Ambientado 183 anos antes dos eventos da trilogia de filmes de O Senhor dos Anéis, A Guerra dos Rohirrim conta a história de Helm Mão-de-Martelo (Brian Cox), um lendário rei de Rohan que vê seu reino ameaçado quando um povo conhecido como Terrapardenses prepara uma invasão em suas terras. A guerra acontece por conta de um desentendimento antigo entre Helm e Freca (Shaun Dooley), um outro lorde de Rohan, que queria se tornar rei, onde ambos acabam em um conflito em que o usurpador é morto com apenas um soco. Seu filho, Wulf (Luke Pasqualino), é banido, jurando vingança contra Helm e sua família, incluindo a princesa Héra (Gaia Wise), que efetivamente é a protagonista do filme.
É difícil não ver a produção como uma desculpa corporativa, já que o projeto apenas foi realizado para que a produtora New Line Cinema não perdesse os direitos autorais das adaptações cinematográficas dos livros de Tolkien. É perceptível a sensação de que o filme foi feito de maneira apressada pela forma como a história é básica e genérica mesmo para os padrões de bons clichês desse universo, com um roteiro de cinco mãos – incluindo participação de Philippa Boyens, co-roteirista dos longas de Peter Jackson – que soa amador em muitas transições narrativas, desenvolvimentos de personagens e resoluções de tramas. No fim, a impressão geral é de que vimos uma versão ruim da batalha do Abismo de Helm, de As Duas Torres, apenas para que possamos descobrir como o lugar recebeu esse nome.
Mas estou me adiantando. Voltando à premissa da história, temos uma simples trama de vingança perpassando uma narrativa de protagonismo feminino, incluindo menções para organizações de mulheres guerreiras, tópicos de independência feminina em conflitos sobre casamento forçado e o papel da princesa no campo de batalha, e até uma narração de Miranda Otto como Éowyn, relembrando a grande heroína dos filmes de Jackson. Eu sei que os saudosistas e machistas de plantão ficam loucos, mas gosto da ideia por trás de Héra, até porque a animação é claramente inspirada em filmes da Ghibli e suas diversas protagonistas femininas. A execução, porém, deixa muito a desejar.
Héra é uma personagem completamente sem personalidade. Seu arco é resumido à princesa que não quer casar e que gosta da vida de aventura, com pouquíssimos momentos de destaque sendo reservados para a personagem ao longo do filme. Não ajuda o fato de que o antagonista também seja um poço genérico, restringido ao típico vilão cego por vingança que não tem nenhuma presença, nenhum bom diálogo e nenhum senso de identidade. Toda a narrativa segue essa toada não apenas previsível, mas indiferente, cheia de reciclagens dos filmes de Jackson (dos cenários até a trilha sonora), momentos didáticos para preencher lacunas desnecessárias de mitologia e acenos para personagens da franquia (como Saruman e Gandalf) para lembrarmos que ainda estamos nesse universo. A falta de um rigor da edição também é sentido, com uma narrativa lenta e mais extensa do que o necessário para a simplicidade do enredo.
Ademais, gosto não apenas da ideia por trás da premissa, como também da possibilidade de uma expansão para esse universo tão rico, ainda mais em uma mídia tão criativa como a de animação. Mais uma vez, porém, a execução não é totalmente satisfatória. Aqui, a mistura de 2D, 3D e captura de movimento inspirada em animes não funciona bem, com alguns momentos de estranhamento visual e problemas de movimentação dos personagens – não chega a ser tão ruim quanto rotoscopia, porém -, mas ainda temos muitos momentos de beleza visual, principalmente em termos de paisagem, e também boas cenas de ação, razão pela qual me pergunto o potencial de novas produções da franquia com mais tempo, mais rigor técnico e principalmente melhor direção, porque o trabalho de Kenji Kamiyama deixa muito a desejar.
O senso de amadorismo na construção de cenas talvez seja a pior característica da produção. Existe uma sequência que encapsula bem esse problema, em que alguns personagens estão em um resgate e uma personagem diz “eu tenho um plano”, para logo depois termos um corte com todos já dentro da base inimiga. Essas transições dentro da história são muito ruins, sem um senso de lógica interna e sem uma construção dos eventos que estamos assistindo, passando realmente a impressão de algo feito de qualquer jeito. Temos diversos momentos assim, sem falar da forma como a montagem varia muito mal entre sequências de lutas e longos momentos de conversações ao vento, atrapalhando ainda mais o ritmo de uma narrativa claudicante.
Para não dizer que o filme é de todo ruim, temos uma virada de chave no bloco final da produção, em que o exército de Wulf faz um cerco no conhecido Abismo de Helm – antes de ser chamado assim, claro -, em que a direção se inspira nos tons de horror que Jackson deu para os filmes, incluindo boas sequências de gore e uma presença forte de Helm – ainda que muito exagerado em força – lutando contra soldados e monstros, de longe o personagem mais carismático da produção. Após a morte de Helm, a narrativa volta a perder força no conflito ruim entre Héra e Wulf, mas a batalha em si segura um mínimo de atenção até o desfecho esquecível da história, com o antagonista morrendo por conta de sua vingança cega e a protagonista ganhando uma vida de liberdade da coroa.
A Guerra dos Rohirrim é uma história de fantasia qualquer que por acaso faz parte do universo de O Senhor dos Anéis, sendo uma produção de encomenda feita às pressas para que sua produtora pudesse manter os direitos autorais do material. Existem boas ideias aqui, além de um potencial muito grande com novos filmes no formato de animação, mas o resultado final é aquém do que o material rico de Tolkien pode ganhar em adaptações audiovisuais. Acho que é inevitável termos mais e mais obras dentro da franquia, ainda que às vezes menos seja mais, só que precisamos de roteiros melhores, seja no meio cinematográfico, seja no meio televisivo.
O Senhor dos Anéis: A Guerra dos Rohirrim (The Lord of the Rings: The War of the Rohirrim) – EUA, Japão, 05 de dezembro 2024
Direção: Kenji Kamiyama
Roteiro: Jeffrey Addiss, Will Matthews, Phoebe Gittins, Arty Papageorgiou, Philippa Boyens (baseado no universo de O Senhor dos Anéis, de J. R. R. Tolkien)
Elenco: Brian Cox, Gaia Wise, Luke Pasqualino, Miranda Otto, Lorraine Ashbourne, Yazdan Qafouri, Benjamin Wainwright, Laurence Ubong Williams, Shaun Dooley, Michael Wildman, Jude Akuwudike, Bilal Hasna, Janine Duvitski, Christopher Lee
Duração: 134 min.