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Crítica | Mouse Trap – A Diversão Agora é Outra

Um slasher do Mickey.

por Luiz Santiago
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Só alguém muito ingênuo duvidou que as produtoras independentes iriam se aproveitar, o mais rápido possível, da entrada em domínio público, a partir de 1º de janeiro de 2024, das primeiras animações com Mickey Mouse, desenhado naquele estilo que vemos na icônica animação O Vapor Willie (Steamboat Willie, 1928). E é claro que não se aproveitariam disso em produções fofinhas, confortáveis e gentis. Isso porque há uma tendência contemporânea, no slasher, em corromper histórias adoradas pelo público infantil que passaram para domínio público. Em 2023, tivemos o caso de Sangue e Mel, que custou um troco de feira e arrecadou 7,7 milhões mundialmente. Esse colossal sucesso do Ursinho Pooh psicopata abriu as portas para a criação do Universo Infantil Distorcido (The Twisted Childhood Universe, também chamado de Poohniverse), que promete avançar com um time fofuchamente matador, em slashers protagonizados por Peter Pan (Neverland Nightmare), Pinóquio (Unstrung) e Bambi (The Reckoning). Esta é a onda de produções na qual está surfando o nosso presente objeto de análise: Mouse Trap – A Diversão Agora é Outra.

As produtoras canadenses Dystopian Films, Into Frame e MM Trap não perderam tempo e, em oito dias, conceberam este crime cinematográfico que faz de tudo para seguir os passos do ursinho sanguinolento, torcendo para entrar no gosto duvidoso do público e faturar em cima. A abertura do longa, imitando os letreiros de Star Wars, tenta fazer graça com o fato de que a obra não tem nada a ver com a Disney ou suas subsidiárias. O espectador esboça um tímido sorriso ao longo da gracinha, porque entende a intenção e percebe o medo do produtor Mem Ferda em mexer nesse vespeiro autoral (não nos esqueçamos que o filme deveria estrear em março de 2024, mas só saiu para home video, em seu país de origem, em agosto, sem nenhuma justificativa). Essa incursão metalinguística não é a única que encontraremos aqui, mas é uma das mais vergonhosas, pois age como nos casos em que a piada foi recebida, perdeu a graça, mas o piadista continua tentando arrancar o riso, repetindo o final e esperando arrancar mais risadas. 

Poderíamos falar de quão insatisfatório é o desenho de produção do longa, mas não vejo isso como algo necessariamente ruim. Existem milhares de filmes de baixo orçamento com uma qualidade e importância enormes para o cinema. É claro que, quanto mais limitado o espaço e a disponibilidade de recursos, mais difícil será conseguir um resultado de melhor qualidade, o que acaba colocando uma responsabilidade ainda maior nas costas do diretor. Nesse caso, a bomba veio parar nas mãos do incompetente Jamie Bailey, que começou a dirigir filmes em 2020, e, incluindo esta sua versão assassina para o camundongo disneylândico, só assinou coisa ruim. Esta é uma receita fadada ao fracasso: pouco dinheiro, equipe técnica deficitária e nada afiada, elenco de canastrões e um mau diretor. O resultado só poderia ser um filme que não faz sentido nem mesmo no lado cômico e absurdo que propõe — e eu poderia citar desde a motivação (?) ridícula do assassino para colocar a máscara do Mickey-Willie e sair matando gente; o ingrediente cênico que mistura ficção científica com possibilidades sobrenaturais (?); a montagem completamente alheia ao ritmo interno (?); e a patética sugestão de continuidade, esfregada na cara do espectador numa enervante cena pós-créditos.

O mínimo que se espera de um longa com um Mickey assassino é uma exposição plástica bastante grotesca das mortes, com muito sangue, tripas, gritos e pedaços de carne humana para todos os lados. Mas o diretor simplesmente esconde o início da matança e não sabe compor um movimento interessante dentro dos planos para fazer com que as facadas tenham o impacto desejado. A cena que poderia ter uma das mortes mais legais da fita (uma facada na cabeça) recebe um corte anterior e posterior que inutiliza pelo menos metade da crueza do momento. E para não dizer que o cineasta não acerta uma única vez, admito que a última personagem tem uma morte digna de um slasher, tanto na surpresa, quanto na maneira como a sequência foi filmada. Um verdadeiro grão de qualidade num oceano de porcaria.

Mouse Trap – A Diversão Agora é Outra ainda precisa melhorar muito para ser classificado como um filme horroroso. Seu enredo não tem final, mas tem a coragem de prometer voltar com “novos amiguinhos” para novas brincadeiras mortais. Com essa porteira aberta, é difícil segurar a onda, e é provável que estejamos diante de um novo surto de abordagens para o terror. Resta-nos apenas torcer para que, numa possível continuação, honrem o gênero e saibam pelo menos carregar as mãos nas mortes, tendo a coragem de expor boas cenas com seres humanos sendo fatiados. Afinal, em filmes assim, algum tipo de compensação macabra o espectador precisa ter.     

Mouse Trap – A Diversão Agora é Outra (Mickey’s Mouse Trap / The Mouse Trap) — Canadá, 2024
Direção: Jamie Bailey
Roteiro: Simon Phillips
Elenco: Simon Phillips, Sophie McIntosh, Madeline Kelman, Ben Harris, Callum Sywyk, Mireille Gagné, James Laurin, Kayleigh Styles, Mackenzie Mills, Allegra Nocita, Damir Kovic, Nick Biskupek, Wyatt Dorion, Liam Grue
Duração: 80 min.

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