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Crítica | Vidas Sem Rumo

Tentando fugir da realidade.

por Kevin Rick
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Baseado no livro The Outsiders, de S. E. Hinton, a adaptação Vidas Sem Rumo é um longa curioso na filmografia do grande Francis Ford Coppola, que vinha de produções complicadas de alto orçamento como O Poderoso Chefão: Parte II, Apocalypse Now e O Fundo do Coração, para fazer um coming-of-age de juventude rebelde, com investimento mais tímido e um escopo pequeno. Em tese um filme de menor expressão na carreira do cineasta, a obra acabou catapultando a carreira de vários atores ainda jovens à época, como Matt Dillon, Ralph Macchio, Patrick Swayze, Rob Lowe, Diane Lane, Emilio Estevez e Tom Cruise, e com o passar dos anos ganhou até um status cult no meio dos cinéfilos.

De maneira geral, a narrativa acompanha o conflito entre duas gangues rivais de americanos brancos divididos por seu status socioeconômico, com a classe trabalhadora, chamados de Greasers, e os jovens ricos, chamados de Socials, se referindo a sua alta classe social. Vemos a história majoritariamente pela perspectiva de Ponyboy Curtis (C. Thomas Howell), um órfão criado por seus dois irmãos mais velhos, Darry (Swayze) e Soda (Lowe), que acaba se envolvendo em um conflito com alguns Socials quando começa a conversar com uma garota chamada Cherry Valance (Lane). A briga se escalona e eventualmente o grupo começa a afogar Curtis em uma fonte, momento em que seu amigo Johnny (Macchio) esfaqueia e mata um dos garotos, chamado Bob (Leif Garrett), dando estopim para uma série de problemas.

O que vemos a partir disso é um roteiro bem padrão sobre delinquentes, com tópicos sobre violência doméstica, abuso infantil, pobreza e suicídio seguindo as vidas sem perspectiva dos personagens principais. O texto de Kathleen Rowell não é exatamente aprofundado, se aproveitando de vários bons clichês e tramas batidas de juventude interrompida, mas o trabalho dramático funciona dentro de seus recortes de desesperança, negligência e marginalização, com destaque para a forma natural que retrata os relacionamentos e conversas entre os personagens. Também podemos ver uma veia melodramática e emocionalmente exagerada em algumas cenas, principalmente quando alguns dos personagens fazem discursos sobre sua realidade ou quando choram e se abraçam, mas até nesses momentos o drama é relacionável, muito por conta do ótimo trabalho de todo o elenco carismático e talentoso.

O que é curioso, porém, é como Coppola acaba dando um estilo fabular para uma história mais realista. O cineasta mantém, sim, uma abordagem dura para sequências trágicas, como a morte de Bob, o sofrimento de Johnny no hospital após sofrer queimaduras ou o suicídio de Dallas (Dillon) na reta final da história, mas ele também se desvia desse aspecto em vários blocos da produção para entregar algo estilizado, doce e praticamente romântico. Durante a fuga de Curtis e Johnny, por exemplo, o diretor faz várias cenas visualmente lindas sobre os jovens contra o pôr-do-sol, com frames focados em seus rostos quase como quadros e sequências deles passeando pela paisagem. É um exercício estilístico notável, mas que não se encaixa completamente na narrativa, tirando a tensão da fuga, o medo da captura e o peso da morte de Bob.

Essa falta de tom segue o filme inteiro, que às vezes flerta até com o teatral e o musical, como nas sequências que as gangues rivais se encontram e brigam, com direito a trilha sonora de rock altíssima e um cunho que parecer querer evocar a inocência de Nos Tempos da Brilhantina. A narrativa vai passando por essas estranhas transições e a visão de Coppola, se ainda visualmente estonteante e extremamente divertida, soa arbitrária, ao ponto da obra perder nuances pelo fato de não ter um foco temático, visual ou sensorial. Num momento é trágico, logo depois despretensioso, aí fica comovente e os recortes da história perdem o peso emocional e o sentido do conteúdo, ainda que os arcos dos personagens sejam bem delineados e tragicamente bonitos dentro do enredo.

A sensação que fica é de que Vidas Sem Rumo é uma produção experimental para Coppola, que parece não saber criar uma linha para sua visão da obra, ainda que a experiência do filme em si esteja longe de ser ruim. Só é algo bagunçado, estranho, divertido, tocante, mágico, realista, doce e brutal, tudo ao mesmo tempo. Talvez a proposta até seja essa, passando pelos exageros e as mudanças da caótica juventude, ainda mais uma com tantas atribulações quanto essa retratada aqui, mas é difícil se identificar ou ser imerso dentro de um filme que não parece saber completamente o que quer nos passar, ainda que as mensagens finais sobre os problemas desse grupo de personagens fique bem clara e as lições morais sejam bonitas. Não diria que esse longa é um clássico, mas é uma obra interessante de assistir, seja pela abordagem curiosa de Coppola, seja pela maneira como se comunica de várias formas com adolescentes e jovens.

Vidas Sem Rumo (The Outsiders, EUA, 1983)
Direção: Francis Ford Coppola
Roteiro: Kathleen Rowell (baseado no livro The Outsiders, de S. E. Hinton)
Elenco: C. Thomas Howell, Matt Dillon, Ralph Macchio, Patrick Swayze, Rob Lowe, Diane Lane, Emilio Estevez, Tom Cruise, Leif Garrett, Glenn Withrow
Duração: 114 min

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