A breve passagem de John Byrne nos roteiros e arte da revista do Incrível Hulk nos anos 80, reunida pela Panini na coletânea Batismo De Fogo, é um período curioso na história da Marvel e do Hulk. Essa run não só deixou um grande legado para o verdão, mas seus turbulentos bastidores levaram Byrne a deixar a Marvel e ir para a DC, onde reinventou o Superman, em uma das mais célebres fases do azulão. Embora tenha os seus problemas de ritmo, é impressionante como em poucas edições Byrne mudou todo o Status Quo em torno do Hulk, e orientou muito do que seria feito com o personagem nos anos seguintes. Byrne assumiu os roteiros de O Incrível Hulk de Bill Mantlo, que por sua vez substituiu Byrne em Tropa Alfa. Passando-se após a famosa Saga da Encruzilhada, a fase de Byrne começa com o Hulk de volta à terra após o seu tempo na dimensão da encruzilhada. O plano do roteirista era trazer o Hulk de volta às raízes como um monstro trágico e solitário, mas também revirar o status quo do personagem. A primeira história, publicada em The Incredible Hulk Annual, a única a não contar com a arte de Byrne, parece perseguir essa volta às origens pretendida pelo autor, ao mostrar o Hulk enfrentando um cientista louco, que o captura no deserto para realizar experimentos com fins egoístas.
Mas a história que Byrne está interessado em contar começa mesmo na mensal do herói, onde o Doutor Samson captura o Hulk para realizar um tratamento que possa separar Bruce Banner de seu alter-ego. O tratamento funciona, mas sem a persona de Banner para equilibrá-lo, o Hulk vira um ser de pura fúria e sai em um rompante destrutivo pelo país. Sendo considerado responsável pela libertação da criatura, Samson se torna um fugitivo e, sentindo-se culpado pelos estragos causados pelo Hulk, inicia sua própria cruzada para destruir o monstro. Embora a arte de Byrne nas sequências de ação seja ótima, as passagens envolvendo a caçada de Samson ao Hulk se tornam repetitivas. Basicamente, Sanson caça o Hulk, o encontra, toma um sarrafo, e depois o processo recomeça. Curiosamente, as ideias mais interessantes de Byrne estão nos trechos dedicados a Bruce Banner. Após um pouco de drama médico, onde vemos Bruce quase morrer devido aos efeitos de sua separação do Hulk, salvo apenas por um tratamento experimental autorizado por sua prima, a Mulher Hulk, vemos o cientista tomar uma decisão intrigante. Banner não só assume o controle da Base Gama, como monta um novo esquadrão Caça-Hulk, por acreditar que é sua responsabilidade deter o monstro. Paralelamente, também vemos Betty Ross, a grande paixão da vida de Banner, voltar à vida dele.
Embora essa não tenha sido a primeira vez que Bruce e o Hulk foram separados, foi a primeira vez que isso ocorreu por um período mais extenso e com consequências duradouras. Byrne parece especialmente interessado nas inversões de papéis no que diz respeito ao núcleo de Banner. Em menor escala, Jennifer assume o papel que seu primo assumiu quando a submeteu a um experimento de risco para salvar a vida dela, mas, mais interessante, vemos Banner assumir uma posição semelhante à de seu grande inimigo, o General Ross, ao se tornar obcecado em matar o Hulk. Byrne sugere que a felicidade do cientista está muito próxima, ao fazê-lo não só reatar o relacionamento com Betty, mas também promover o casamento dos dois, mas aponta também que o Hulk continua a ser uma sombra sobre essa felicidade, e dessa vez, pelas próprias escolhas de Banner.
Há versões conflitantes sobre o que provocou a saída prematura de Byrne depois de apenas seis edições, com alguns dizendo que a editoria da Marvel não estava satisfeita com o rumo que o roteirista deu ao personagem, ainda que tais mudanças tivessem sido supostamente aprovadas em um pitching prévio. Mas a pá de cal na run de Byrne foi a sua contribuição para a revista Marvel Fanfare, onde vemos o Hulk ter um encontro com um velho índio enigmático, logo antes de ser atacado por dois caçadores de recompensa. O que chama a atenção nessa história é a escolha de Byrne por construí-la completamente com quadros de página inteira, o que rendeu desenhos bem caprichados, mas também enfureceu a editoria da Marvel por essa “trapaça”. Tirando esse fator, essa ainda é uma história interessante, ao mostrar o Hulk, agora livre da persona de Banner, encontrando a sua própria personalidade e senso de paz, mostrando o interesse do autor de explorar tanto o lado mais civilizado e pacífico do Hulk quanto o lado mais frio e cruel de Banner.
As histórias de John Byrne no Hulk reunidas em Batismo De Fogo tem seus problemas de ritmo, vide o conflito entre Sanson e o Hulk que nunca vai para a frente. Percebe-se também que se trata de uma fase interrompida, já que as seis edições, e os dois especiais apenas armam o terreno para conflitos que seriam desenvolvidos mais tarde, ainda que o autor dê algum senso de finalidade à sua fase ao encerrá-la no casamento de Bruce e Betty, que ainda é uma passagem constrangedora, pelo casal não ver problema em continuar a cerimônia, mesmo após o pobre Ricky Jones ser baleado pelo embriagado General Ross. Dito isso, é inegável a influência que a fase de Byrne teve nos anos seguintes na trajetória do Hulk nos quadrinhos. A longa e celebrada fase de Peter David à frente do Golias Esmeralda seria construída diretamente sobre as ideias que Byrne apresentou aqui, com fases como a do Hulk Cinza e a do Professor Hulk sendo herdeiras diretas do que foi visto em Batismo De Fogo. Fica a curiosidade de saber como teria sido se John Byrne tivesse concluído seus planos para o Hulk, sem essa interrupção de sua turbulenta saída, mas mesmo que breve, o trabalho do autor e desenhista com o personagem continuou a ecoar por muito tempo na trajetória do Golias Esmeralda.
Hulk: Batismo De Fogo (Estados Unidos, Dezembro de 1985 a Maio de 1986)
Contendo: The Incredible Hulk #314 – 319 + The Incredible Hulk Annual #14 + Marvel Fanfare #19)
Roteiro: John Byrne
Arte: John Byrne, Sal Buscema
Letras: Don Dutch
Capas: John Byrne
Editoria: Dennis O’Neil, Don Daley
Edição lida para a crítica: Panini. Março de 2022
216 Páginas