- Há spoilers. Leiam, aqui, as críticas dos demais episódios.
Creio que vale começar a presente crítica dissipando dúvidas que porventura tenham ficado sobre o que estou achando de Comando das Criaturas até agora, pois pode ter ficado a impressão de que desgosto da série, enquanto que isso não é verdade. A nova versão daquilo que James Gunn já mostrou algumas vezes que sabe fazer, ou seja, histórias sobre equipes compostas por pessoas e/ou criaturas heterogêneas lutando por livre e espontânea vontade ou não em prol de um objetivo em comum, é um passatempo bacaninha, daqueles que não agrega e nem detrai de um final de dia movimentado. Meu maior “senão” é que, mesmo repetindo o tipo de história que Gunn já contou diversas vezes, ele poderia ter construído algo de mais valor nos três episódios iniciais, já que as únicas cenas realmente acima daquela incômoda média, até agora, no agregado, foram relacionadas ao mais do que interessante passado da Noiva. Todo o restante é, apenas… okzinho, mas nunca péssimo ou algum adjetivo tão negativo assim.
E Caçando Esquilos, fico feliz em constatar, entrega o que O Colar de Turmalina teve de melhor acompanhado da primeira vez até agora em que vemos a história principal, ou seja, a missão que levou à criação do Comando das Criaturas, andar efetivamente para frente e não somente para os lados. É como se a série estivesse finalmente saindo do automático e fazendo com que o presente e o passado caminhem de braços dados, sem que um prevaleça demais sobre o outro e crie histórias de origem como a do Robô Recruta que não só foi completamente deslocada, como nadou contra o próprio conceito do que é flashback, construindo uma história pregressa que não consegue fazer nada pelo personagem em termos narrativos.
Com a equipe toda de volta para casa, Rick Flag para a A.R.G.U.S. com Circe prisioneira para ser interrogada por Amanda Waller e o restante para Belle Rêve, descobrimos por meio da transferência da presciência da vilã de Themyscira para a marionetista-mor que, basicamente, a Princesa Ilana Rostovic será basicamente responsável pelo fim do mundo e a morte de todos os heróis, em uma daquelas visões de futuro tão completamente exageradas e extremas que sequer parece se encaixar na relativa modéstia da série. Seja como for, pelo menos com isso Comando das Criaturas ganha um contorno mais relevante e uma urgência maior do que apenas a invasão de um reino por um feiticeira amazona que, claro, poderia ter dado outro jeito de alcançar seu objetivo sem fazer o estardalhaço todo que fez. Gostei muito que Rick Flag tenha se recusado a cumprir a ordem de Waller para que a princesa seja assassinada, pois isso cria pelo menos um personagem na série que pensa antes de agir e que pode servir de contrapeso para sua chefa, essa sim mais monstruosa do que todos os monstros juntos.
Também gostei da forma como o Monstro de Frankenstein retorna para a história, achando, em sua loucura, que Rick e a Noiva estão tendo um caso e partindo para tomar satisfações com o líder da equipe, somente para revelar-se como um sujeitinho ainda mais asqueroso do que já era, uma fraca e insegura criatura que tem músculos no lugar de cérebro, todo corroído por uma obsessão doentia por alguém que ele acha que ama. Essa caracterização bastante radical para o personagem é, diria, fascinante, bem melhor do que eu poderia imaginar que fosse, ainda que eu tenha certeza que vai ter gente por aí se descabelando e dizendo que Gunn o mudou completamente em relação ao que está nos quadrinhos e assim por diante, algo tão obtuso quanto o próprio Monstro e sua monocórdia fixação pela Noiva. Melhor ainda é que, com isso, Rick Flag tem seu próprio exército de um monstro só para tentar salvar a vida da princesa no que me parece um conflito que terá natureza de profecia autorrealizável, ou seja, a tentativa de assassinato e as consequências a partir daí é que levará à profecia de Circe a ser realizada (ou a começar a ser realizada, claro).
Deixando o melhor para último, os flashbacks que, em essência, “retconam” o passado que todo mundo (inclusive nós) havia sido informado sobre o Doninha é uma jogada de mestre que consegue criar uma história boa – ainda que 100% clichê, o que não é algo automaticamente ruim, só mesmo uma constatação – que reveste de personalidade o personagem, afastando-o da pura caracterização imbeciloide e nojenta que ele vinha tendo desde O Esquadrão Suicida. Diferente do passado substancialmente inútil do Robô Recruta, aqui temos algo que rivaliza a história de origem da Noiva, com a advogada Elizabeth Bates (Linda Cardellini), personagem dos quadrinhos que Gunn resgatou lá do alçapão do segundo fundo falso do baú de referências da DC Comics, servindo de catalisadora para as dolorosas memórias do bicho que, porém, na prática em nada o ajudam, tornando tudo ainda mais trágico do que é e transformando-o para sempre em algo bem diferente do que ele era para nós, espectadores.
Caçando Esquilos, portanto, é o que Comando das Criaturas poderia – deveria! – ser o tempo todo, com Gunn mostrando de verdade que sabe contar uma boa história repleta de horror e drama sem se esquecer que tudo precisa ser organicamente encaixado em um todo maior. Fica a torcida, portanto, para que os três episódios finais da temporada (ou é uma minissérie?) consigam manter essa qualidade e, ao mesmo tempo, levar a narrativa até seu fim.
Comando das Criaturas – 1X04: Caçando Esquilos (Creature Commandos – 1X04: Chasing Squirrels – EUA, 19 de dezembro de 2024)
Desenvolvimento: James Gunn
Direção: Sam Liu
Roteiro: James Gunn
Elenco (vozes originais): Frank Grillo, Indira Varma, Sean Gunn, Alan Tudyk, Zoë Chao, David Harbour, Maria Bakalova, Anya Chalotra, Viola Davis, Linda Cardellini
Duração: 26 min.