Avaliação da temporada:
(não é uma média)
- Há spoilers.
Superman & Lois foi, sem dúvida alguma, a maior vítima do fim da The CW da forma como a emissora e produtora era conhecida e o recomeço do Universo Cinematográfico DC, agora sob a gerência de James Gunn e Peter Safran. A redução drástica de seu orçamento na quarta temporada e, ato contínuo, o anúncio de que ela seria o último ano da série, em circunstâncias normais, não seria nada incomum no mundo da televisão se a obra comandada por Todd Helbing não fosse a melhor de todas do chamado Arrowverse (eu sei que tecnicamente ela não é desse universo, mas sua origem por lá, então está valendo) e, como se isso não bastasse – e eu sei que a afirmação pode ser polêmica para alguns – a melhor adaptação live-action do Superman desde o clássico filme de 1978.
Infelizmente, porém, é isso o que aconteceu com uma série que poderia ter ido um pouco além de apenas quatro temporadas, ainda que eu seja partidário da tese de quanto menos temporadas melhor. Superman & Lois, então, teve grande parte do elenco principal transformado em recorrente e toda sua linha narrativa envolvendo Lex Luthor e Apocalypse, além de, claro, a adaptação da fraca HQ A Morte do Superman, ganhando um passo mais acelerado, sem muito espaço para cuidado com desenvolvimentos compassados. E isso sem falar no quanto a falta de dinheiro representou para os efeitos em computação gráfica tão necessária em uma história que teria que ter pelo menos duas das mais épicas trocas de socos entre Superman e seus inimigos. No entanto, Todd Helbing operou milagres aqui e entregou uma derradeira temporada que, em mãos menos habilidosas, provavelmente seria capenga e até desalmada. O showrunner manteve-se fiel ao que estabeleceu desde o começo da série, ou seja, trabalhar quase que obsessivamente a humanidade do Superman, elevando, como já disse várias vezes, o man para muito além do super, escolha que justamente captura a essência do personagem, essência essa tão facilmente esquecida por aí.
Se, na terceira temporada, o Superman enfrentou seu maior inimigo, o câncer avassalador em Lois Lane, agora ele enfrenta sua literal humanidade quando, ao ser ressuscitado com o coração humano de Sam Lane, passa a ter uma constante redução de poderes e, além disso, a envelhecer como um humano comum. Não há teste melhor para a humanidade do Superman do que aproximá-lo da fisiologia humana e, ao longo de roteiros que inevitavelmente oscilaram em qualidade, esse aspecto nunca, em momento algum foi esquecido: estávamos diante de um Superman enfrentando sua mortalidade e lidando com isso de maneira exemplar. Em outras palavras, Helbing mais uma vez fez o que notabilizou seu comanda da série, ou seja, prezou pela construção dos personagens principais, algo que costuma ser mais do que suficiente para compensar outras fragilidades práticas, como é a economia necessária em CGI que, hoje em dia, passou a ser a maior atração de qualquer obra, enquanto deveria ser aquilo que ela nasceu para ser: um complemento, uma forma de materializar narrativas antes impossíveis.
E, sendo bem sincero, apesar de eu não ligar muito para a perfeição de computação gráfica (justamente por eu sempre considerá-la um complemento), até nesse quesito a produção da derradeira temporada conseguiu driblar o que muito facilmente poderia ser aquele horror que vimos no filme supostamente solo do Flash. Não estamos diante de bits e bytes irretocáveis, mas sim diante de bits e bytes que fazem o que bits e bytes deveriam fazer em todo filme e série: dar conta do recado sem atrapalhar e/ou atropelar a história. Sim, é CGI com “problemas”, mas o ponto é que ele nunca realmente incomoda no contexto em que é usado, mostrando exatamente aí o cuidado cirúrgico no seu emprego.
Esse cuidado cirúrgico refletiu-se, também, na forma como Helbing lidou com a morte do Superman. Sim, houve uma morte “falsa”, mas a mágica está justamente aí, em dar esperança ao espectador de que tudo vai ficar bem, enquanto que, na verdade, foi apenas uma forma de o showrunner trabalhar a outra morte, a derradeira, algo que aí sim permitiu o estudo sobre a mortalidade de um deus como mencionei mais acima. Sem a primeira morte, a cheia de fogos de artifício e dramática até não poder mais bem no estilo dos quadrinhos, a segunda morte não teria o mesmo impacto, não criaria o legado do Superman como o episódio final fez questão absoluta em sublinhar, mesmo enveredando pelo caminho da pura cafonice benigna. E, com isso, Superman & Lois teve sua jornada encerrada com uma improvável chave de ouro, desde já deixando saudades e estabelecendo, como também mencionei em minhas críticas, a base comparativa moderna para futuras adaptações audiovisuais do Azulão. James Gunn que se cuide!
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Como fazemos em toda série ou minissérie que analisamos semanalmente, preparamos nosso tradicional ranking dos episódios para podermos debater com vocês, lembrando que os textos abaixo são apenas trechos das críticas completas que podem ser acessadas ao clicar nos títulos dos capítulos. Qual foi seu preferido? E o pior? Mandem suas listas e comentários!
10º Lugar:
O Mundo Lá Fora
4X02
A amplificação do problema veio junto com a resolução, pois a forma como Lana e Sarah chegam ali não teve nada de orgânico, isso para usar um eufemismo, e o simples fato de só as duas aparecerem torna as demais ausências ainda mais óbvias e sensíveis. De novo, eu sei o porquê desse malabarismo todo da produção, mas é, pelo menos para mim, impossível relevar o incômodo que isso deixa. É particularmente difícil aceitar serenamente a falta que John Henry Irons faz nessa história da morte do Superman, de busca pelo coração roubado e assim por diante. A narrativa fica capenga e os esforços de Todd Helbing começam a mostrar o que nós já sabíamos, ou seja, que tudo tem limite e que ele não pode simplesmente fazer mágica, pelo menos não com constância o suficiente para sustentar 10 episódios dessa maneira.
9º Lugar:
Sempre Foi Meu Herói
4X03
Muito do que comentarei na presente crítica decorre eminentemente, mas não somente, de problemas relacionados com o pesado corte de orçamento que a série sofreu em sua última temporada, mas eu preciso começar com algo que eu já mencionei em críticas anteriores de Superman & Lois e que, aqui, não tem conexão alguma com dinheiro, que é o quão ridículo é ninguém, por mais próximo que seja do personagem, nem de longe desconfiar que Clark Kent é o Superman. Desculpem-me, mas o flashback em que Clark, sentado diretamente na frente de Sam Lane, revela sua identidade secreta, somente para o general rir da cara dele e, quando o repórter se levanta com música em crescendo e no contraluz, retira os óculos, ele cai para trás em descrença, é uma das sequências mais patéticas que já tive o desprazer de ver.
8º Lugar:
Viver e Morrer de Novo
4X09
Em termos estético-narrativos, fazer dos dois episódios finais da quarta temporada uma espécie de espelho da dobradinha composta pelo último episódio da ano anterior e primeiro desta, com o começo e (provavelmente) o fim da luta de Superman contra Apocalypse é sem dúvida uma escolha interessante que encerra o clico iniciado pela saída de Lex Luthor da prisão. O problema que Viver e Morrer de Novo tem para além da correria inerente a uma temporada final encurtada e com orçamento reduzido é semelhante ao visto em Homem Bem Vestido, ou seja, tratar os personagens como se eles fossem burros, algo que aconteceu exclusivamente em relação ao casal Lois e Clark antes, mas que, agora, como em uma epidemia, contaminou o restante do elenco.
7º Lugar:
Quebrar o Ciclo
4X05
Por outro lado, achei que faltou mais calma ao roteiro de Adam Mallinger e uma direção de Henstridge mais pausada, pois, apesar de não haver ação propriamente dita no episódio, tudo me pareceu corrido demais, conveniente demais, o que esvaziou um pouco o potencial dramático das representações antitéticas do amor e do ódio. Sei que só faltam cinco episódios para a série acabar, mas, mesmo assim, tenho para mim que ela teria se beneficiado de algo mais compassado. Aliás, falando em acabar, se o arco de Apocalypse realmente tiver acabado, pergunto-me o que acontecerá na segunda metade da temporada, pois a introdução de uma outra arma secreta por parte de Luthor não me parece ser a melhor solução dado o adiantado da hora.
6º Lugar:
O Fim e o Começo
4X01
O que não deu mesmo para driblar foi a sensível ausência de todos os personagens fora do núcleo Lane-Kent-Luthor. Lana Lang, sua filha e seu ex-marido provavelmente foram viajar juntos, Aço e Mini-Aço deviam estar na oficina com música alta mexendo em sua respectivas armaduras. E Chrissy provavelmente foi visitar a tia em Metrópolis. Aliás, com exceção de Chrissy, os demais sequer foram mencionados, o que fez com que o desaparecimento deles ficasse ainda mais evidente. Sim, eu sei que isso se deu em razão do orçamento e do rebaixamento de boa parte do elenco de “principais” para “recorrentes”, mas não dá para simplesmente ignorar o problema, mesmo que Helbing, como disse, tenha feito esforço para escondê-lo. O que fica, no final das contas, é a torcida para que esse “vazio” não estrague a série em sua estirada final, pois seria vergonhoso se isso acontecesse.
5º Lugar:
Um Casamento Perfeitamente Bom
4X04
São episódios como Um Casamento Perfeitamente Bom que fazem de Superman & Lois a série que ela é. Nada de pirotecnia – ok, um pouquinho só -, nada de dependência de computação gráfica e tudo da mais pura e genuína humanidade. Se a sensacional temporada anterior foi um complexo e emocionante estudo sobre o assunto ao colocar Lois gravemente doente e Superman completamente impotente diante dessa ameaça, o retorno do Homem de Aço à vida como um kryptoniano fragilizado por agora ter um literal coração humano de um homem de 60 anos que se sacrificou por ele é uma jogada de mestre de Todd Helbing, especialmente quando ele insere esse assunto dentro do contexto de um casamento, ou quase, em Smallville, bem ali no celeiro da fazenda Kent.
4º Lugar:
Homem Bem Vestido
4X08
Fazendo um esforço para esquecer dessa minha ponderação, tenho que admitir que Homem Bem Vestido funcionou muito bem para repaginar Lex Luthor, que aparece com suas feições clássicas, vestindo de verdade o terno de sua versão maligna corporativa que sempre o marcou nos quadrinhos. Claro que a mega-barba de Michel Cudlitz (que apropriadamente também dirige o episódio) era muito mais bacana, mas é perfeitamente compreensível que Amanda tenha sugerido ele encarar o mundo de rosto limpo, com seu “chapéu” de bilionário filantropo por quem as pessoas realmente gostar de torcer, seja no mundo da ficção, seja no real e é com isso que o plano dela conta, na verdade, plano esse que, claro, inclui obter para Luthor a armadura de Aço de forma que ele mesmo possa enfrentar o Superman em mais uma piscadela para os quadrinhos, piscadela essa feita de maneira lógica e orgânica, sem que Milton Fine (Nikolai Witschl, outra figurinha fácil de múltiplos papeis na CW, agora vivendo uma versão de Brainiac) construa algo do zero.
3º Lugar:
Quando as Luzes se Acendem
4X06
Talvez nem todo mundo tenha um preço, mas creio, do fundo do coração, que todo mundo, sem exceção, tem limite. E Quando as Luzes se Acendem é um ótimo exercício narrativo que nos faz aceitar o momento em que o pacato Clark Kent, que passou a vida inteira controlando a forma como usa seus poderes, perde as estribeiras, grita com Lex Luthor no meio da rua e, sob luzes que emulam a de um sol vermelho, sai em uma violenta pancadaria com o vilão. E esse momento climático e catártico, mesmo que completamente telegrafado pelo roteiro de Kristi Korzec, é consideravelmente satisfatório para nós, espectadores, que, apenas humanos que somos, provavelmente já imaginamos fazer coisas muito piores com pessoas que fizeram muito menos contra nós ou contra pessoas de que gostamos.
2º Lugar:
Passou Muito Rápido
4X10
Todd Helbing não entregou o que eu queria, mas sim MUITO MAIS do que eu queria, muito mais do que eu poderia imaginar e muito mais do que alguém jamais fez com o Superman na história do personagem no audiovisual. Aqui, o showrunner revelou-se como alguém que não só é corajoso, mas sim uma pessoa que não parece ter nenhum tipo de amarras com quem o que quer que seja, conduzindo sua criação pelos bons e maus momentos com altivez e a certeza de que está fazendo algo de valor, algo que agrega, algo que desafia o espectador. Eu disse várias vezes ao longo de minhas críticas dos episódios da série e vou repetir aqui com ainda mais vigor e certeza: desde 1978 que eu não vejo uma mente criativa elevar o man tão acima do super quando trabalha com o Superman. E que fique claro que Helbing não matou o Superman. Ao contrário, ele deu nova vida ao personagem, vida essa que merece aplausos.
1º Lugar:
Um Cara Comum
4X07
Com uma consistência de se tirar o chapéu, Helbing mostra que realmente entende a essência do mais importante super-herói dos quadrinhos e eleva o man sobre o super em uma série que, não tenho receio de afirmar, é o sarrafo moderno pelo qual todas as obras que gravitam ao redor do Superman de tempos recentes devem e deverão ser julgadas. Mesmo que inevitavelmente a série tenha que voltar à programação normal em seus três episódios finais, Um Cara Comum é o tipo de história que eleva Superman & Lois a algo realmente fora da curva, ao mesmo tempo que torna ainda mais doloroso seu cancelamento a destempo.