Assistir a Chico Bento e a Goiabeira Maraviósa é uma experiência que emociona e arranca sorrisos de qualquer espectador, conseguindo a proeza de disputar com Lições (2021) o posto de melhor produção do Monicaverso. É gratificante ver um projeto realizado com tanto carinho e cuidado, especialmente quando se trata de um personagem tão querido. Adaptações de Chico Bento são desafiadoras, pois seu meio social é frequentemente retratado de forma estereotipada ou inferiorizada em produções audiovisuais. Ciente disso, o diretor Fernando Fraiha dedicou-se a capturar a inocência e o charme do Chico dos quadrinhos e, felizmente, conseguiu entregar um trabalho que respeita as origens e a essência do personagem, equilibrando, de maneira exemplar, o tom lúdico e o impacto social que marcam as histórias ambientadas na roça.
A trama é simples, em sua essência, mas profundamente significativa em sua mensagem. Chico Bento enfrenta aqui o desafio de salvar sua amada goiabeira, ameaçada pela construção de uma estrada que corta a região. Ao lado de seus amigos Zé Lelé, Rosinha, Tábata e Hiro, Chico lidera uma resistência que é, ao mesmo tempo, inocente e poderosa. Numa visão desatenta, o roteiro pode parecer ingênuo, mas está bem longe disso, pois traz à tona questões complexas sobre a luta pela terra, a preservação ambiental e o embate entre tradição e progresso. “Que mundo é esse que troca goiaba por asfalto?”, pergunta Chico, e a frase ecoa como um grito de alerta contra os valores distorcidos de uma sociedade que, em nome do lucro, desconsidera o essencial.
Apesar de não aproveitar muito o espaço da roça – o diretor utiliza poucas locações, algo que limita um pouco o impacto visual do filme –, a sensação de movimento é constante. As crianças estão o tempo inteiro correndo de um lado para o outro, e essa energia vibrante, muito bem fotografada, dá alma à fita. Contudo, o que realmente se destaca é a ligação de Chico com a terra, com a roça e, principalmente, com a goiabeira. Há até mesmo um ingrediente místico que liga o protagonista à árvore, e isso é explorado de forma visualmente deslumbrante nas cenas de transformação de espécies (formiga, árvore e pássaro), protagonizadas por uma Taís Araújo que encarna o espírito da goiabeira. Aqui, Fraiha encontra uma poética que transforma o simples em grandioso, numa abordagem cheia de lirismo e beleza que faz jus ao universo representado.
Isaac Amendoim é, sem dúvidas, a encarnação de Chico Bento. A doçura, a naturalidade, a comicidade e inteligência do personagem estão estampadas no rosto do ator mirim, que faz o público acreditar que ele é o Chico que todos conhecemos. Outro grande destaque vai para Pedro Dantas, que interpreta Zé Lelé com uma energia irresistível e um tempo cômico impecável. O elenco adulto também brilha, com especial menção a Débora Falabella, como a professora Marocas, e Thais Garayp, como a inesquecível Vó Dita. Embora tenha gostado de todos os coadjuvantes adultos, não tenho certeza sobre o tom de representação para os pais de Chico, especialmente Nhô Bento, que me pareceu imensamente mais ingênuo do que parece nos quadrinhos, o que incomoda um pouco.
Ao retratar a vida e as questões do campo, o filme acerta ao inserir elementos que ampliam a experiência infantil para algo mais reflexivo, com Chico Bento convidado e ensinado a ouvir opiniões diferentes e a enxergar o mesmo problema de ângulos diversos. Essa abordagem tem um impacto direto na narrativa, levando à transformação palpável do protagonista em um líder de resistência camponesa (sem enrolar com pregações ou teorias cansativas, focando diretamente no que interessa: a ação), e isso reflete um amadurecimento que vai muito além de sua idade, mas que nunca parece forçado. O vilão, Dotô Agripino, embora caricato em certos momentos, é um contraponto necessário para que essa jornada de resistência tome forma. O embate final, mesmo que exagerado em sua execução, faz parte do escopo narrativo para esse tipo de obra e serve como um fecho engraçado para a trama, mostrando, inclusive, que os adultos raramente ouvem o que as crianças têm a dizer, mesmo quando estão falando verdades importantes.
Chico Bento e a Goiabeira Maraviósa valoriza as raízes, a amizade e a luta por aquilo que realmente importa na vida. Ao narrar uma aventura infantil com camadas tão ricas de significado, o diretor e sua equipe não apenas entregam um produto cinematográfico de grande charme e qualidade, mas também uma ode à resistência e à humanidade das pessoas do campo. A história é leve, mas profunda; simples, mas carregada de implicações sociológicas que reverberam muito além de sua duração. É uma obra que fala com as crianças, mas que também dialoga com os adultos, lembrando-nos de que a verdadeira riqueza está naquilo que não pode ser comprado ou vendido. E, no final, não é apenas a goiabeira que Chico salva; é também uma parte essencial de todos nós.
Chico Bento e a Goiabeira Maraviósa (Brasil, 2024)
Direção: Fernando Fraiha
Roteiro: Elena Altheman, Raul Chequer, Fernando Fraiha
Elenco: Isaac Amendoim, Pedro Dantas, Anna Júlia Dias, Davi Okabe, Guilherme Tavares, Lorena Oliveira, Luís Lobianco, Augusto Madeira, Enzo Henrique, Débora Falabella, Taís Araújo, Rafael Saraiva
Duração: 90 min.