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Crítica | Jurado Nº 2

Doze Homens e uma Sentença com um perturbador twist.

por Ritter Fan
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Vou pedir vênia aos meus leitores e começar a presente crítica afirmando com todas as letras que Jurado Nº 2 é mais um inacreditável exemplo do quanto Hollywood precisa repensar profundamente seu modelo econômico e sua forma de valorizar seus grandes nomes. Clint Eastwood vem dirigindo e/ou estrelando filmes com consistente qualidade e sucesso de bilheteria exclusivamente para a Warner Bros. há nada menos do que 50 anos e Jurado Nº 2, provavelmente seu último trabalho de direção em razão de sua idade avantajada (94 anos), foi lançado em menos do que 50 salas de cinema nos EUA, seguindo quase que imediatamente para o streaming e só realmente chegando ao grande circuito no Reino Unido. É como se a Warner tivesse acordado e percebido que Eastwood já deu o que tinha que dar e precisava se livrar dele de alguma forma, ainda que, ironicamente, em termos de faturamento por sala, seu filme tenha sido um dos maiores sucessos de 2024.

Independente da estupidez, desrespeito e descaso da Warner – mais um exemplo dentre tantos outros e obviamente não só desse estúdio – Jurado Nº 2 é um grande filme que, se for mesmo o canto do cisne de Eastwood, fechará com chave de ouro uma carreira absolutamente incrível de um dos nomes mais importantes do Cinema dos Estados Unidos e um dos poucos que atuou em quase todas as posições de destaque na indústria cinematográfica, de ator a diretor, de compositor a produtor, em uma quantidade invejável de produções, várias delas com lugar de destaque no panteão do audiovisual. O filme, com roteiro original escrito por Jonathan A. Abrams, inacreditavelmente seu primeiro trabalho nessa cadeira, é uma inteligente releitura do clássico Doze Homens e uma Sentença que presta homenagem ao clássico de Sidney Lumet e, ao mesmo tempo, cria uma história totalmente própria que poderia ser sintetizada com a seguinte indagação: o que aconteceria se o personagem de Henry Fonda no longa de 1957 percebesse que pode ser o responsável pela morte da vítima?

Na história, Nicholas Hoult vive Justin Kemp, um jornalista convocado para ser jurado em um caso de assassinato percebe, no primeiro dia de julgamento, que Kendall Carter (Francesca Eastwood, filha do diretor), a mulher supostamente assassinada pelo acusado e seu namorado James Michael Sythe (Gabriel Basso), pode ter sido morta inadvertidamente por ele próprio enquanto ele dirigia em uma noite chuvosa, por uma estrada sem iluminação. Tomado por dúvidas e pelo possível peso da culpa, quando o embate entre a promotora pública Faith Killebrew (Toni Collette) e o defensor público Eric Resnick (Chris Messina) é encerrado e os jurados se recolhem para deliberar, todos votam quase que instantaneamente pelo veredito “culpado”, cabendo a Kemp, então, “dar uma de Henry Fonda” e tentar mudar a opinião de seus 11 colegas sem, porém, dar a entender que ele potencialmente sabe o que realmente aconteceu.

A única coisa que o roteiro pede a nós, espectadores, é que suspendamos brevemente nossa descrença e aceitemos a coincidência que é o possível verdadeiro assassino – que é também um alcoólatra e tem uma esposa na fase final de uma gravidez de risco – seja convocado para ser jurado no caso de sua possível vítima e que ele, claro, não saiba nada do caso antes de o julgamento começar. Quando isso é ultrapassado logo nos primeiros minutos da projeção, o que Eastwood faz é uma espertíssima navegação primeiro pelo que efetivamente pode ter acontecido na noite fatídica, algo que é ilustrado por econômicos flashbacks rashomônicos que têm como gatilho os depoimentos das testemunhas e, claro, as lembranças traumatizantes do protagonista, e, depois, pelo que Justin Kemp decide fazer na sala dos jurados, algo que ganha cor e diversas variáveis pelas participações de outros atores como J. K. Simmons e Adrienne C. Moore.

Não se trata, porém, de um filme “de câmara” como o de Lumet, com a sala dos jurados sendo um dos diversos ambientes que vemos, dentre eles o tribunal, a casa de Justin e de sua esposa Allison “Ally” Crewson (Zoey Deutch), o local da reunião dos alcoólicos anônimos presidida por Larry Lasker (Kiefer Sutherland em uma ponta) que também faz as vezes de advogado de Justin e, claro, o bar de beira de estrada onde boa parte dos flashbacks acontece. Com isso, o roteiro de Abrams e a direção de Eastwood oferecem uma visão completa da situação, jogando para o colo do espectador a decisão sobre os atos do protagonista e também de outros personagens como os jurados que votam unicamente para se livrar da obrigação e também da promotora pública que usa esse caso politicamente, para conseguir ganhar uma eleição. Mas a grande questão mesmo é mesmo perguntar a nós o que faríamos no lugar de Justin e Eastwood mostra destreza ao trabalhar sua câmera de maneira a manter a ambiguidade pelo maior tempo possível, o que contribui para a tensão, mas também para as dúvidas tanto sobre o caso como também em relação à central, obviamente.

E, nesse processo complexo, o diretor extrai uma ótima atuação de Hoult, talvez em seu melhor trabalho até agora, e também dos costumeiros medalhões, como são os casos de Simmons (ainda que ele basicamente viva o mesmo tipo de personagem sempre) e Collette, cujo personagem tem sobre seus ombros o mesmo tipo de decisão que Justin precisa tomar, decisão essa que inclusive ameaça corroer os alicerces sobre os quais ela construiu sua carreira. A direção de fotografia de Yves Bélanger, que trabalhou com o diretor em A Mula e O Caso Richard Jewell usa a sobriedade como arma e ela permanece essencialmente funcional, direta, com iluminação artificial e paleta de cores chapada, sem grande movimentação de câmera, como se ela se retraísse da narrativa para abrir espaço para as indagações, para os dilemas e para o excelente e perturbador estudo da natureza humana que o longa se propõe a fazer.

Clint Eastwood merecia um tratamento muito melhor do estúdio a que se dedicou por tantas décadas e vê-lo em sua décima década de vida tendo seu filme relegado quase que exclusivamente ao streaming é uma tristeza, um revoltante movimento cíclico de uma indústria que para de valorizar seus astros quando decide que eles não são mais úteis. Mas o premiado diretor mostra que ainda está em completo domínio de seu ofício e entrega um longa-metragem que, se for mesmo o último, marcará com qualidade o fim de uma carreira impressionante.

Jurado Nº 2 (Juror #2 – EUA, 2024)
Direção: Clint Eastwood
Roteiro: Jonathan A. Abrams
Elenco: Nicholas Hoult, Toni Collette, J. K. Simmons, Chris Messina, Gabriel Basso, Zoey Deutch, Cedric Yarbrough, Leslie Bibb, Kiefer Sutherland, Amy Aquino, Adrienne C. Moore, Zele Avradopoulos, Phil Biedron, Bria Brimmer, Jason Coviello, Francesca Eastwood, Chikako Fukuyama, Rebecca Koon, Hedy Nasser, Drew Scheid, Onix Serrano
Duração: 114 min.

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