneira forçada, atabalhoada, inverossímil e, em última análise, completamente idiota, por vezes até criando momentos de revirar os olhos que a transforma em Grilo Falante, ou bússola moral para Peter, ficando desesperada por espiões terem que… rufem os tambores… fazer coisas de espião, como se, na cabecinha inocente dela, o mundo girasse ao som de uma valsa, tivesse o aroma de margaridas do campo e as cores vivas de O Mágico de Oz.

Além disso, a temporada recorre a um dos artifícios mais preguiçosos que uma série pode recorrer, que é a introdução de personagens de uso único ou quase até tarde na história, falhando em construir uma rede realmente orgânica, que apresenta o recorte de seu universo e o usa até o fim, sem precisar inventar coisas novas a cada episódio, somente para descartá-las no seguinte. E o mais engraçado é que toda a construção de personagens – e eu uso o termo “construção” de forma bastante liberal aqui – se dá por meio de flashbacks convenientes, do tipo que existem somente para explicar ou reiterar determinadas ações no presente. E vão por mim: há um monte de pequenos flashbacks. Com isso, o próprio Peter não ganha desenvolvimento algum e Rose… bem… Rose torna-se uma chata de galochas cuja presença é uma mistura de conveniência de roteiro com puro suco de chatice do nível que dá vontade de gritar para a tela pedindo para ela voltar para a Califórnia, de onde veio, ou até mesmo tropeçar ao descer as escadas, ter uma concussão, e passar o restante dos episódios em coma.

Eu até dou valor à Shawn Ryan por tentar lidar com Peter Sutherland em fases, ou seja, com a primeira temporada transformando um herói injustiçado com um passado complicado com seu pai em um sujeito capaz de tudo para lidar com as situações impossíveis em que se mete e com a segunda temporada reintroduzindo-o como um super agente secreto ainda em treinamento tentando agarrar-se a valores que ele não pode mais se dar ao luxo de se agarrar e Basso consegue entregar isso dramaturgicamente, vale dizer. Eu realmente gosto dessa abordagem, e ela fica ainda melhor quando o fantasma do passado do pai de Peter visita o protagonista, em uma boa reviravolta no penúltimo episódio, mas o problema é que essa linha narrativa se perde dentre as várias tramas paralelas e convergentes que bagunçam a história a tal ponto que fica cansativo acompanhar, algo que pode ser exemplificado de maneira mais contundente com todo interminável vai-e-vem da história da pobre faz-tudo iraniana Noor Taheri (Arienne Mandi), que representa a culminação da enrolação e da suprema falta de criatividade.

O segundo ano de O Agente Noturno não é terrível, porém, por mais que meus comentários possam levar à essa conclusão. Havia muito claramente uma boa história ali, talvez não tão boa quanto a primeira, mas ainda assim boa o suficiente para merecer ser levada à telinha. Mas Shawn Ryan parece ter decidido não assumir riscos, caminhando pelo mesmo caminho já viajado, seja ao forçar Rose na história, seja por tentar manter Peter como um agente que age por conta própria que é alvo de preconceito por parte de sua superiora. E, como se isso não bastasse, a temporada ganha uma quantidade tão grande de enxertos narrativos que ela passa a atirar para todos os lados sem realmente encontrar seu alvo ou mesmo uma direção única. E, nessa brincadeira toda, a novidade relativa da primeira temporada vai pelo ralo, sendo substituída por aquela incômoda pegada genérica, mesmo que mantendo, em algum grau, sua capacidade de reter a curiosidade do espectador a cada final de episódio. Quem sabe Ryan não volta a acertar na terceira temporada, já que o gancho deixado é promissor?

O Agente Noturno (The Night Agent – EUA, 23 de janeiro de 2025)
Desenvolvimento: Shawn Ryan (baseado em romance de Matthew Quirk)
Direção: Guy Ferland, Adam Arkin, Ana Lily Amirpour, Nina Lopez Corrado, Millicent Shelton
Roteiro: Shawn Ryan, Tiffany Shaw Ho, Corey Deshon, Imogen Browder, Anayat Fakhraie, Munis Rashid, Lukas Johnson
Elenco: Gabriel Basso, Luciane Buchanan, Amanda Warren, Arienne Mandi, Louis Herthum, Berto Colon, Keon Alexander, Michael Malarkey, Brittany Snow, Teddy Sears, Albert Jones, Marjan Neshat, Anousha, Navid Negahban, Rob Heaps, Elise Kibler, Marwan Kenzari, Dikran Tulaine, Fola Evans-Akingbola
Duração: XXX min. (10 episódios)

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