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Crítica | Satisfação: A Arte do Orgasmo Feminino, de Kim Cattrall e Mark Levinson

Pensando Samantha Jones: quando personagem se funde com intérprete, qual imagem prevalece?

por Leonardo Campos
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Samantha Jones: um nome marcante na ficção seriada televisiva. Interpretada por Kim Cattrall, essa icônica personagem é a comprovação de que a atuação na indústria do entretenimento é, muitas vezes, um exercício de transformação e entrega total. Contudo, ao longo da trajetória de uma atriz, é comum que alguns papéis se tornem tão icônicos que essa figura pública fique permanentemente associada a eles. A dificuldade de dissociar o desempenho dramático de personagens marcantes é um fenômeno complexo, que envolve diversos fatores, desde a construção da identidade artística até a percepção do público e da crítica. Figura importantíssima do quarteto de Sex and The City, conhecida por ser um furacão na cama, espaço dominado por experiências sexuais diversas, nos coloca diante de um questionamento: será que na vida real, a loira também goza dos privilégios de exercer a sua sexualidade com de forma tão vigorosa? A atriz, no texto de abertura, deixa claro para os leitores que a resposta é um sonoro não. Consciente do sucesso e da projeção de sua personagem na série e nos filmes do universo em questão, ela reflete sobre essa conexão costumeiramente realizada pelo público receptor, mas alega que durante muito tempo esteve longe de se parecer com a figura ficcional que a consolidou na televisão, após uma carreira já estabelecida no cinema.

Samantha Jones é forte e memorável porque se tornou um símbolo de empoderamento feminino e liberdade sexual. Publicitária bem-sucedida e uma mulher que desafia as normas sociais e os estereótipos de gênero da sua época, o perfil de Samantha vai além de sua personalidade audaciosa, sendo ela um reflexo de uma nova era da sexualidade e da independência feminina, lá no final dos anos 1990, hoje um debate ainda mais avançado. Desde o início da série, Samantha se destaca por sua confiança e atitude destemida. Enquanto suas amigas, Carrie, Charlotte e Miranda, enfrentam dificuldades em suas vidas amorosas e questionam suas escolhas, Samantha parece possuir um controle inabalável sobre sua sexualidade e relacionamentos. Ela abraça a ideia de que as mulheres podem ser sexualmente ativas sem precisar de compromisso, algo que era considerado tabu na década em questão. Este traço a torna uma pioneira no discurso sobre sexualidade, especialmente em uma sociedade que frequentemente julgava as mulheres por suas escolhas sexuais. Olhando por esse prisma, pensamos: uau, como essa mulher se diverte.

Mas é apenas um personagem, como já mencionado. Satisfação: A Arte do Orgasmo Feminino, escrito pela atriz, em parceria com o marido, o músico Mark Levinson, trata justamente sobre um dos pontos mais debatidos em Sex and The City: o prazer sexual feminino, aqui, com ilustrações elucidativas de Fritz Drury, numa edição em capa dura, muito cuidadosa e atraente, veiculada pelo selo Prestígio, da Ediouro, em 2002. Não é um livro datado para quem o acompanha, duas décadas depois, mas o texto traz para o debate tópicos mais voltados aos relacionamentos heterossexuais, numa iniciativa da atriz que reforça ser esse livro, um manual sobre o amor e os relacionamentos, não necessariamente sobre sexo. Ela expõe o longo período na história das mulheres que nunca souberam o que é um orgasmo, por desconhecimento do próprio corpo ou por incapacidade dos seus parceiros em lidar com as peculiaridades do corpo feminino. Assim, de nicho, o livro é apresentado ao público como um manual sem regras rígidas, mas com direcionamentos que funcionarão quando adaptados para a realidade de um casal. Aproveitando a onda diante da visibilidade de sua personagem na televisão, Kim Cattrall se desnuda como no programa, trazendo revelações sobre sua trajetória pessoal para incentivar outras mulheres.

Com textos curtos e ilustrações muito delicadas ao longo de suas 143 páginas, o livro é uma aula teórica com demonstrações para a prática, sobre os possíveis caminhos para a assertiva exploração do corpo feminino nos relacionamentos entre casais, tendo como iniciativa, educar sexualmente homens e mulheres, promovendo a satisfação mútua. O orgasmo feminino sempre foi um tema repleto de tabus e preconceitos em diversas culturas ao redor do mundo. Esse fenômeno não se restringe apenas ao aspecto físico, mas se entrelaça com questões sociais, culturais, religiosas e históricas. Entender por que o orgasmo feminino é considerado um tabu envolve uma análise que abrange a sexualidade feminina, a objetificação e a desinformação sobre o prazer. Uma das principais razões para o tabu que envolve o orgasmo feminino é a forma como a sexualidade feminina foi historicamente tratada. Durante séculos, a sociedade patriarcal tem minimizado e, em muitos casos, silenciado o prazer das mulheres.

Um exemplo claro é a ideia de que as mulheres deveriam ser puras e subservientes, enquanto os homens eram encorajados a explorar e expressar sua sexualidade livremente. Essa dicotomia reforçou a ideia de que o prazer feminino era algo vergonhoso ou inapropriado, o que gerou uma falta de diálogo sobre o assunto. Essa desinformação e a falta de educação sexual nas escolas contribuem para que o orgasmo feminino seja visto como um tabu, relegando as mulheres a um papel secundário na experiência sexual, algo que o livro, bem como a personagem da série mencionada anteriormente, mudam em suas respectivas apresentações para o público. Além disso, a representação da sexualidade feminina na mídia e na cultura popular frequentemente perpetua estereótipos que distorcem a realidade. O orgasmo feminino, muitas vezes, é retratado de maneira superficial ou fantasiosa, caminhando para um ideal que não corresponde à experiência real da maioria das mulheres. Isso pode criar uma desconexão entre expectativas e experiências, levando a sentimentos de inadequação e vergonha entre mulheres que não conseguem alcançar o orgasmo sob essas pressões externas. A falta de representatividade e de narrativas variadas sobre a sexualidade feminina alimenta ainda mais o tabu.

Ademais, indo além do que é retratado em Satisfação: A Arte do Orgasmo Feminino, temos as crenças culturais e religiosas que também desempenham um papel significativo na construção desse tabu. Em muitas sociedades, a sexualidade feminina é vista apenas em um contexto reprodutivo, o que ignora a plenitude do prazer que essa experiência pode oferecer. Em alguns casos, práticas como a mutilação genital feminina são justificadas pela suposta necessidade de controlar o desejo sexual das mulheres, o que é, em última análise, um reflexo do poder patriarcal que busca limitar a autonomia feminina sobre seu próprio corpo. Essa opressão se reflete em como as sociedades lidam com o orgasmo feminino, geralmente como um aspecto de vergonha em vez de celebração. Outro fator importante está relacionado à saúde sexual e ao conhecimento sobre o corpo feminino. Muitas mulheres ainda não têm informação adequada sobre sua própria anatomia e a fisiologia do prazer. A falta de educação sexual abrangente e inclusiva perpetua a desinformação, resultando em um ciclo de ignorância e tabu. Muitas vezes, o entendimento errôneo sobre o orgasmo feminino faz com que as mulheres se sintam envergonhadas ou inseguras sobre suas próprias respostas sexuais, dificultando a busca pelo prazer.

No geral, um livro com reflexões e técnicas sobre o assunto. Para ler, aprender e aplicar.

Satisfação: A Arte do Orgasmo Feminino (Satisfaction: The Art of The Female Orgasm/Estados Unidos, 2002)
Autor: Kim Cattrall, Mark Levinson
Ilustrações: Fritz Drury
Tradução: Rita de Assis Sampaio
Editora no Brasil: Ediouro (2002)
Páginas: 146

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