Quadrinhos de coletâneas do gênero do horror no formato maior de revista era muito comuns nos EUA entre as décadas de 50 e 70, como forma de evitar a censura imposta pelo Comics Code Authority. Com o relaxamento das regras do CCA no final dos anos 60, editoras mainstream começaram a enveredar por esse caminho também e um dos mais curiosos exemplos dessa fase foi Weird War Tales, título bimestral publicado pela DC Comics que começou a sair em outubro de 1971 e que teria 124 edições até junho de 1983. Como o título deixa claro, são histórias de guerra com elementos de horror – ou vice-versa, como queiram – e todas elas eram “apresentadas”, outro padrão da época, vale lembrar, por uma entidade, no caso específico um esqueleto de capacete que representa a Morte.
Essa publicação também teve alguns números lançados no Brasil pela finada Editora Ebal a partir de abril de 1979 sob o longo título O Mistério e A Loucura do Terror em Combate, ainda que a edição específica objeto da presente crítica não tenha sido trazida para cá e, até onde consegui pesquisar – mas posso estar enganado – até agora não foi. Trata-se da edição #93 de Weird War Tales que introduz o grupo Comando das Criaturas em uma história originalmente intitulada, simplesmente, de The Creature Commandos!, a primeira da coletânea em questão. Uma história de origem escrita por J.M. DeMatteis com arte de Pat Broderick e John Celardo, além de cores de Adrienne Roy com muito mais semelhanças à origem do Capitão América do que com o Esquadrão Suicida, esse começo é simples, objetivo e até interessante pelo que o roteirista dá a entender, mas não explora de verdade.
Nela, somos apresentados inicialmente ao Tenente Matthew Shrieve, um soldado humano normal que, durante a Segunda Guerra Mundial, revela a existência do Projeto M a oficiais graduados da forças armadas americanas por meio de filmes projetados ao fundo em que se vê muito rapidamente a proposta do projeto sendo executada: a transformação de humanos em criaturas monstruosas de lenda para servirem de armas secretas para instilar o horror psicológico nas forças nazistas. Se o franzino Steve Rogers foi transformado, via soro do supersoldado e raios vita, em um soldado musculoso que representava o ponto alto da forma física do ser humano (era assim no começo e é assim que eu ainda vejo o Capitão, sem superpoderes), em Comando da Criaturas a coisa é muito, mas muito mais macabra, com o fazendeiro Warren Griffith, fazendeiro com problemas psiquiátricos (especificamente licantropia) e, portanto, incapaz de servir na guerra, sendo fisicamente transformando em um lobisomem que, porém, não controla completamente suas conversões; o Sargento Vincent Velcro (o sobrenome seria, anos depois, alterado para Velcoro), condenado a 30 anos de prisão, obtendo comutação da pena ao se juntar ao projeto e ser transformado em um vampiro e, finalmente, o Recruta Elliot “Lucky” Taylor que, tendo pisado em uma mina terrestre em uma ilha do Pacífico, foi reconstruído – menos as cordas vocais – como o Monstro de Frankenstein.
Aprendemos sobre essas origens todas em apenas duas páginas (fora a splash introdutória), com os monstros irrompendo pelo palco da apresentação logo em seguida para uma demonstração ao vivo e a cores, para horror de todos ali presentes, mas obtendo, no final, a luz verde para o projeto prosseguir atrás das linhas inimigas, o que acontece sem perda de tempo, com os três, liderados por Shrieve, jogando-se de paraquedas nas imediações de um castelo nazista onde androides de personalidades políticas importantes do cenário de guerra estão sendo construídos para substituir as reais. Apesar de toda a ciência por trás das transformações dos três humanos em monstros e da criação dos tais androides ser coisa típica de quadrinhos da Era de Ouro, algo que DeMatteis tentou com sucesso emular na Era de Bronze, não é difícil aceitar a premissa porque os inimigos são os nazistas e não há nada melhor do que ver nazistas sendo mortos e esmurrados página após página. No entanto, claro, se o leitor parar para pensar nas implicações morais e éticas do que é feito com os três “voluntários” humanos, a história ganha outros contornos que, porém, DeMatteis deixa apenas nas entrelinhas.
Mas o que DeMatteis trabalha às claras são as personalidades de cada uma de suas criações, tentando criar um semblante de profundidade que ecoa as personalidades das criaturas originais de literatura e lenda. Enquanto Shrieve é a frieza em pessoa, pouco ligando para seus soldados, Velcro revela-se como o rebelde do grupo que só tem falas irônicas e sarcásticas sobre sua condição e o que tem que fazer, com Griffith mostrando-se um lobisomem sanguinolento que é completamente obediente justamente porque só quer saber de matar, matar e matar. Lucky é o mais melancólico dos três, apesar de seu imenso poder e de não conseguir falar. Ele faz o que tem que fazer, mas entende e sofre pelo que vê e executa, sendo perfeitamente consciente de tudo ao seu redor, mas ao mesmo tempo aceitando seu destino. Novamente, há pouco espaço para o roteirista trabalhar esses elementos, as eles sem dúvida se fazem muito presentes e elevam a história para um ou dois níveis acima do que ela poderia muito facilmente ser, ou seja, uma exploração barata de uma força militar composta por monstros.
A arte de Pat Broderick, John Celardo é eficiente para a proposta, tentando inclusive emular HQs de horror mais antigas e clássicas, com sequências que são até surpreendentemente violentas para uma história de editora mainstream. O que eu não consigo gostar é de algumas escolhas de cores por parte de Adrienne Roy, mais especificamente o vermelho da camisa de manga comprida e gola rolê de Shrieve, o tom rosa claro para a pele do vampiro e o verde para o Monstro de Frankenstein. Ficou “super-herói” demais para uma história que faz de tudo para escapar dessas armadilhas fáceis, mas imagino que isso deva ter sido um mandamento da editoria de Len Wein querendo tornar o grupo o mais vendável possível, o que ele em tese conseguiu, pois o grupo retornou em muitas edições posteriores da Weird War Tales, inclusive ganhando mais membros fixos, a górgona Myrna Rhodes e o Robô Recruta, além de, décadas depois, ser alvo de releituras e novas versões, inclusive a recentíssima adaptação em animação por James Gunn. Nada mal para uma história de apenas 11 páginas publicada em meio a várias outras, não é mesmo?
O Comando das Criaturas (The Creature Commandos! – EUA, 1980)
Contida em: Weird Ward Tales #93
Roteiro: J.M. DeMatteis
Arte: Pat Broderick, John Celardo
Cores: Adrienne Roy
Letras: Ben Oda
Editoria: Len Wein
Editora original: DC Comics
Data original de publicação: novembro de 1980
Páginas: 11