O presépio, que representa o nascimento de Jesus Cristo em Belém, é uma das mais queridas e reconhecíveis tradições natalinas. Está pelos shoppings centers ao redor do planeta, na decoração da casa das pessoas, bem como nas representações artísticas mais diversas. É um dos elementos natalinos que carrega consigo uma rica simbologia. Reflete os valores do Natal e a essência do cristianismo. Em primeiro lugar, o presépio é um símbolo da humildade. A cena retrata Jesus, o Filho de Deus, nascido em uma manjedoura, cercado por animais e em um ambiente simples e modesto. Essa imagem contrasta fortemente com as expectativas humanas de realeza e opulência. O local humilde de seu nascimento nos ensina que a grandeza pode surgir da simplicidade, e que os valores do amor, compaixão e generosidade são mais importantes do que bens materiais. Além disso, os personagens que costumam compor o presépio possuem significados profundos. Maria e José, os pais de Jesus, representam a esperança, amor e dedicação. Maria, com sua aceitação do chamado divino, simboliza a fé e a entrega total a Deus. José, por sua vez, exemplifica a proteção e o cuidado paternal, reforçando a importância da família e das relações interpessoais. A presença dos pastores, que foram os primeiros a adorar o recém-nascido, simboliza a inclusão e a mensagem de que a salvação é acessível a todos, independentemente de sua posição social ou status econômico.
Os Reis Magos, que chegam trazendo presentes de ouro, incenso e mirra, introduzem a ideia da reverência e do reconhecimento do divino. Cada um dos presentes carrega um simbolismo específico: o ouro, como símbolo de realeza; o incenso, simbolizando a divindade; e a mirra, representando a humanidade e a mortalidade de Cristo. Essa oferta destes sábios do Oriente reforça a importância de reconhecer e honrar a vinda de Jesus, não apenas como um exemplo de vida, mas também como a verdade encarnada do amor e da salvação. Outro aspecto simbólico do presépio é a estrela que guia os Reis Magos até o local do nascimento. A estrela é frequentemente vista como um símbolo de esperança e iluminação. Em um mundo muitas vezes cheio de escuridão e incertezas, a estrela representa a luz de Cristo, que oferece direção e propósito à vida das pessoas. Ademais, o presépio tem um forte valor cultural e comunitário. Muitas famílias se reúnem para montá-lo, cada um contribuindo com suas tradições e interpretações pessoais. Essa prática gera um elo entre as gerações, perpetuando a história e os ensinamentos de Jesus através do simbolismo do presépio. É uma oportunidade de refletir sobre os significados mais profundos do Natal e discutir os valores que realmente importam.
Diante desse ideal de simplicidade, os poemas que compõem O Burro e o Boi no Presépio, do escritor mineiro João Guimarães Rosa, delineiam justamente o que é considerado tão simplório na cena em questão, mas que para o autor, foi parte de sua existência interiorana: a dupla de animais que está presente não apenas nesse painel, mas também em outras narrativas de sua vasta obra literária. Quem conhece Primeiras Histórias, Sagarana e Grande Sertão: Veredas, dentre outras publicações de Rosa, sabe exatamente a importância que o escritor emprega aos elementos que integram esse cenário sertanejo. Aqui, temos a tradução em poesia, de um conjunto de pinturas medievais e renascentistas que trazem o presépio representado, num meticuloso processo de transformação de imagens em palavras. Em seu esquema de tradução intersemiótica, o escritor coloca na estrutura lírica o que contemplou ao longo de tantas viagens para museus ao redor do mundo. Sem rimas em excesso, os poemas do conjunto colocam em destaque o boi e o burro, evidenciando a ideia de simplicidade dessa cena, que em outras representações artísticas, geralmente não valorizam tais figuras tão emblemáticas para o autor.
Por meio de versos livres e linguagem bem mais próxima do estilo simbolista que modernista, a vanguarda onde a crítica literária encapsulou Guimarães Rosa, O Boi e o Burro no Presépio inicialmente foi publicado na revista Senhor, em 1961, indo postumamente para Ave, Palavra, na década de 1970. Aqui, a aura dos anjos, a opulência dos Reis Magos e a Sagrada Família são desfocados, para o segundo plano, tendo em vista, como já mencionado, evidenciar os animais em questão. Há um debruçar diante de elementos simples da cena, sem tom profético, tampouco fortemente religioso, mas com uma perspectiva de linguagem mais elevada que o habitual no conjunto da obra do escritor. Introduzidos no presépio por São Francisco, no século XII, o boi representa o povo judeu e o que está ligado ao sacrifício, enquanto o burro, conhecido por ser um animal de carga, é o povo gentio, carregado de posturas pecaminosas e idolatria. Dessa curiosa junção, nasceu a perspectiva religiosa que reconhece Jesus como figura central de um credo, tal como conhecemos na contemporaneidade. Em sua poesia de rimas toantes, Rosa nos faz observar esse momento de imensidão com muita singeleza. Tanto o boi quanto o burro, neste painel, são testemunhas do grande milagre dos cristãos.
É, em linhas gerais, uma composição poética muito bonita. Independente de fé e crença daquele que se debruça diante de sua leitura.
O Burro e o Boi no Presépio (Brasil, 1983)
Autor: João Guimarães Rosa
Editora: Salamandra
Publicação original: Revista Senhor (1961)
Publicação posterior: Ave, Palavra (1970)
Páginas: 26